quarta-feira, 9 de maio de 2012

Devil's Drink 13# - La Estrega

            Esta é uma história que os clientes do bar costumar contar, alguns dizem que é macabra, outros que é um romance. Leia e descubra o que foi que aconteceu...
            “Ela era linda, de sorriso meigo e gentil”, dizia um rapaz pálido, enquanto chorava, “Ela era a mais perfeita das mulheres, Serena... Sim! Que belo nome! Este era o nome daquela moça que eu havia conhecido. Ela estava perdida, não sabia para onde ir. Era noite de lua cheia, decidi ir com ela, para protegê-la caso algo acontecesse. Ela sorria com muita doçura, tanta que eu jamais tinha visto, resplandecendo mais que o luar. Sua pele era suave e me levava pelo braço como uma folha solta no ar. Eu estava alegre, sentia meu corpo entorpecer com algo que não entendia, mas me deixava levar. Veja, somos nós que estamos vindo por aquele caminho!”
            O jovem desaparecia, e a história continuava sobre os dois que se apaixonaram a primeira vista, davam risadas a toa, como se a vida não passasse de uma grande alegria. O céu estava limpo, fazendo da lua um holofote só para eles:
            –Qual é o seu nome? – Perguntou a moça, sorrindo abertamente.
            –Meu nome é Lorenzo. Engraçado, eu nunca te vi por aqui...
            –É raro que eu saia, apenas isso. Por isso me perco tão perto de casa. Vamos logo, estamos no caminho certo. Não quero que fique muito tempo no frio da noite.
            –Não se preocupe bela dama, já andei muito por estes caminhos. Sei bem por aonde vamos, logo a frente há uma casa abandona...
            –Me desculpe... – Interrompeu a moça. – A casa não é abandonada, é lá que eu moro...
            –Perdoe-me vós então pelo que vou dizer, há muito já entrei naquela casa quando menor e nunca encontrei ninguém morando sequer pelas redondezas. A histórias sobre criaturas medonhas que vivem deveras por estas bandas assustam qualquer coração valente por tamanha ousadia. Dizem que nem os lobos ousam dormir por aqui por causa das risadas incessantes que se ouve na calada da noite...
            A moça despontou a chorar, parada no meio do caminho com as costas dos braços no rosto tentando não demonstrar sua tristeza:
            –Aconteceu alguma coisa, jovem donzela? Acaso me perdi demais em minhas palavras e deixei escapar algo que não lhe convinha?
            –É que... – Tentava segurar o choro. – Minha família é muito pobre. Minha mãe morreu quando eu nasci e desde que meu pai faleceu, perdemos nossa casa, e nos refugiamos, eu e minhas irmãs, naquela velha cabana.
            –Não chore pobre moça, não sou de muitas riquezas, mas prometo-lhe que dividirei convosco o que eu puder. – Lorenzo então tirou do bolso o lenço que carregava, bordado a mão com as iniciais de seu nome por sua mãe e enxugou ele mesmo o rosto da moça que tentava se esconder, desviando o olhar.
            Seu rosto era perfeito, seus olhos transmitiam-lhe certa decepção e languidez, o nariz ela delicado como um floco de neve de inverno, as maçãs do rosto estavam coradas, seu respiro quente era excitante demais. Lorenzo não se conteve, já estava naquela ansiedade a tempo demais e beijou-a, com toda a ardência que seu corpo tinha, tentando se conter para não assustar a moça. Parou por um instante, temendo que quando abrisse os olhos sua repentina amada o desprezasse e lhe fugisse dos braços. Quando finalmente abriu, viu que ela ainda permanecia de olhos fechados e recostava sua face na palma de sua mão:
            –Desculpe-me. – Disse Lorenzo, tentando esconder o encabulamento, afastando-se da moça. – Sou um estranho para a senhorita e lhe fiz tamanha perversão, assim, sem mais nem menos.
            –Não precisa se desculpar, na verdade, lhe sou muito grata, nunca fui beijada por ninguém...
            Lorenzo sorriu e permaneceu quieto. A moça, benfazeja depois de tamanho agrado, queria continuar logo a caminhada, já era tarde, suas irmãs deviam estar preocupadas. Se aproximando da casa, Serena apontou para a luz na janela que apagava:
            –Veja, minhas irmãs já estão indo dormir, cansaram de esperar por mim. Vamos nos apressar!
            –Sim! – Lorenzo queria falar algo a mais para a moça, mas não conseguia...
            Chegando a casa envelhecida pelo tempo e que precisava urgentemente de reparos, a moça logo que pode abriu a porta e entrou, no meio do escuro. Lorenzo se preocupou e entrou atrás dela:
            –Serena?! Está tudo bem?! – Lorenzo levantou a lamparina que carregava desde sua casa e viu-se preso numa armadilha. – Por Deus, o que é isso?!
            A sua volta havia pelo menos umas quatro mulheres horrendas, velhas, enrugadas, de feições deformadas que em nada se assemelhavam a seres humanos. Elas olhavam para ele, com seus olhos amarelados, arregalados e profundos. Seus sorrisos eram diabólicos e sedentos. Não havia dúvida, eram bruxas:
            –Ahahaha! – Fez uma delas, a que possuía o cabelo mais ralo. – Você é nosso!
            As mulheres loucas começaram a entoar palavras indizíveis e acenderam um caldeirão sem nem precisar colocar fogo na lenha. Uma fumaça começou a subir e o jovem, estático de pavor, sentiu o mundo girar e desmaiou...
            Tonto e com dor de cabeça, Lorenzo acordou completamente amarrado, como se estivesse num espeto para ser assado. Não lhe amordaçaram, justamente para que gritasse durante o ritual que se seguia. Eles estavam num morro, em volta de um altar. A lua estava no centro do céu e várias outras bruxas começavam a aparecer por todos os lados. Todas elas gritavam extasiadas com alguma bebida que tiravam de um grande caldeirão, muito maior que o que Lorenzo vira:
            –O que querem comigo?! – Gritava desesperadamente. – O que vão fazer comigo?!
            –Tolinho, não vede o que fazemos aqui... – Dizia uma voz familiar um pouco alterada. – Vamos te sacrificar num ritual para o nosso deus! Ahahaha!
            –Esses olhos... – Lorenzo via uma moça com uma máscara que cobria a região ao redor dos olhos e do nariz. – Serena? És tu?
            –Vejo que minha máscara não é o bastante... – Tirou a máscara. – Sim, sou eu!
            –Mas, Serena, por quê?!
            –Você quer mesmo saber?! – Dizia com tom de escárnio. – Porque sou uma bruxa! Ahahaha!
            A bela face se deformou de repente, o que era belo havia se tornado medonho, os dentes tinham forma de serra, pontiagudos. As maçãs do rosto que antes esboçavam ternura e jovialidade estavam estranhamente protuberantes, desfigurando ainda mais sua face. Lorenzo era um rapaz puro, lágrimas corriam pelo seu rosto devido ao desgosto, mas algo de bom ainda lhe permanecia no coração:
            –São os mesmo olhos...
            –O que disse?! – Perguntou Serena, a bruxa.
            –São os mesmos olhos que eu vi. Duas jóias preciosas que perderam o seu brilho para a tristeza. Nem a lua se equipara a sua beleza. Oh, ouvi-me um pouco mais, Serena! Quero lhe dizer tanta coisa escondida em meu peito. Já não me aguento mais! Quero beijar-te de novo, sentir novamente o toque de seus dedos, poder sonhar acordado que estou no paraíso...
            –Ahahaha!!! Ouviram isso irmãs?! Ele viu meu rosto e ainda pensa que vais me enganar com esta falsa lamúria?! Ahahaha! – Todas as bruxas, fora as que ainda estavam extasiadas e gritando grunhidos inintendíveis, estavam rindo bem alto.
            –Vamos logo com isso irmã, nosso mestre não tarda no que promete, não tardamos nós com nossa promessa! – Disse aquela primeira bruxa da casa abandonada.
            –Sim! Irmã! Pegue o machado! – Dizia uma outra que terminava cada sentença com gritinhos irritantes.
            –Serena, não faça isso... Se me tem alguma praga, ei de me empenhar em ter o teu perdão. Eu vos quero bem, esqueceria qualquer coisa para estar contigo...
            –Cale-se! Presas não devem reclamar quando estão sendo abatidas! Aceita teu destino e se ofereça ao nosso mestre! – Serena começou a balançar o machado pesado.
            –Serena, por favor, não faça isso... Argh! Argh! – Umas duas machadadas abriram lhe as costelas.
            Rapidamente as bruxas, com seus dedos esguios, de unhas compridas, feias e afiadas, terminaram de abrir o peito do rapaz. Serena pôs suas mãos lá dentro e retirou o coração pulsante de Lorenzo, arrancando-o com crueldade. Ela levantou alto o coração, deixando alguns pingos caírem em seu rosto e o jogou dentro do caldeirão que começou a borbulhar forte e a levantar grande fumaça:
            –Está feito irmãs! Nosso deus aceitou nosso sacrifício! Viveremos mais cem anos belas e jovens!
            –... – Lorenzo agonizava ainda algumas palavras e Serena voltou para perto do corpo para terminar a estripação. – Eu... esqueci... de dizer...
            Por fim, aquela grande quantidade de sangue pareceu escorrer por seus olhos. A bruxa achou estranho que aquilo ainda acontecesse, mas não ligou e terminou o serviço que fazia:
            –Nenhum homem desgraçado jamais havia me roubado um beijo, você teve o que merecia!
            Mais tarde, quando já amanhecia e a festa das bruxas terminava. Serena estava mudada, as bruxas notaram algo de diferente nela:
            –O que foi irmã? Teve alguma indigestão com as vísceras?
            –Não é nada...
            –O desgraçado havia lhe feito algo antes de chegar naquela casa minha criança?
            –Só estou me sentindo estranha... É como se, é como se...
            –Diga criança!
            –É como se eu sentisse pena daquela homem...
            –Ah! – Fizeram todas, que fugiram dela e desapareceram, pois o sol já iluminava o dia e temiam que suas peles pudessem queimar e envelhecer novamente.
            –Eu não entendi... – Uma pequena lágrima, verdadeira dessa vez, desceu pelo seu rosto. – O que ele queria dizer?
            Então um vulto lhe apareceu em sua frente:
            –Eu queria dizer, que esqueci de dizer, EU TE AMO... – e sumiu.
            –...!

...

            Todos os clientes do bar que tiveram essa alucinação por causa da Devil’s Drink relatam que não puderam ver o que aconteceu a bruxa. Disseram apenas que quando voltaram a si, sentiam um imenso vazio...

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