Matando Um Açougueiro
– Então
você está aí... Alquimista! – Ferus encarava o açougueiro mirando nele o canhão
de seu cilindro. A criatura estava num quarto com pouca luz, sentado numa
cadeira e balbuciava baixinho frases sem nexo aparente.
– Tenho que
salvar Monaro... Ele é meu amigo... A árvore de carne o levou... O ilusionista
vai me ajudar... Eu sei que posso conseguir... Eu tenho tudo o que preciso
aqui... Eu vou ajudar Monaro... Não posso deixar o meu amigo assim... Eu tenho
que conseguir... O ilusionista me deu tudo... Tudo... Tudo... Monaro...
Monaro... Se eu der isso pra ele, ele vai voltar ao normal... Vai ficar tudo
bem... Tudo vai ser como antes... Tudo vai ser como antes...
...
“Aonde
aquele moleque foi!”, pensava Dimios, procurando por ele. Iksio fez sinal de
que iria falar algo, mas guardou o que tinha para si, vendo que se enganara
demais pra uma vida. Westem também se manteve quieto, já não sabia mais se
estava entre amigos ou cópias de amigos. Nerítico, com seu ar analítico e
distraído, tentava rever a sua capacidade avançada de cálculos equacionários
para ter certeza de que ainda era capaz de ser um ultraquímico. Porém, também receava
que os outros pudessem ser dopelgangers. Pilares havia sido substituído por um
polímero copiador e ninguém percebera a diferença, causando desconfiança em
todos.
O ziniano,
que ia à frente, notou novamente o sinal fantasma de Ferus como na vez em que
estavam nas câmaras de tortura da Dama. O sinal parecia fraco – ou o armeiro
não conseguia se concentrar, ou ele estava ainda muito longe. Dimios optou pela
segunda possibilidade e apertou o passo. Percebendo que poderia ser um erro se
separar dos outros castelares, voltou-se para os outros:
– Vamos
andar mais rápido! Acho que tenho uma pista de Ferus! – eles ouviram e o
seguiram.
No meio do
caminho, encontraram com Rigaht – o inverso de Thagir.
– Olá,
Senhor de Castelo, é um desprazer revê-lo!
– O que
você quer conosco Caçador Sombrio?! – a Garra de Sartel faiscava com a
agitação.
– Só vim
aqui para lhe dar uma pequena notícia... – Rigaht sorria maliciosamente.
– E que
notícia poderia ser? Decerto que mentiria para nos confundir!
– Ah! Não é
mentira, não! O que venho lhe dizer é algo que você já deve ter percebido... Um
dos castelares que estão com você não passou no teste do décimo terceiro dia...
É só isso... Se você vai se confundir com isso, não é problema meu. Quem lidera
é você... – e sumiu numa fumaça negra expelida por seu próprio corpo.
–
Desgraçado! – a raiva e a desconfiança fizeram Dimios lançar uma rajada
elétrica intensa no lugar em que o Thagir vermelho estava, fazendo voar uma
grande quantidade de poeira.
– Dimios!
Se acalme! – gritou Nerítico.
– Esse
desgraçado... Só veio confirmar as minhas dúvidas...
– Mantenha
se calmo, precisamos nos concentrar. Perder a razão agora só irá nos
enfraquecer e...
– Mais
alguém morra? Não preciso disso, obrigado! – respondeu com rispidez.
– Pilares
não está morto!
– É bom que
não esteja... E espero que aquele moleque esteja vivo, pois eu mesmo irei matá-lo!
– Dimios...
Qual o problema? O caçador só veio nos deixar mais dúvidas, não veio? –
Nerítico não tinha ideia das conclusões do ziniano.
– Eu
preferiria que sim... – e continuo o caminho, apertando o passo. – Não se
afastem!
E
continuaram seguindo ele.
...
– Onde está
Pilares?
– Eu tenho
que conseguir o ingrediente da panacéia... Ele vai reviver todo mundo... O
planeta pode ser revivido... O ilusionista me prometeu... Eu consigo... Eu sei
que consigo... Não tem como dar errado... Monaro vai me perdoar...
– Tálio?
– O que
você quer? Eu não tenho tempo... Eu tenho que terminar a massa dos homúnculos...
A árvore de carne tem que me devolver o meu amigo... Ela vai me devolver o meu
amigo... – sua voz era muito baixa, quase sumindo, o açougueiro dava sinais de
loucura certa.
– A árvore
está morta...
– E Monaro?
– Sumiu...
– O
ilusionista vai trazer ele de volta... Ele tem que trazer... Ele vai trazer...
Todo o meu trabalho servindo a luz vai dar resultado... Tem que dar... Tem que
dar... Rubber sabe o que fazer... Ele sabe como fazer... Ele prometeu pra
mim...
– Ele
mentiu...
– Não...
Ele não mentiria pra mim... Ele me prometeu... Ele tem que trazer Monaro de
volta... Já faz um ano que eu estou aqui... Ele me disse que amanhã Monaro
voltaria... Ele me prometeu... Ele tem que cumprir... Rubber sempre cumpre suas
promessas... Ele vai me trazer Monaro de volta... Monaro vai me perdoar...
– Onde está
Pilares?
– Eu tenho
que ajudar Monaro...
– Onde está
Pilares?! – Ferus perdia a calma.
– Com
Rubber... Quem é você? Porque você está aqui? Foi o ilusionista que te mandou?
Você poderia falar com ele? Eu preciso de mais material... Você pode falar com
ele? Pensei que houvesse mais materiais pros homúnculos... Eles sempre acabam
tão rápido... Achei que tivesse o suficiente pra fazer cem... Você vai falar
com Rubber? Quem é você?
Uma névoa
negra começou a ser emanada de Tálio, como se estivesse viva e tomava todo o
laboratório de alquimia. Seus longos dedos escuros que tocavam o chão levantaram-no
da cadeira em que estava e, estando de pé, eles esticaram repentinamente na
direção de Ferus que só teve tempo de largar o cilindro para escapar.
– Droga
Tálio! Você é um Senhor de Castelo!
– VOCÊ! EU
DEVERIA SABER QUE ESTARIA POR TRÁS DISSO! – sua voz estava elevada, grossa e
duplicada.
– Quem
diria, não acha? Nos revermos agora? – o cabelo de Ferus intensificou o tom
vermelho e ficou rubro. Uma doce melodia começou a tocar.
– ESSA
MALDITA MÚSICA! EU TINHA CERTEZA QUE TINHA DESTRUÍDO TODAS ELAS!!! – o
açougueiro se contorcia, não conseguia se aproximar do jovem castelar.
– Pois
esqueceu esta! – e tirou a caixa de música do bolso. – Que encontrei justamente
neste planeta!
– MINHAS
ONDAS DE ALUCINAÇÃO! PRECISO DE MAIS! VOCÊ NÃO VAI ME DERROTAR SEU ANIMAL! –
seu corpo se dividiu em diversos apêndices longos e finos que se desmembravam e
se prolongavam em novas extensões ainda mais finas que se entrelaçavam. – TENDE
DETER O MEU APANHADOR DE SONHOS!!!
– Eu não
preciso...
...
Os Senhores
de Castelo finalmente encontraram o prédio em que Ferus estava. Tiveram de
arrombar uma ou duas portas envelhecidas que fechavam inutilmente o caminho e
subiram todas as escadas. No último andar havia uma única entrada para uma sala
completamente escura. Eles sentiam um terror sinistro brotando daquela sala
contrastando com uma simples canção de ninar harmoniosa e suave. Dimios deu um
passo a frente e a escuridão o atacou. Seu reflexo foi rápido e pôs a Garra de
Sartel para defendê-lo, fazendo a coisa escura receber uma descarga elétrica e retroceder.
Impaciente ele gritou.
– Ferus!
Ninguém
respondeu. A escuridão permaneceu igual.
– Ferus!!!
Um estalo
foi ouvido e o breu foi se dissipando gradativamente. Finalmente podendo
entrar, Dimios e os outros castelares encontraram Ferus de um lado e o
açougueiro de cabeça protuberante e rosto pequeno do outro, no chão. Nerítico,
lembrando dele quando Darla morreu, tremeu, sentindo um frio agonizante na
espinha. Iksio, mais acostumado com análise de corpos, piscou os olhos de peixe
algumas vezes e virou o açougueiro um pouco para o lado, a parte posterior do
crânio estava estourado com uma precisão cirúrgica num ponto mortal. A vítima
sequer perceberia que haveria um microbomba no local. O ziniano olhou para o
armeiro que estava com o cabelo azul:
– Pilares
está vivo... – ele sorria, meio sem entender exatamente o que estava
acontecendo.
Dimios lhe
deu um soco na cara. O rapaz voo para trás, seu lábios ficaram cortados e um
arranhão na maçã do rosto sangrava. Ele cuspiu sangue:
– Por que
você fez isso? – Dimios hesitou em dizer, rangendo os dentes e engolindo a
seco.
– Você não
é um Senhor de Castelo!
...
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