Drogas, nem morto!
“Por que eu aceitei? Eu não sei… acho que queria
experimentar, talvez. Pensei que seria algo novo, uma transcendência espiritual
inovadora. Agora que me lembro, eu odiava a cor amarela, na verdade acho que
tenho ódio de tudo que é amarelo. Eu não enxergo muito bem as cores, às vezes
sou daltônico, confundo amarelo com preto ou preto com amarelo. Bem, é o que me
disseram…”
Codinome:
BLACKOUT
Era
uma manhã nublada de São Paulo, o sol subia em meio aos prédios pingados do
sereno da noite anterior. BLACKOUT acordou em seu apartamento na Avenida
Paulista, sentindo o frio devorando suas pernas, deveria ter colocado outro
cobertor antes de dormir…
Depois
de algum tempo se esquentando, olhou para o relógio ao lado do retrato da sua
falecida esposa. Fitou o quadro ao invés do relógio por alguns segundos, tendo
algum devaneio de pensamentos, olhando então para o relógio. “Por que eu
acordei?”, perguntou-se ele, “eu não preciso acordar”…
Casualmente,
BLACKOUT era um solitário, não gostava de acordar cedo. Sua renda bastava para
suprir o aluguel, o mercado, alguma ou outra regalia suada, isso bastava pra
ele. Tinha 21 anos. Foi então que conheceu Naoko, uma descendente de japoneses
recatados que morava na Aclimação. Conheceram-se naquela mesma Praça da
Aclimação, num dia de evento qualquer, que por um acaso tocava um bolero… ou
era uma polca? Não importava, fez questão de conseguir um CD com aquela música
como simples pretexto para vê-la novamente. Se conheceram melhor, se tornaram
amigos, Naoko conheceu a família de BLACKOUT, BLACKOUT não conheceu a família
de Naoko, achou estranho ela não querer falar nada sobre a família, não se
importou, estava apaixonado! “Viva a Naoko!”, dizia sempre que bebia com os
amigos.
Uma
noite, em mais um encontro de amigos, BLACKOUT pretendia se declarar para
Naoko, mas o destino não foi tão agradável com ele. Naoko estava noiva de um
rapaz nascido no Japão que queria levá-la para morar com ele. Isso não saía da
cabeça dele. Aproveitou que Naoko se distanciou dos amigos por um instante e
foi atrás dela. Perguntou-lhe o que havia acontecido:
—
Naoko, por quê?
—
Como assim? Apenas estou noiva, oras!
— Você
mão me ama?
—
Minha família nunca iria aceitar nossa relação, mesmo sendo amigos, então,
esqueça! — Naoko saiu apressadamente.
BLACKOUT
não se conteve, foi atrás dela sem que ela percebesse. Saiu de carro depois que
ela pegou um táxi. Foi na surdina, sempre fora do alcance do retrovisor do
táxi. O táxi parou em frente a uma casa simples e familiar da região da
Aclimação. Parou o carro lentamente do outro lado da rua, estava escuro,
ninguém percebeu nada. Naoko pagou ao taxista e o despediu. Procurou as chaves
dentro da bolsa, que subitamente caiu no chão… BLACKOUT havia agarrado-a pela
cintura:
— Diz
que não me ama? — Falou em seu ouvido.
— Me
solta, nossa relação não vai dar certo. — Naoko não queria gritar, poderia ser
muito ruim acordar a família aquela hora.
BLACKOUT
virou-a para si, olhou profundamente em seus olhos… beijou-a com mais paixão do
que um poeta poderia descrever com suas meras palavras. As luzes da casa de
Naoko ascenderam e a porta se abriu, era o pai de Naoko. A moça já estava aos
prantos, mas BLACKOUT não a largava. O senhor Takashi começou a gritar e a
berrar:
— Se
não largar a minha filha seu vagabundo, eu atiro em você! — Um revolver tremia
em suas mãos.
— Tá
vendo o que você fez! — Gritou Naoko.
—
Olha o respeito, meu senhor, sou rapaz digno, trabalhador e eu amo sua filha! —
Naoko sentiu seu rosto enrubescer.
— Larga
a minha filha! — Pegou-a pelo braço e colocou-a dentro de casa. — E você, seu
sujo, fora da minha vizinhança! Não quero ver gentinha como você por aqui de
novo senão eu chamo a polícia!
BLACKOUT
ouviu ao fundo sirene do carro de polícia, provavelmente a mãe de Naoko chamou
a polícia antes que algo ruim acontecesse.
Depois
de algum tempo, perguntando para alguns amigos em comum descobriu que Naoko não
estava noiva quando conheceu BLACKOUT, na verdade sua família não via com bons
olhos… os negros! “Espere aí”, pensou ele, “eu sou negro”? Havia algo de
errado, sua pele era parecida com a de Naoko, o que estava acontecendo?
BLACKOUT
foi ao médico, tentou descobrir porque ele era negro, se ele se via tão
parecido com sua amada. Quando chegou ao oftalmologista, foi diagnosticado com
daltonismo. O médico chegou a pensar que poderia ser uma distorção mental
causado por trauma na infância, pois era um daltonismo extremamente incomum, e
o encaminhou ao psicólogo para tentar resolver o caso. BLACKOUT ficara tão
desnorteado com o caso de sua paixão que nem retrucou se devia ir ou não ao
psicólogo. Ou, no caso, psicóloga…
Durante
toda a sua vida, viveu como um branco, se sentia branco, foi explicando à
médica… “Não entendo, eu sou negro?”, disse, bebendo um copo de água. A
psicóloga, indicada pelo oftalmo, não falava, apenas escrevia. “Você está me
ouvindo?”, perguntou ele para ela…
De
repente, o mundo começou a girar e um buraco no chão engoliu o divã como uma
boca que se delicia com sua refeição. BLACKOUT estava atordoado, caído no chão,
era um lugar escuro, a única luz vinha do buraco acima de sua cabeça, ao redor
parecia haver espelhos, num total de seis, que o refletiam. Ao se levantar, BLACKOUT
se via ali, perdido, olhando para si mesmo. Tentou gritar pela psicóloga, a voz
não saía. O divã, do nada, começou a se dissolver e desapareceu no chão, no
lugar havia um pedaço de terra, assim que começo a receber luz, um pequeno
brotinho começou a sair do chão. Ele crescia, crescia, crescia… surgiu um
botão, enorme! Nenhuma flor normalmente chegaria aquele tamanho. Uma flor
amarela, talvez preta, começou a se abrir, revelando em seu miolo um espelho de
mão redondo de uns vinte e cinco, trinta centímetros:
—
Pegue. — Disse a flor.
— … —
BLACKOUT pegou o espelho e viu, dessa vez, um homem negro. — Sou eu?
—
Sim. — Disse a flor enquanto regredia para o brotinho e desaparecia.
—
Então eu sou assim? — Uma lágrima escorregou pelo canto do rosto. — Por quê?!
Meu Deus, por quê?!
BLACKOUT
retornou a si, estava de volta ao consultório, mas continuava a gritar. A
psicóloga tentou acalmá-lo. BLACKOUT parou, pois havia reparado na blusa da
psicóloga, a mesma flor estava lá, aquela flor amarela:
— Essa
flor, essa flor… foi ela que me deu o espelho! — BLACKOUT caiu do divã se
afastando da doutora.
—
Você se lembra? Como? — “Ninguém normal é capaz de se lembrar das intervenções
psíquicas.” Lembrou-se a médica. — A não ser que… Enfermeira!
Naquele
tumulto, BLACKOUT recebeu uma injeção de calmante. Foi acalmado na mesma hora e
dormiu. Acordou em um lugar branco, no centro de um grupo de pessoas
encapuzadas dispostas uma do lado da outra em círculo:
—
Onde estou? Que lugar é esse?
A
psicóloga, seu codinome era ROSA, retirando seu capuz, disse:
— Bem
vindo à sociedade psicanalítica Drugs.
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