quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 16


O Mercado Negro

 

            Ferus trabalhou duro, se virou para conseguir concertar as dezenas de máquinas e terminou uma ou outra. A velha senhora estava contente, depois que viu tantas coisas funcionando de uma só vez, esqueceu se de seus problemas, ajudou o castelar incógnito a encontrar algumas peças aqui e ali, e lhe trazia o máximo de comida que podia – o que já não era muito pra ela.
Passado alguns dias, Dinha falou a Ferus que precisavam ir ao mercado negro, trocar algumas sucatas por comida e talvez conseguir mais alguma coisa pelas máquinas concertadas. O lugar não era longe, era escondido como a maioria das residências do planeta sem nome, sob um tipo de monumento discoidal feito de metal maciço, com um centro esférico que refletia luz, evitando que as pessoas que entram e saem daquele lugar sejam vistas durante o dia. O Senhor de Castelo colocou uma máscara de gás que cobriu todo o seu rosto, Dinha fez o mesmo e partiram para o mercado.

...

            Dentro do corredor escuro do mercado, Dinha acendeu uma lamparina a óleo de luz muito fraca e tênue que iluminava vagamente o lugar. Ferus estava carregando as pequenas máquinas que havia reconstruído. Ele tinha em mãos máquinas simples usadas no cotidiano para preparar alguma comida, transmitir alguma mensagem e tinha até uma pequena câmera. “O que será que vamos conseguir com isso?”, pensou ele, tentando enxergar o caminho escuro.
            Pelo caminho, o jovem castelar via olhos grandes espreitando pelos cantos. Eles olhavam atentamente para ele, fazendo-o sentir arrepios. E então falou com a idosa, bem baixinho:
            – Falta muito para encontrarmos o mercado?
            – Já estamos nele... – Dinha percebeu a curiosidade do rapaz e completou. – Esses são os vendedores. Eles estão ansiosos por compradores.
            – ...! – Ferus sentiu-se deslocado daquele lugar estranho e resolveu olhar mais atentamente. – Por que os olhos deles são tão esbugalhados?
            – Boa parte deles nunca saiu daqui, criança. Os pais viveram aqui e eles sempre viveram aqui... – Ferus sentia dificuldade em engolir. Era como se um sapo tivesse se alojado em sua garganta e não quisesse subir nem descer, tamanha a estranheza das coisas.
Caminhando cada vez mais adentro do mercado, o castelar via o corredor ficar apertado, aproximando as lojinhas. Umas poucas tinham algum aparato brilhante que iluminava fracamente os escassos produtos que oferecia. Ferus olhava atentamente para aquilo, sentindo-se muito enjoado. O que ele mais via eram pedaços de carne e tripas, as vezes ressecados, outros ainda “frescos”, que exalavam cheiros difíceis de entender. Ele parou bruscamente e pôs a mão no braço de Dinha, interrompendo seu andar. Ela viu seus olhos atônitos e procurou o que ele havia visto. Percebendo que estavam no açougue, ela entendeu o que Ferus queria:
– Sim, criança. Você poderia estar aqui se não fosse por mim...

...

            O longo corredor parecia não acabar. Ferus estava começando a sentir medo por estar ali. Tantos olhos, tanta gente, tanta miséria! Seu coração se apertava, por ver tal situação de desgraça que inevitavelmente morria em silêncio por não poder fazer nada naquele momento.
            Porém, foi quando eles estavam chegando ao objetivo que Ferus mais se assustou. Ali, nas últimas lojas, tinha algo que parecia uma barriga, completamente inchada, praticamente do seu tamanho. Ele pensou que talvez fosse um animal, mas ficou parado no lugar quando pode ver a cabeça daquele sujeito. O castelar ficou ali, parado, sem se lembrar que precisava andar. Dinha lhe chamou a atenção e ele tentou dar um passou, quando viu algo que quase o fez vomitar. De dentro da barriga, saindo pelo umbigo, um bicho escroto e escuro foi cuspido, voando alto. Junto dele uma grande quantidade de uma pasta amarela foi expelida junto. Um senhor, ao lado da criatura gorda e enorme, pegou a pasta e colocou-a em um molde. Pôs um pavio e acendeu, iluminando a monstruosidade que fazia. Ferus estava quase gritando, mas Dinha o tirou do estado de choque puxando-o pelo braço:
            – Criança, você não devia ficar parado olhando para os oleiros! Se eles colocarem um verme de gordura em você, você acabará como óleo de lamparina! – a voz da senhora era preocupada.
            – Por quê? Por que vocês usam isso? – Ferus se sentia muito angustiado.
            – Não temos outra maneira de conseguir óleo. Não existe nada nesse mundo que consiga produzir gordura além de nós, humanos...
            – ... – foi inevitável, ele se sentiu tão mal que acabou chorando debaixo da máscara.

...

            Enfim, ao chegar à última loja do extenso corredor, os dois encontraram uma luz, meio fraca e piscando, mas que iluminava perfeitamente bem a entrada da loja. Dinha era conhecida do dono e os dois se felicitaram mutuamente:
            – Orzi, Dinha! – (Olá, Dinha!)
            – Orzi, terromano, Toshi?! – (Olá, como vai, Toshi?!)
            – Hermago sor se? – (Trouxe algo pra mim?)
            – Lo! Artenia hi sugo! – (Sim! Espero que goste!)
            Ferus, ainda constrangido com a situação da população daquele lugar, tirou a máscara para limpar os olhos que estavam irritados por causa das lágrimas. Ele mal notou a conversa dos dois, que parecia muito animada. Dinha mostrava as coisas novas que havia trazido, muito contente por finalmente trazer algo que já funcionasse. Toshi, o trapeiro da loja, também ficara muito contente em saber que eram coisas que poderiam ser úteis e que teriam um bom preço para os compradores das vilas que ficavam ali perto. Ele perguntou onde os voadores – como costumam chamar as naves lixeiras que depositam o lixo e o entulho no planeta – teriam deixado essa carga tão preciosa. Dinha achou engraçado o senhor Toshi falar daquele jeito, afinal, se ela tivesse encontrado aquilo inteiro, os outros trapeiros já teriam levado. Curioso, ele perguntou como ela havia conseguido aqueles aparatos todos em funcionamento. Ela apontou para o garoto que a acompanhava e que naquele momento estava de costas, olhando para a mercadoria disposta no lugar.
            Ferus olhava tudo aquilo pensando em como usar aquelas coisas. Tinham engrenagens, parafusos, porcas, diversas peças e algumas ferramentas. Foi então que encontrou algo que conhecia, uma caixa de música de Newho. Ele a pegou com carinho e chacoalhou-a levemente, verificando se as peças não haviam se soltado. Sem nenhum barulho, pegou uma das ferramentas que havia visto, colocou-a em uma fenda e girou uma peça que deu corda na caixa. Os dois senhores ficaram maravilhados com o som melodioso daquela caixa:
            – Criança! Que lindo! O que é isso?
            – ... – Ferus não respondeu.
            – Ferus? Menino, o que há com você? – Dinha se aproximou e viu o castelar chorando de novo. Ao termino da música, o Senhor de Castelo finalmente falou:
            – Isso lembra a minha mãe e o meu pai. Eu nunca os conheci, mas sei que eles já cantaram essa canção pra mim...
            Dinha pôs a mão no seu ombro que estava um pouco alto para ela, tentando lhe transmitir algum consentimento:
            – Por favor, toque de novo! – disse sorrindo.
            – Sim...
...

            Depois do fim daquela canção, um jovem com uma máscara de gás que cobria a boca e o pescoço entrou na loja, sendo seguido por um grandalhão que quase não conseguiu entrar por causa do teto baixo:
            – Ferus!
            – Westem!
            – Que bom revê-lo, baixinho! Pensei que nunca mais veria esse seu cabelo azul!
            – Heheh... – o jovem castelar se animou.
...

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