terça-feira, 2 de outubro de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 23


A Dama e O Guerreiro
 

            Nerítico estava atordoado. Sentia o seu peito nu se resfriar com o frio e se esquentar com a respiração quente de alguém que o rodeava. Seus olhos estavam vendados, não conseguia ver nada. Seu olfato, aguçado por causa da situação prolongada, sentia o cheiro de gordura sendo queimada. Suas mãos estavam presas por uma corrente acima dele que o fazia pender no meio do ar. Seus pés, igualmente amarrados, sentiam algo sob eles e se retraiam para manter distância.
            Alguém lhe tira a venda e o Senhor de Castelo contempla uma mulher (mulher?) estranha. Tinha feições femininas de certo, mas a face era dura, plastificada, inerte, brilhando o reflexo da única chama fraca que iluminava aquela sala. Seus olhos não se movimentavam, estavam fixos para frente. A boca permanecia fechada, nenhum movimento, completamente dura. A coisa, como o ultraquímico a via, levantou a sua frente um bisturi. Por um instante Nerítico pensou ser um daqueles que estavam e seu estojo. Não era. Aquele bisturi era velho, enferrujado e apenas a lâmina estava nova, recentemente afiada. A frase logo foi proferida:
            – O que você vai fazer comigo?! – gritou ele, sentindo o frio do medo lhe tomar por completo a espinha.
            – ... – a criatura não disse uma palavra, apenas passava a lâmina pela pele macia de Nerítico, deslizando suavemente, vertendo muito sangue.
            – Aaaaah!!!

 

...

            Dimios estava preocupado com o Ferus, ele não parecia ser ele, o mesmo que havia tentado confrontá-lo antes da viagem. Ele olhava para o parceiro, que estava com os cabelos mudando de cor constantemente. O jovem corria sem parar, ia pelo meio dos entulhos sem se importar com a distância que percorria ou com a fadiga que a má alimentação dos últimos dias estava proporcionando aos outros. O ziniano sentia que precisava se alimentar urgentemente, ficando atrás de Ferus nesta corrida. Westem e Pilares também estavam tendo alguma dificuldade e acompanhavam o jovem castelar ao lado de Dimios. O bárbaro de Gálion tentou puxar conversa:
            – O garoto é surpreendente, não acha?
            – Ele tem potencial... – respondeu, sem deixar de mirar a direção em que prosseguiam.
            – Você sabe alguma coisa sobre ele? Ele nem sabia que vocês eram parceiros...
            – Não. Também só o conheci naquela nave. Nunca havia ouvido falar sobre ele. Deve ser porque esta missão é secreta...
            – Talvez. Eu, em mais de cem missões... – Westem se lembrou de Iksio e fez uma pausa, retomando em seguida. – Nunca participei de algo assim. Tenho mais de cem anos e nunca ouvi falar de Senhores de Castelo cumprindo missões secretas, suicidas ou de importâncias que pudessem comprometer toda a Ordem. O que acha disso?
            – Nada, só recebo ordens. – Westem olhava para Dimios e não conseguia entender aquela forma atípica de castelar. – Veja, ele parou.
            Pilares, ficando um pouco atrás, também parou junto com os dois. Vaik continuava a dormir nos braços largos do grande Westem, Elians tentava acompanhar o irmão enquanto se segurava no pescoço dele. Divertia-se com a paisagem e ignorou a conversa dos castelares.
            Ferus chegou a um ponto sem lixo e desceu. Fez um desenho no chão cheio de areia e terra seca com a lâmina que Toshi lhe dera e esperou. Alguém veio ao seu encontro, lhe atacando:
            – Hayaaa! – a neblina não permitia ver quem estava ali, porém era possível ouvir que outra lâmina rebatia a do castelar que revidou.
            – Ferus!? – disse Dimios que não tardou em descer. – Esperem aqui, vou ajudá-lo.
            – Que voz é essa? Estou ouvindo bem? Esta é a língua comum dos Senhores de Castelo? – disse o inimigo que tinha voz masculina. Aquele homem chegou perto do desenho de Ferus e constatou. – Uma musashi... Senhores de Castelo!
            – Quem é você? Porque atacou meu parceiro? – perguntou Dimios.
            – Um ex-castelar... – Dimios estranhou as palavras e fixou o olhar na sombra do meio da neblina e verificou a tatuagem fantasma. Era realmente um Senhor de Castelo!
            O ziniano, confuso, ouvia algo se movimentando no ar com força e a neblina se dissipar, obedecendo ao comando gestual do castelar desconhecido. Ele via a imagem daquele ser se formar ao longo da dispersão da névoa e não acreditava naquela visão. Era homem, mas se parecia mais com os amorfos que havia visto. No alto da cabeça haviam chifres, sua pela era pálida, praticamente branca, seus olhos eram completamente negros como a noite e uma longa cauda metálica cheia de espinhos se projetava de suas costas. Nos braços, partes metálicas se despontavam com caroços ligeiramente protuberantes e suas mãos tinham as pontas dos dedos desgastadas, evidenciando os ossos. Vestia roupas – calça e camisa – pretas com apenas quatro quadrados brancos desenhados na peça superior, cada um com seis pontos, destoando do resto. Dimios, que via a neblina se dissipar, procurou pelo parceiro:
            – Ferus!
            – Estou aqui! – Dimios se acalmou, vendo que ele estava de cabelo azul novamente. – Ele é forte, me derrubou no segundo golpe e eu fui parar no chão...
            – Vocês estão bem? – disse Westem descendo para junto dos outros.
            – Estamos. Apenas encontramos alguém... Inusitado.
            – E quem é esse? – perguntou Westem baixinho, tentando saber sem ser notado.
            – Sou Senhor de Castelo de Máscar, Monaro, o artífice, ao seu dispor. – fez uma reverência, típica de um guerreiro treinado com exímio apuro.
            – Aiai, minha cabeça... – falou Ferus, se aproximando. – Quem é você?
            Dimios fitou o jovem, não gostando nada, nada do que via. Suas atitudes eram muito imprevisíveis, lhe parecendo que ele tramava desde o começo encontrar aquele desconhecido Senhor de Castelo. Ferus animou-se e foi gentil com o indivíduo, sem ligar para sua aparência excêntrica. Westem, já acostumado com Iksio, também deu pouca importância àquilo:
            – Ahn... Com licença, estamos procurando por um amigo nosso. Ele também é Senhor de Castelo. Ele é mais alto que eu, careca. Deve estar usando um jaleco branco e luvas pretas. Você o viu por aí?
            – Eu vi... Ele deve estar com a Dama!
            – Quem? – perguntou Westem.
            – A açougueira torturadora... Se não formos rápido, aquela maldita vai dissecar o seu amigo vivo!
            – Sim, pra onde vamos? – perguntou Ferus.
            – Esperem aí! Pra onde pensam que vão? Como essa criatura pode ser um Senhor de Castelo? Aliás, um ex-castelar?! – reclamou Dimios, desconfiado.
            Monaro olhou com certo desprezo sádico, se divertindo, e não tardou em responder:
            – Se quer saber, castelar do braço de ferro. Fui esquecido aqui. Em uma batalha contra a Irmandade Cósmica eu fui capturado e meu planeta foi perdido. Provavelmente, por causa da baixa de cem por cento com a explosão do planeta, fui dado como morto. Mas fui trazido pra cá por uma das grandes naves da irmandade. Passei por experiências que deixariam qualquer um louco e perdi praticamente toda a humanidade que tinha. Se não quiser confiar em mim e deixar que seu amigo morra, o problema é seu. Agora eu sou um açougueiro e vivo aqui nesta terra morta a mais de quinhentos anos! – sua cauda ficou eriçada. – A escolha é sua!
            O castelar deformado abriu a boca exageradamente, não eram dentes, eram espinhos e rosnava, demonstrando estar pronto pra briga.
            – Que seja... Depois quero saber melhor sobre quem você é. Está missão está tendo problemas sérios e não vou deixar simplesmente que meus companheiros morram. – respondeu Dimios, no mesmo tom de voracidade, apertando os punhos.
            Monaro olhou para o lado, percebendo algo e disse:
            – É melhor cuidarmos do seu amiguinho com as facas também. Ele está possuído...
            – Ahn? – Westem e Ferus pararam e perceberam que o outro castelar não estava mais junto deles. – Pilares?! – falaram os dois juntos, olhando um para o outro.
            – Mais essa agora... – reclamou Dimios. – Vamos.
            – Pois bem... – respondeu Monaro.
            E partiram para o acampamento da facção do açougueiro.
 
 
A Dama
...
 
 

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