Os Açougueiros
Finalmente,
depois do alvoroço que foi segurar o teto da vila subterrânea para que não
caísse, a chuva ácida havia parado. Nerítico ouvia o som do silêncio aliviado,
apesar de estar preso por mais algum tempo, para que a acidez deixada para trás
diminuísse. Darla, feliz por tem encontrado o seu salvador, não continha sua
animação. Alguns diriam que ela poderia estar louca, outros que ela estava
simplesmente apaixonada pelo ultraquímico. Eles estavam passando todo o tempo
juntos. O Senhor de Castelo tentava explicar química para a moça e ela tentava
lhe explicar como entedia os elementais – que ele soube ser a forma de vida mágica
mais presente no planeta:
– Os
elementais não podem ser vistos com os olhos, tem de ser vistos com o coração...
– disse Darla, apertando os braços contra o corpo, sonhando com alguma
lembrança perdida.
– Você já
viu algum? – o cético castelar pensava que aquilo poderia ser meramente produto
de seus poderes mentais.
– Já...
Quando eu era bem pequenina. Era uma linda fada azul que dançava no ar. – a
moça dançava, demonstrando os possíveis movimentos da criatura mística. – Ela
tinha rosto de mulher, mas era diminuta e com asas quase transparentes. Durante
algum tempo, ela vinha brincar comigo, queria me levar a algum lugar, mas
sempre me traziam de volta para dentro da vila. Até que um dia, aquilo
aconteceu... – Darla parou os seus movimentos alegres, baixando a cabeça de
forma triste.
– Bem, não
é de todo mal. Existem maneiras de concertar os estragos que o ácido fez no seu
rosto...
– Jura
moço? – Darla abraçou o ultraquímico antes que ele terminasse a frase. A grande
máscara de gás que ela usava não era incomodo para nenhum dos dois. – Eu posso
ter meu rosto de volta?
– Sim... –
Nerítico também a abraçou, consentindo seu carinho, lhe retribuindo a afeição.
–
Obrigada... – falou a moça quase com tom de choro. – Meus pais também podem ser
curados?
– Claro! –
respondeu sorrindo. – Só precisamos sair deste planeta.
– Droga...
– Darla voltou a ficar triste. – Eles não querem sair daqui, eu já tentei tanto
falar com eles. Sair do planeta? Deixar tudo pra trás? Não sei se eles são
capazes de fazer isso...
– Não se
preocupe com isso. – Nerítico olhava-a diretamente nos olhos, através da
viseira da máscara. – Quando eu encontrar os meus amigos, nós poderemos
encontrar um meio de sair daqui e encontrar os lindos mundos coloridos que
existem além das nuvens deste planeta quase morto... – seu abraço estava mais
apertado.
– Eu espero
que sim... Sonhar com esse mundo novo não basta. Eu preciso mostrar aos meus
pais que é possível viver ser sofrimento... Vamos mostrar pra eles a mágica que
você fez com as ondinas?
– Hahah...
– Nerítico riu por se lembrar que não eram ondinas, mas somente bactérias, algo
muito mais científico e comprovado. – Sim, porque não? Ainda tenho bastante
comigo.
– Obrigada
moço... Nunca fui tão feliz na minha vida. – Darla se deixou sumir nos braços
de Nerítico, sabia que ali estaria protegida.
...
Infelizmente,
a paz conferida pela caverna não duraria muito. Fortes pancadas foram ouvidas
na escotilha, assustando a todos. O Senhor de Castelo anônimo prontamente se
posicionou diante da porta de metal, esperando o que fosse. Darla não queria
que ele fosse lá, que ele ficasse com ela. Mas ele não poderia, sua vida era
proteger os outros e não poderia deixar que nada acontecesse com aqueles que
prometera proteger. O ultraquímico preparou suas melhores granadas e esperou.
De repente,
uma voz irritante começou a rir. Eram gargalhadas esganiçadas que deixaram
Nerítico arrepiado. Diante dele, atravessando o grosso metal, surgiu uma face
deformada. Tinha olhos grandes, sem nariz e um sorriso de malícia na boca
desfigurada e sorridente. A criatura estava sedenta, salivando copiosamente. O
Senhor de Castelo jogou uma granada de gás na direção da face medonha e ela
saiu da escotilha, revelando um buraco. Era de noite e não se poderia ver muito
com a escassa iluminação. Nerítico ficou parado, esperando que ver se a coisa
iria voltar. Ficou ali, na parte mais alta, até ouvir gritos de onde Darla e os
outros estavam. Ele correu para lá.
As luzes
produzidas pela unidade de energia esférica que estava no alto da vila estavam
falhando, como se algo lhe provocasse isso. “Concentre-se ultraquímico, não é
hora para pensamentos ridículos!”, pensou ele, falando consigo mesmo, “aquilo é
velho, pode falhar a qualquer momento”:
– O quê?! –
um braço saiu voando de dentro do grande salão. O susto foi alto e Nerítico
tirou as granadas de marcação dois da cintura, as que tinham maior capacidade
de deter algo sem machucar quem estiver por perto.
Sua
respiração estava difícil, sentia o cheiro do medo no ar: “É isso!”, percebeu
ele, “Algo está emitindo uma substância que está me causando medo! Preciso
colocar a suit de sobrevivência.” O colar com a jóia que estava em seu pescoço
reagiu aos seus pensamentos e o traje especial o cobriu por inteiro, juntamente
com o capacete globular, deixando de fora as granadas.
Nerítico se
aproximou rápido e cuidadosamente. A tontura ficava pior, sentia suas pernas
tremerem. Havia algo de errado com ele e não havia resposta lógica para isso.
Um vulto passou por ele. O Senhor de Castelo devia estar vendo coisas
produzidas pela própria mente. “Será que foi algo que eu comi?”, conclui enfim,
“Meu analisador verificou aquelas raízes, a composição orgânica era simples e
não havia como aquilo me afetar. Hipersensibilidade talvez?”
Por mais
que ele tentasse encontrar a resposta logicamente, não conseguiria. Aquilo era
algo que ele não poderia entender. O que ele viu lá dentro foi uma fumaça negra
tomando forma. Não era humano, com certeza. A coisa tinha vários pares de
braços negros e esguios que, apesar da altura de mais de dois metros, iam até o
chão. Sua cabeça branca era desproporcional, a parte posterior estava inchada e
o rosto era muito pequeno. Sua boca abria e fechava sem parar como se
balbuciasse alguma coisa incompreensível. Segurado pelos braços esticados,
estava Darla presa por suas mãos de dedos tão compridos quanto ele que se
retorciam como cobras. O Senhor de Castelo segurou fortemente a granada e,
ainda sentindo a paralisação lhe consumindo, jogou-a. A criatura foi atingida
em cheio e seus braços longos tremulavam como minhocas sentindo a dor provocada
pela explosão. A moça foi deixada do no chão enquanto ele desaparecia no ar.
O Senhor de
Castelo se sentiu aliviado e, misteriosamente, o formigamento também cessou,
seu corpo se movimentava normalmente agora. Ele foi até Darla, seu corpo frágil
estava roxo por causa da pressão daqueles longos dedos. Olhou ao redor,
procurando pelos outros, não havia ninguém ali. O que tinha em um dos cantos da
sala era um amontoado de vísceras semidevoradas com uma conhecida máscara de
gás manchada de sangue por dentro. Karvak estava morto. O braço que havia sido
jogado para fora, lembrava Nerítico, era dele. Sua mente analítica percebeu
algo peculiar no amontoado vermelho, mas talvez não fosse importante. Ele
estava preocupado com a moça:
– Darla?!
Responda?! – ele balançava a moça, tentando acordá-la. Ela abriu vagamente os
olhos e sorriu ao ver ser herói novamente. – Darla! – alegrou-se ele.
Nerítico
removeu a suit pela jóia mágica e tirou as luvas negras e emborrachadas que
sempre usa. Ele removeu a máscara da moça e apertou seu rosto contra o peito:
– Você vai
ficar bem... – Darla segurou em suas mãos agora nuas e olhou para ele. Nerítico
sorriu para ela. – Minhas mãos foram marcadas por queimaduras enquanto eu
aprendia a ser um ultraquímico... Eu nunca me importei com o seu rosto. Eu sei
o que é ser marcado profundamente. – suas mãos eram pouco sensíveis, mas ele
insistia e tocar-lhe o rosto delicadamente.
Em um
último suspiro, Darla falou algo bem baixinho:
–
Romarim... – e, cuspindo sangue, seus movimentos cessaram.
– Não!
Darla!!!
Nerítico
apertou-a em seus braços, tomado pelo desespero, aos prantos. Algo se mexeu na
barriga de Darla. O castelar se assustou com aquilo que começou a rir... Era a
mesma risada diabólica de antes! A barriga da moça foi tomada pelo sangue e um
rosto brotava por debaixo de suas roupas. Ele hesitou. O medo lhe tomava conta
de novo. Sentia seu corpo tremer descontroladamente. A roupa cobria a coisa e o
castelar só teve tempo de se afastar subitamente do corpo de sua amada. Sentiu
a telepatia de Darla penetrar a sua mente, dizendo:
–
Caaarneee... Freeescaaa...
...
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