–Como é que
é?! –Indagou En’hain.
–Vamos ao
porão... – Disse Gunshin procurando por algo no meio do chão atrás do balcão.
–Que
porão?! Essa casa, esse bar... tem um porão?!
–Sim...
Achei! – Não dava para ver o que o dono do bar fazia, mas deu para ouvir o
barulho de uma chave virando.
En’hain
estava estranhando tudo aquilo e foi para trás do balcão lentamente:
–Que merda
é essa?! – En’hain se deparou com um buraco no chão, não havia porta nenhuma,
nem fechadura e muito menos um dispositivo que pudesse esconder uma parede
falsa.
–É uma
escada, por quê?
–...! –
Tinha fumaça saindo da cabeça de En’hain que estava com a cara fechada. – Nada
não... Você sempre me escondendo alguma coisa. Vai me dizer que aqui também tem
um sótão, não é?
–Não, não
tem... Você queria um?
–Deixa pra
lá... O que a gente vai fazer lá embaixo mesmo? – Gunshin pulou dentro do
buraco que possuía um desnível e continuo descendo pela escada. – Ei, me
espere!
O porão do
bar, se é que se podia dizer isso, era um lugar amplo, cheio de prateleiras com
garrafas velhas e esquecidas, provavelmente uma adega. No entanto, haviam mais
coisas, haviam caixas, baús, entulho jogado em cima de entulho, “Um verdadeiro
ferro velho”, pensou En’hain.
–En’hain! –
Chamou Gunshin. – Venha aqui, tem algumas caixas para você levar lá para cima!
–Sim! Onde
você está? Não estou te vendo! – De repente, um estalo de dedos e algumas
lamparinas espalhadas pelas colunas de sustentação acenderam, iluminando aquele
vasto local que parecia não ter fim, talvez por nem todas terem acendido.
En’hain pegou uma delas e se pôs a andar na direção da voz de Gunshin.
–Vamos
logo! – Gritou Gunshin. – Eu já vou levar metade lá pra cima.
–Dá um tempo, caramba! Não dá pra
ver nada direito aqui.
–Pare de ficar com medo! E venha
logo pegar essas garrafas de Devil’s Drink! – A voz estava distante e a cabeça
de En’hain soltava fumaça...
–Velho desgraçado, nunca me diz o
que está realmente fazendo... – Resmungava En’hain baixinho, tentando não ser
ouvido pelo dono do bar.
–Pegue as caixas de Devil’s
Drink! – Falou alto mais uma vez.
–Que caixas?! – En’hain bateu o
pé em alguma coisa. – Ai! Cacete! Ahn... Heheh, achei!
En’hain havia batido justamente
nas caixas de garrafas que Gunshin havia mandado procurar. Notou que ao lado
estavam marcas de algo que foi movido recentemente:
–Filho da mãe! Que raiva! Já me
deixou largado aqui! – En’hain ficou vermelho. – Bom, é o jeito.
Pegou as duas caixas que haviam
ali com uma das mãos e com a outro foi apoiando, enquanto segurava a lamparina
para não se perder, e foi votando em direção a escada... “Que escada?”, se
perguntou, pois não conseguia saber onde aquela escada estava no meio daquela
imensidão.
–Fudeu! – Disse preocupado. – Gunshin,
onde está você?!
–... – Ninguém respondeu.
–Só me faltava essa! – E
continuou andando. – Como é que eu vou fazer pra sair dessa imensidão? Opa! O
que é aquilo ali?
En’hain se distraiu com algo
grande com um lençol branco por cima, deixou as caixas de lado e foi olhar.
Puxou o pano e descobriu um espelho, um pouco maior que ele na qual começou a
se ver. Ele se sentiu estranho, num primeiro momento sabia que era ele, mas não
se reconhecia. O que ele via era alguém de cabelo prateado, olhos de pupila
rasgada verticalmente com fundo vermelho. Os dentes eram apenas caninos, muito
salientes, como um tubarão, só que metálicos. Suas unhas, também metálicas,
mais pareciam como as garras dos nekos.
–Que porra é essa...
–Nossa que demais! – Disse Gurei
admirando o espelho.
–CACETE! Que susto você me deu
agora!
–Do que você está falando? Eu
acenei pra você pelo espelho.
–Espere aí... – En’hain se virou
de volta para o espelho e tomou outro susto. – Eu só consigo me ver!
–Verdade... Eu também só consigo
me ver. Nossa! Como eu estou bonito! Caramba! Posso ver meu outro olho! – Gurei
admirava uma imagem diferente dele, alguém muito parecido e que não usava
tapa-olho.
–Para tudo! – Disse Lady Neko que
apareceu do nada. – Gente! Como eu estou magra, linda, maravilhosa e magra,
miau!
–Lady Neko, você também?! –
Indagou En’hain. – Você disse magra duas vezes? Vê se te enxerga mulher!
En’hain disse aquilo e outras
coisas, mas nenhum dos dois ligou para ele. Mas o que mais o preocupava era sua
própria imagem: “Porque eles estão gostando do que estão vendo e eu nem consigo
me reconhecer?”, pensava ele.
Do lado de fora, Gunshin esperava
pacientemente que En’hain e os outros saíssem:
–Ele está demorando demais...
–Nyaaa! – Fez Akai se debruçando
por cima do balcão para ver o buraco.
–Vá lá ver o que eles estão
fazendo. – Mandou, sem mais nem menos.
–Nyaaa?! – Akai desceu do balcão
e se escondeu.
–Quer me perguntar alguma coisa,
Akai? – O pequeno voltou a parecer pela frente do balcão, tentando evitar o
olhar de Gunshin.
–O Espelho de Narciso está lá
embaixo, não é? – Perguntou Akai sem problemas.
–Você já conheceu esse espelho,
pequeno? – “Akai parece saber mais do que demonstra”, pensou Gunshin.
–Esse espelho maldito já trouxe
muitos problemas à Vila dos Gatos. Por que ele ainda está aqui?
–Você verá... – Disse sorrindo.
–AAAAAAAAAAH! – Alguém gritou lá
embaixo.
Akai ficou muito assustado, indo
para frente do balcão de novo, Gunshin nem ligou:
–Está feito! – O dono do bar se
alegrou.
Lá embaixo, o espelho estava
quebrado e En’hain estava agachado em posição fetal, se lamuriando:
–Porque comigo? Porque comigo? –
Ele escondia a cabeça atrás dos joelhos enquanto se balançava pra frente e pra
trás.
Os dois nekos pareciam estar
acordando do transe e perceberem que En’hain havia gritado. Gurei levantou a
lamparina para iluminar En’hain melhor e deparou se com aquela cena inusitada:
–Mas o quê? En’hain, você está
bem?
–Amore, tudo bem? – Perguntou
Lady Neko.
–Minha vida terminou... – Disse
En’hain, ainda escondendo o rosto.
–O que aconteceu com o seu
cabelo? – Continuou Gurei. – Vamos, levante o rosto para que eu possa ouvir
melhor...
En’hain levantou, ainda com muito
medo, para que os outros pudessem vê-lo, temendo o que pudessem dizer. Gurei
viu e não conseguiu segurar:
–Hahaha... – Gurei dava risadas
altas.
–En’hain... Você está tão...
diferente!
–Acho que foi aquele maldito
espelho...
–Vocês três, venham logo! – Disse
Gunshin.
–Sim... – “Velho maldito
desgraçado que só me mete em mais encrenca...”, pensava En’hain emburrado.
Os três se dirigiram para fora do
porão logo que viram a escada, que aparentemente apareceu assim que Gunshin os
chamou. Gurei saiu primeiro, depois Lady Neko e por fim En’hain, que não queria
sair de trás do balcão:
–O que você ainda está fazendo
aí? – Perguntou Gunshin.
–Eu não vou sair daqui...
–Saia logo, eles precisam ver
como você está... – Insistiu Gunshin.
En’hain estava envergonhado e não
conseguia tirar as mãos das costas. Gunshin o puxou pelo braço e finalmente
todos firam o que estava atormentando En’hain. Conforme ele vira no espelho,
ele estava daquele jeito, cabelos prateados, olhos de pupila rasgada com fundo
vermelho, seus dentes e garras estavam afiados e eram feitas de metal. Só havia
um detalhe que faltava:
–Hahaha... Uma calda?! – Gurei
ria muito alto.
–Para de rir seu palhaço!
–Ui! Cuidada com essa boca...
tubarão!
–Ninguém merece... – Saia muita
fumaça da cabeça de En’hain, uma veia na sua testa estava saltada e mostrava um
sorriso forçado com seus novos dentes afiados. – Gunshin, por favor, tem como
reverter isso?
–Na verdade... Não. Não foi o
espelho que fez isso com você...
–Mas, então... O que significa
isso?
–É a sua transformação que
continuou. Acho que já deve estar estável agora.
–Fudeu... – Lágrimas metálicas
despontavam no canto do olho dele.
Akai ouviu a conversa e
finalmente saiu de onde estava escondido, indo subir nas costas de En’hain:
–Nyaaa! – Fez ele feliz, usando a
nova cauda de En’hain para subir.
–Ai, cacete! – O draconiano gemeu
de dor. – Akai, é você, é?
–Nyaaa! – O pequeno neko estava
muito feliz com En’hain, não demonstrando estranhar as novas condições de seu
mestre, já que havia ficado muito mais fácil subir em cima dele. O dono do bar
ficou olhando para Akai enquanto ele brincava na cabeça de seu barman: “Esse
neko”, pensou Gunshin, “é bom que eu tome cuidado com ele”...
–En’hain? – Lembrou Gunshin. –
Onde estão as caixas?
–Putz... Sabia que tinha
esquecido alguma coisa...
–Hahaha... – Gurei continuo a rir
de En’hain, que apontou sua nova cauda pra ele e que abriu em vários espinhos
de metal, enquanto olhava para Gurei com olhar assassino. – Vixi!
E todo mundo riu daquela
situação...
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