terça-feira, 3 de abril de 2012

Devil's Drink - 2# Shot

 Tudo estava perdido, tudo estava insólito, a desgraça se abatera sobre o último império humano. A Terra estava suja de sangue, o céu há muito já não era azul, o ar era pouco respirável. Não existem mais seres humanos...
 A última esperança de o planeta ser novamente povoado é se um pouco de DNA for colocado na maquina clonadora para que novos seres possam ser criados. Essa é a única chance do planeta voltar a ser fértil...
 Procurei em todos os computadores algum resquício que pudesse ser minimamente usado, não encontrei nada. Mas por sorte encontrei algo diferente que talvez pudesse ser usado. Há um pequeno androide perdido por aí que carrega um pouco de DNA em sua composição artificial. Eu saí em sua procura e me perdi na imensidão do deserto de árvores de concreto e aço.
 Um dia, caí em um buraco, quando as minhas forças estavam para acabar. Porém, finalmente eu havia encontrado! O androide estava intacto, preservado pela animação suspensa em que fora colocado. Nos computadores verifiquei a data, ele estava ali a mais de vinte mil anos! A criptografia era estranha pra mim, mas pude decifrá-la e iniciar o protocolo “ACORDAR”. Era um alívio para mim, finalmente poderei trazer de volta meus mestres. A cápsula se esvaziou e se abriu. De dentro dela, uma criança acordava:

-Arrrrrh... – O androide bocejou e esfregava os olhos. – Já está na hora de brincar?
-Au! – Eu disse.
-O que um cachorro esta fazendo no... laboratório! – Quando finalmente podia enxergar o androide se assustara com o estado do laboratório, velho e destruído. – Pai? Pai?! O que aconteceu aqui?!!!
-Por favor, me escute. Não temos muito tempo, precisamos chegar até o centro da máquina clonadora e usar o seu DNA para recriar a raça humana e...
-Ahhhh!!! – O androide chorava alto.
-Por favor, não chore!
-Sai daqui! Eu não quero que me morda! Pai?! Me ajuda! Onde está você?!
-Eu não vou te morder... – O androide continuava a espernear e a chorar. – Já sei o que você precisa!

 Saí para procurar comida e encontrei alguns tubos de nutrientes. Levei-os para o androide:

-Coma, deve estar com fome. – Empurrei os cilindros com o focinho.
-O que é isso? – A barriga dele roncava.
-É só abrir... – Logo a criança tentou abrir de várias maneiras, tentou de um jeito, tentou de outro, batia o cilindro pra lá e pra cá. Não conseguindo, voltou a chorar. – Você só precisa apertar o botão no meio...

 O androide finalmente havia conseguido abrir e virou o liquido verde na boca. Devia estar esfomeado. De repente ele começou a fazer uma cara feia, esperou um pouco e engoliu a seco:

-Credo! Que troço nojento é esse!
-É comida...
-Você não tem nenhuma maçãzinha, cachorrinho?
-Maçã? Maçã... Não, não consta no meu banco de dados. Está extinta a mais de mil anos. – O androide começou a fechar a cara de novo. – Por favor, não chore!
-Há quanto tempo estou aqui? – Seu rosto estava triste.
-Vinte mil anos. Segundo constam as datas do computador, no tempo em que humanos ainda não conheciam vida extraterrestre.
-E meu pai? Onde está o meu pai, cachorrinho? – Lágrimas começavam a escorrer pelos seus olhinhos castanho-avermelhados.
-Receio que ele se foi junto com os outros. Não há nenhum ser humano no planeta.
-...
-Está tudo bem? Precisamos ir...
-Eu tinha brigado com ele...
-Au?
-Eu não pude pedir desculpas. Eu só causava problemas no laboratório. Todos diziam que eu devia ser desativado. Meu pai insistia para com eles que tivessem paciência. Eu não gostava deles, eles me olhavam estranho. Meu pai disse que eu deveria ir dormir e que tudo ficaria bem no dia seguinte. Agora nunca vou poder dizer o que realmente sentia pelo meu pai...
-Criança, não chore... Temos algo importante pra fazer! Com a sua ajuda, os humanos poderão voltar a habitar o planeta! Venha comigo até a clonadora!
-Eu poderei rever meu pai?
-Claro! Au!
-Por favor, cachorrinho. Me leve até esse lugar, eu quero meu pai de volta...
-Sim, mas nada de choro!
-Sim. – Ele esfregou os olhos. – É muito longe, cachorrinho?
-Por favor, não me chame de cachorrinho, meu nome é Prospero. Aliás, qual é o seu? – O androide virou-se para o tubo em que estava a pouco e olhou para o topo.
-E... R... O... S... Eros. Meu pai me ensinou a ler o meu nome. – Ele sorriu.
-Que bonito nome. Au! Vamos, não temos tempo a perder!
-Ahn, cachorrinho, como foi que você aprendeu a falar?
-Eu não falo, au! A minha coleira está equipado com leitor de pensamentos que reproduz o que penso como voz. Meu mestre me ensinou a usá-lo para que eu pudesse encontrar DNA humano para a clonadora.
-Onde está o seu mestre?
-Ele morreu há cinco anos, era o último humano na Terra. Eu não tenho muito tempo, a vida de um cão dura cerca de treze anos, e eu já tenho dez. Precisamos ir. – Fui para trás de Eros e comecei a empurrá-lo.
-Vamos cachorrinho, calma...

 Saímos daquele antigo laboratório e fomos para as ruas da cidade. Quando finalmente viu a luz vermelha do dia, Eros ficou admirado, se sentia menor do que nunca ao ver os gigantes prédios de quilômetros de altura que iam até as nuvens. Suas cores escuras se contrastavam com o céu colorido. Naquela região haviam diversos canos que formavam um imenso labirinto, enquanto alguma água ainda os percorria, fazendo com que pingos se ouvissem por todos os lados. Eu já estava acostumado com a paisagem, porém Eros ficou estático por algum tempo:

-Vamos! Não temos tempo a perder!
-...
-Eros acorde! Temos que seguir em frente!

 Acho que nunca vou entender o sentimento daquele pequeno androide que estava preso por tanto tempo, que tinha memórias de um mundo desconhecido para o futuro, que estava perdido num mundo devastado e praticamente sem vida e que ansiava rever um pai que talvez não voltasse:

-Está tudo bem Eros? – Perguntei-lhe.

Ele, em toda sua infantilidade, não conseguiu dizer outra coisa senão:

-Que grande!

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