Nem todos
os clientes que chegam a Toca dos Gatos conseguem ficar quietos curtindo em
paz, tomando suas bebidas. Alguns teimam em arranjar brigas por puro
egocentrismo. Uma vez, numa noite fria de neve de inverno, dois guerreiros de
lugares distintos foram ao bar para ter alguma diversão e descobriram-se insuportáveis.
Um se chamava Auran, um artífice – guerreiro que preza pela beleza e perfeição
de suas missões mais do que pela batalha; o outro se chamava Hidari, um típico
guerreiro que conquista tudo através das batalhas, no cara a cara, no mano a
mano – nem preciso dizer o quanto ele é esquentado. Auran tem por arma uma
harpa, tirando desde melodias incríveis a terríveis réquiens. Hidari usa a
grande espada, uma arma maior que seu próprio corpo e tão grande quanto ele,
diga-se de passagem. Eles são opostos que definitivamente não se atraem...
...
Hidari
chegou fazendo um escândalo:
–GARÇOM!!!
Eu quero sua melhor bebida!!! Minha goela está mais seca que o deserto do
Saara!!! – Ele se sentou num dos bancos junto ao balcão.
“Sujeitinho
deplorável”, pensava Auran já sentado justamente no banco ao lado. En’hain fez
como sempre, preparou a melhor bebida do bar, a Devil’s Drink – uma bebida
alucinógena que faz quem o bebe vislumbrar um sonho. Hidari ia começar a beber,
não fosse ele ter notado a grande beleza e satisfação da casa, Lady Neko:
–Chega mais
gatinha, o papai aqui quer te fazer muito feliz essa noite!
–Miau! –
Lady Neko se assustou com o puxão que Hidari lhe fez, deixando cair o pedido de
um dos clientes que não ficou nada satisfeito com a atitude daquele homem:
–Solta a
moça. – Disse Auran. – Não está vendo que ela não quer nada com você?
–E quem é
você sujeitinho metido? Mamãe não lhe avisou que só deveria sair de casa depois
que saísse das fraudas? – Hidari se referia à aparência franzina de Auran,
deixando Lady Neko de lado.
–... –
Hidari não falou, na esperança de que o imbecil que estava a sua frente
percebesse o erro que cometera.
–É melhor
ficar calado mesmo, frangote... – Hidari ia levar o copo da Devil’s Drink à
boca, não fosse ele ter quebrado na sua mão. – Que porra é essa?!
–Lá fora,
agora... – Auran saiu de dentro do bar e foi para a praça da vila e Hidari foi
atrás, ambos calados.
Os dois
ficaram se encarando por algum momento, esperando ver quem começava. Como o
assunto não ia pra frente, Auran falou:
–Pro seu
próprio bem, acho melhor você pedir desculpas... – Hidari começou a rir
descontroladamente.
–Hahaha...
Nem a pau! – Sua cara ficou séria de repente e partiu para cima de Auran,
sacando sua espada.
–Acho que
vou precisar ser mais duro com você criança. – Auran saltou, desvencilhando-se
facilmente do golpe, o que deixou Hidari vermelho de raiva.
Com
precisão e rapidez, Auran abriu o estojo de sua harpa oriental de treze cordas,
sentou-se e começou a tocar sua música mais conhecida, a sinfonia das facas.
Hidari começou a ser golpeado constantemente pelo próprio ar, que lhe fez
alguns cortes superficiais. Ele colocou a grande espada na frente do corpo e a
enterrou no chão, impedindo os golpes de fazerem mais estragos. Auran cerrou os
olhos:
–Você
realmente pensa que algo assim vai me impedir? – Ele mudou a maneira como
tocava a harpa e as facas de ar começaram a dar a volta por trás dele.
–Desgraçado!
– Depois de alguns corte, Hidari tirou a espada do lugar e deu um forte giro de
trezentos e sessenta graus, mandando uma forte onda de ar que quase atingiu
Auran que saltou bem alto dali mesmo. – Haha! Esse jogo é para dois, seu
metido!
–Me parece
que o imbecil está se divertindo com nossa pequena disputa? – Hidari se
enraiveceu mais ainda. – Ter prazer numa luta de honra é para os ridículos!
–Miserável!
– Mandou outra onde de choque para cima de Auran. – E o que você entenderia
miserável! Um guerreiro de verdade vive pela sua batalha!
–Tolo! –
Auran pulou novamente para longe. – Só os tolos têm prazer em tirar a vida do
próximo!
–Ora.. seu!
De um lado,
Hidari mandava ondas de ar comprido sucessivas tentando acertar Auran; do outro
Auran aumentava a intensidade de sua sinfonia de maneira frenética, sem, no
entanto, estar parado. A disputa se prolongava por apenas alguns minutos, mas o
estrago que causava a pequena vila dos gatos era grande. Os nekos estavam
preocupados, o Senhor Gunshin estava fora de novo e se aquilo se prolongasse
ainda mais, a vila poderia sofrer grandes consequências.
–E o que
você pensa em fazer? – Perguntou Gurei a En’hain.
–Eu vou dar
um jeito...
En’hain foi
mais próximo que pode daquela guerra insana e tentou falar com os dois:
–PAREM JÁ
COM ISSO! – Os dois olharam para En’hain, se entre olharam e fizeram sinais
comuns, se entendendo entre eles.
–Vamos
acabar com esse aí primeiro...
–Quem
matá-lo ganha...
–FUDEU!!! –
A batalha tinha mudado completamente de sentido. – Bem, se assim que vocês
querem...
En’hain deu
uma espalmada poderosa, reverberando por todo lado, chegando até os
encrenqueiros que se desequilibraram um pouco, mas só um pouco:
–Vejam só!
Ele também sabe brigar. – Disse Hidari num tom de gozação.
–Então quer
dizer que Gunshin deixou este lugar sagrado nas mãos de seu barman?
–...! –
En’hain não entendia nada. – Do que vocês estão falando?
–Acho que
aqui vou poder usar meus poderes especiais... – Disse Hidari.
–Hum, ótima
idéia! Também vou usar minhas melhores notas para desfiar a carne desse
intrometido.
–Não será
preciso... – Interrompeu Hidari.
Na espada
de Hidari existem duas grandes jóias, um rubi e uma safira, que possuem
propriedades elementais do fogo e da água, respectivamente. Hidari colocou a
espada na frente do corpo e apertou fortemente a empunhadura, liberando a
energia contida nas jóias. Seu corpo se metamorfoseou sendo tomado pelas
energias das salamandras e das ondinas, deixando um lado do corpo alaranjado e
em chamas, e o outro azul e cristalizado. O poder Elemental também tomou conta
da espada que liberou uma descarga intensa de energia sobre En’hain, que foi
acertado em cheio, sumindo no meio do vapor em chamas:
–Eu disse
que não seria preciso. Onde nós estávamos, mesmo? Disse Hidari.
–A luta
ainda não terminou... Olhe! – Auran apontava para o meio da fumaça que se
dispersava.
–ISSO DOEU!
– Aquele tom voz macabro anunciava que En’hain estava praticamente
transformado, uma vez que sua carne fora inteiramente removida.
Porém, havia algo de diferente
daquela vez, a transformação ocorrera rápido demais e não houve tempo para ele
conter suas emoções. O próximo estágio de En’hain estava surgindo. Na sombra
daquela fumaça podia se ver algo medonho, de olhos vermelhos e sem nenhuma
outra feição, de corpo completamente prateado. En’hain sentiu dores fortes e
começou a se contorcer e diversas bocas cheias de dentes surgiram pelo seu
corpo. De dentro delas estavam sendo emanadas chamas azuis que tomaram conta da
aura de En’hain, deixando a visão ainda mais sombria. En’hain se moveu para
frente e sumiu. Os dois guerreiros nem tiveram tempo de se defender...
Pela manhã, como de costume,
Gunshin, o dono do bar, aparece sem ser anunciado:
–En’hain, o que aconteceu aqui?
Porque estes dois estão completamente enfaixados?!
–O idiota exagerou ontem na hora
de proteger a vila... – Disse Gurei.
–...!
Foi isso...
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