Tristeza
Os Senhores
de Castelo conversaram entre si e decidiram resgatar Pilares sem Ferus. Ele
ficaria sem o cilindro por enquanto. Questionado sobre o lugar onde o
ilusionista Rubber estaria, o armeiro respondeu:
– No lugar
mais óbvio. – eles saíram juntos do último andar por uma última escada e foram
olhar o que havia no topo do prédio.
Lá fora, já
de noite, no meio das nuvens altas, diversas luzes brilhavam intensamente.
Holofotes iam de um lado a outro iluminando a grandiosa estrutura no alto do
céu como uma enorme montanha cintilante.
– Ele está
lá, na plataforma da Cidade Alta...
...
A mente do
jovem... armeiro, estava confusa e, mais do que isso, triste:
– Eu não
passei no teste V? – ele se perguntava. – Dia de Glória, Dia de Bravura...
passei por tudo aquilo e nem percebi que não passei?! – Ferus começou a chorar.
– Eu queria muito ser um Senhor de Castelo...
O
newhoviano estava só, no alto do prédio que pertencia ao Açougueiro Tálio. Não
poderia sair dali, a única saída estava trancada. Os Senhores de Castelo saíram
para trazer até o edifício o contêiner que estava na nave estelar e, enquanto
isso, ele seria vigiado apenas por Westem.
Cansado,
Ferus adormeceu. Em seus sonhos ele se lembrava da Academia, da época em que
era um guerrin, dos colegas de república, das horas em que passou nos antigos e
novos laboratórios construindo engenhocas, máquinas e aprendia sobre uma
imensidão de armas e materiais que poderiam ser utilizados para criar uma. Sua
maior admiração era sobre as jóias mágicas que possuem sua própria vibração de
maru, podendo desenvolver diversas habilidades distintas dependendo da cor do
material. Algumas são comuns e possuem vibrações simples, como despertar a
fome, a admiração, a concentração. Outras, são verdadeiras estrelas, quanto
menor o número de grandeza, mais pura e poderosa ela é – como na astronomia. As
jóias mais especiais e raras de todas são os cristais vermelhos de Amadanti,
com seu poder tipo fogo, destroem qualquer tipo de maru, segundo a sua pureza
extrema. Reza a lenda que ninguém conseguiu forjar uma jóia tão pura e, veja o
seu preço, o próprio Amadanti foi consumido por ela!
O preço de uma arma produzida com
empenho, com devoção e carinho nada mais é do que o próprio egoísmo de seu
armeiro. Uma arma fraca não serve para ser usada, tal qual a necessidade que se
tem para tê-la. “Matar pessoas?”, se perguntou ele no sonho, ouvindo o mestre
castelar lhe ensinando que deve sempre se questionar ao produzir uma arma. “A
engenhosidade pode levar um simples homem a loucura”, dizia, “Uma arma deve ser
usada para proteger e somente isso!”
Um armeiro deve distinguir com equidade o uso
e a produção de uma arma, não deve fazê-lo por arte, por simples ambição, isto
fica para os armeiros sombrios que produzem verdadeiras armas destrutivas,
tendo geralmente o seu próprio fim por causa delas.
– A tecnologia é algo incrível! –
disse Ferus acordando sem querer, lembrando-se de seu Rei e Senhor de Castelo,
Thagir, que porta em sua jóia de Landrakar uma grande gama de pistolas,
escopetas e tantas outras armas de tiro que possuem tecnologias e origens
diferentes. – Máquinas não foram feitas para destruir, mas para ajudar...
Dimios abriu a porta, olhou-o com
desprezo, e deixou no chão um pacote grande com bastante comida fechada a
vácuo. Ele saiu sem dizer uma palavra. Ferus sentiu um grande aperto no peito,
afinal, não era apenas ser um Senhor de Castelo, ele também queria ter um
parceiro, um amigo.
Levantou-se e pegou o pacote,
limpou o molhado do rosto começando a comer com vontade. Devorou todo o
conteúdo que havia dentro e encarou o saco vazio, socando-o com raiva.
– Eles não precisavam fazer
aquilo comigo... – o armeiro não se referia aos Senhores de Castelo, mas a
outros guerrins que lhe importunavam. – Eu teria conseguido se não fosse por
eles! – queria gritar, mas sabia que a culpa era dele. – O meu tio... Se ele
acreditasse em mim... Heh, nem sei se ele é meu tio de verdade...
Em sua mente, lembrou-se dos
tempos de Curanaã, onde vivia como camponês na casa do tio. Sem pais desde
cedo, desconhecia esse tipo de amor e todos os dias a mesma rotina: acordar
cedo, antes do sol nascer; trabalhar o dia todo só parando para almoçar e
jantar; e em seguida voltar a dormir. Normalmente, o tio ia para a metrópole
fazer as entregas e o menino Ferus continuava trabalhando, mesmo sozinho. Não
podia brincar, não havia com quem e, se não trabalhasse, ficaria sem comer, de
castigo. Uma vida dura e amarga. A chegada à Academia dos Senhores de Castelo
se deu através da Rainha Dânima que buscava ajudar a subsede dos castelares que
futuramente precisaria de reforço. Naquele tempo, o tio de Ferus estava doente
e ele, ainda pequeno, teve de guiar a carroça com os produtos que seriam
vendidos. A cidade simples lhe pareceu tão bonita, tão movimentada e nem
percebeu o quanto ela seria perigosa.
Tratou de levar tudo até o
endereço e chamou pelo responsável, um homem alto e cego de um dos olhos.
Percebendo que poderia tirar proveito daquilo e dar qualquer desculpa para o
tio do menino, tomou lhe tudo sem pagar e o esbofeteou, deixando-o caído numa
viela próxima. Sem saber o que fazer ficou vagando pelas ruas e viu uma
multidão de pessoas olhando para uma inscrição diante do portão de um castelo.
Ele entrou lá e no mesmo dia viajou – escondido – para a Ilha de Ev’ve.
Houveram algumas complicações para que ele fosse admitido, mas tudo foi
resolvido com a ajuda da Rainha de Newho que, a pedido da filha mais nova,
interveio no caso. Estabelecido na República de Guerrins, nunca mais veria o
tio em sua vida, guardando-lhe mágoas pelo que lhe dissera ao se impor contra a
sua admissão como Senhor de Castelo.
Diante de Ferus estava um mundo
novo, fantástico e incomensurável! Um pequeno camponês que pouco sabia do
próprio mundo e que estava agora em um completamente diferente. Sua inocência
no meio de tantos seres a qual não estava acostumado causava-lhe problemas.
Aparentemente qualquer um queria se aproveitar do pequeno que nada poderia
fazer contra os guerrins maiores. Nunca teve amigos durante todo aquele tempo.
De certo que escolheu a profissão de armeiro por este motivo, para derrotar os
outros.
A época de guerrin também teve
outros problemas, uma vez que ele também estava na grande batalha contra os
caçadores sombrios. Sentiu-se usado naquele dia escuro, como aprendiz de
armeiro só era capaz de ajudar a quem não gostava. Os laboratórios que surgiram
das estrelas escuras terminaram de ser a sua válvula de escape, eram grandes
espaços vazios onde podia se esconder e produzir as suas próprias armas.
Era isso mesmo, fez armas
perigosas para se ocupar. Queria esquecer-se de tudo e um dia ouviu uma música
familiar. Depois daquilo, seu cabelo começou a mudar de cor. Tentou esconder,
tingindo-o como podia, mas a cor diferente sempre aparecia.
– E agora? O que eu faço? – e
voltou a adormecer.
...
– O que
faremos com ele Dimios? – perguntou Nerítico, ainda tentando entender a
situação.
– Ainda não
sei... Se tivermos sorte, ele será julgado pelo conselho e... – um estrondo
estremeceu todo o prédio, o barulho vinha do terraço. – O que foi isso?!
E todos
correram para a cobertura. Do lado de fora do prédio, não havia ninguém, apenas
um amontoado de lixo pelo chão. Ao fundo, o som de outros prédios sofrendo o
mesmo abalo...
...
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