sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 17


A Autoridade



            – O que você quer de nós, jovem incauto que vem de outra terra?! – Começou o pai de Darla com raiva, um homem de aparência decaída que não era nem a sombra do que já fora um dia, falando através da telepatia da filha. Mesmo que quisesse, ele não poderia falar de outro jeito, sua mandíbula fora arrancada por uma das grandes máquinas da Irmandade. No meio da luminosidade fraca, a imagem de sua face com a língua pendente era consternadora. – Se vamos morrer, deixe nos ter o nosso destino!

...
            Nerítico encontrara na vila o líder que comanda e incentivava as pessoas, as míseras vinte pessoas que vivem ali, presas do mundo exterior. Suas condições eram deploráveis, muitos estavam com feridas ainda abertas, partes do corpo mutiladas ou amputadas. Outros tinham grandes caroços por todo o corpo, a pele estava ressecada, queimada, enrugada ou escamosa. Os gemidos eram constantes, juntamente com as lamurias tristes e depressivas de suas reclamações. O Senhor de Castelo tentava imaginar o que fazer para convencer aquelas pessoas, a missão era para tirá-los do planeta... Mas, como tirá-los de uma armadilha tão poderosa quanto a chuva ácida? O tempo corria e o castelar precisava resolver a incógnita que poderia não apenas dar a eles a chance de ver um céu azul, como também a ele mesmo.
            O ultraquímico ficou olhando para toda a caverna escavada em que estava, analisava os componentes dos minerais que as compunha e o barulho de chuva só aumentava. Olhando no fundo, Nerítico percebeu que o fluxo de líquido do buraco havia aumentado e, sentindo seu nariz queimar, constatou que o produto químico das nuvens passava por ali. “Preciso analisar aquilo o quanto antes”, pensou ele voltando para a casa onde todos estavam reunidos:
            – Karvak! – gritou procurando pelo homem que enfrentou na entrada da vila, devido a urgência.
            – Tsc... – fez o sujeito mascarado sentado no chão que olhou com desprezo para ele, por causa do vexame na frente dos amigos.
            – Darla, por favor, o tempo urge. Ajude-me a convencê-lo a vir comigo, sim?
            – Certo... Karvak... Irmão... – Nerítico ficou sobressaltado com a última palavra. – Precisamos sair daqui, a chuva vai ruir com o teto a qualquer momento.
– Que nada! Esse teto vai aguentar por muito tempo ainda!
– Eu sei que ele vai ruir. Você sabe disso! Os elementais me disseram...
– De novo essa história de elementais? Eles não existem! – Nerítico não tinha tempo pra isso, precisava de alguém que acreditasse nele e se lembrou de algo.
– Darla, esqueça-o. Onde estão os outros dois que estavam com ele? Preciso das correntes deles.
– Sim... Eles estão ali. Jun! Nio! – esses eram seus nomes. – Me ajudem a salvar todo mundo!
Os dois, que estavam com medo do ultraquímico, jogaram suas correntes sem falar absolutamente nada. Nerítico pegou o seu cortador laser e tirou as maças com espinhos que tinha nas pontas das correntes e, com um soldador sônico, juntou as duas em uma só. Os donos daquelas armas reclamaram do que o desconhecido fez, mas nem foram ouvidos. O castelar saiu correndo para o fosso, onde amarrou a corrente e pode começar a descer pelo buraco. O cheiro começava a ficar forte, ele desceu mais um pouco e ativou o identificador digital. As leituras eram absurdas, a maior quantidade era de ácido sulfúrico, seguido por ácido clorídrico, perclórico e nítrico (níveis altos de acidez); além de uma substância desconhecida que suprimia maiores transformações dentro da solução. Os gases estavam se intensificando e derretendo gradativamente as correntes. O ultraquímico correu para cima antes que fossem feitos maiores estragos e a corrente se rompeu... Por sorte Karvak o segurou antes que caísse no fosso de ácido:
– Obrigado... Essa foi por pouco... – o Senhor de Castelo agradeceu o salvamento.
– Você deve ser louco pra ir num lugar desses em plena chuva ácida! – aparentemente Karvak respeita os loucos. – Como é que você não derreteu?
– Minha roupa é feita para aguentar diversos contratempos, principalmente com produtos químicos, pois sou um ultraquímico. Eu sei bem o que tem lá embaixo e quanto tempo eu poderia ficar... Só não esperava que a corrente se desfizesse tão rapidamente com apenas alguns vapores...
– Do que você está falando? – Karvak também não entedia a linguagem do estranho, por causa das dúvidas de Darla que transmitia os pensamentos através de sua telepatia para que houvesse alguma comunicação.
– ... – Nerítico estava absorto em pensamentos. A maneira mais fácil de anular a grande acidez seria com uma grande quantidade de bases, o que não estava disponível nos minerais da caverna. Mesmo porque a reação não seria o suficiente para anular uma chuva inteira rapidamente. Se ele tivesse previsto o que aconteceria, provavelmente lançaria alguns foguetes cheios de metais alcalinos com bombas causticas, de cal hidratada ou de soda caustica. Porém, isso era inviável no momento.
A melhor maneira de sair dali era tentar conseguir utilizar o que tinham no momento – o próprio ácido. Só faltava descobrir como direcioná-lo para o lugar certo, com algo que não reagisse imediatamente à acidez ou então que reagisse e produzisse algum efeito controlado. Nerítico pensou e pensou, lembrou de tudo que aprendeu, se lembrando de calcular as possibilidades e concluiu algo:
– Karvak, me dê seu bastão.
– Pra quê você o quer?
– Não discuta comigo! Apenas me dê, a estrutura vai ruir em alguns minutos!
– Ok, esquentadinho... – Karvak bufou dentro da máscara e deu o seu grande porrete metálico ao castelar, muito a contra gosto.
– Obrigado... – apesar de pesado, Nerítico conseguia carregar o enorme pedaço de metal.
O Senhor de Castelo tentava se lembrar onde era o lugar perfeito para usá-lo e ficou andando pelas bases que desciam pelo fosso, observando atentamente à formação rochosa. Uma gota vinda do teto caiu à frente do castelar e ele parou um instante:
– É aqui! – Nerítico virou-se para os outros dois. – Saiam daqui, voltem para o grande salão!
Darla puxou o irmão pelo braço e eles entraram, esperando saber o que poderia acontecer com eles. Os irmãos sentiam a temperatura dentro da vila subterrânea aumentar, ficando quase insuportável. De repente, um grande barulho estremeceu todo o lugar. Os velhos ficaram alegres, queriam morrer e logo acreditaram que o teto havia desabado. Darla estava aflita e apertava a mão do irmão angustiada.
O tempo passou, eles não saíram do lugar em que estavam. A pouca luz vinda de uma lâmpada de óleo gastava ainda mais o oxigênio do lugar e foi apagada. Sentindo-se asfixiado, Karvak abriu caminho com os fortes braços e saiu para ver o que acontecera. Darla foi atrás dele quando ele demorou a voltar. A moça ficou maravilhada com o que viu. Diante dela estava uma grande árvore de cristal que se erguia do fundo do fosso e alcançava o teto ruído, permitindo que alguma luz atravessasse a escuridão da caverna. Ela procurou por seu salvador e encontrou uma grande bolha azul com o Senhor de Castelo dentro. Darla tocou a substância plástica e notou que ela era grossa e espessa – resistente o suficiente para aguentar o que quer que tenha acontecido. Nerítico estava atordoado e se levantou aos poucos, um pouco preso lá dentro. Ele usou o separador sônico para desfazer a bolha e se libertou. Os dois, curiosos para saber o que havia acontecido, perguntaram ao ultraquímico que respondeu com uma saraivada de respostas:
– Tudo é muito simples. Sabendo que não havia ácido fluorídrico que reage com o vidro resolvi desestabilizar o fluído ácido que percorria o fundo da caverna com uma reação química induzida e controlada que aqueceu os minerais da caverna rica em silício que derreteram. Posteriormente eu lancei duas granadas, uma que explodiu e elevou a pasta de cristal derretido até o teto e tampou a rachadura; a segunda possuía grande quantidade de nitrogênio líquido que se expandiu e congelou o vidro nessas belas formas distorcidas. Boa parte do ácido se tornou neutro ou liberou hidrogênio que foi consumido na explosão e se tornaria água...
– Eu vou repetir... Do que você está falando?!!! – gritou Karvak, completamente confuso.
– Heh... – “Esqueci dessa parte”, pensou ele, constrangido.

...

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