A Dama e O Guerreiro
Nerítico
estava atordoado. Sentia o seu peito nu se resfriar com o frio e se esquentar
com a respiração quente de alguém que o rodeava. Seus olhos estavam vendados,
não conseguia ver nada. Seu olfato, aguçado por causa da situação prolongada,
sentia o cheiro de gordura sendo queimada. Suas mãos estavam presas por uma
corrente acima dele que o fazia pender no meio do ar. Seus pés, igualmente
amarrados, sentiam algo sob eles e se retraiam para manter distância.
Alguém lhe
tira a venda e o Senhor de Castelo contempla uma mulher (mulher?) estranha.
Tinha feições femininas de certo, mas a face era dura, plastificada, inerte,
brilhando o reflexo da única chama fraca que iluminava aquela sala. Seus olhos
não se movimentavam, estavam fixos para frente. A boca permanecia fechada,
nenhum movimento, completamente dura. A coisa, como o ultraquímico a via,
levantou a sua frente um bisturi. Por um instante Nerítico pensou ser um
daqueles que estavam e seu estojo. Não era. Aquele bisturi era velho,
enferrujado e apenas a lâmina estava nova, recentemente afiada. A frase logo
foi proferida:
– O que
você vai fazer comigo?! – gritou ele, sentindo o frio do medo lhe tomar por
completo a espinha.
– ... – a
criatura não disse uma palavra, apenas passava a lâmina pela pele macia de
Nerítico, deslizando suavemente, vertendo muito sangue.
– Aaaaah!!!
...
Dimios
estava preocupado com o Ferus, ele não parecia ser ele, o mesmo que havia
tentado confrontá-lo antes da viagem. Ele olhava para o parceiro, que estava
com os cabelos mudando de cor constantemente. O jovem corria sem parar, ia pelo
meio dos entulhos sem se importar com a distância que percorria ou com a fadiga
que a má alimentação dos últimos dias estava proporcionando aos outros. O
ziniano sentia que precisava se alimentar urgentemente, ficando atrás de Ferus
nesta corrida. Westem e Pilares também estavam tendo alguma dificuldade e
acompanhavam o jovem castelar ao lado de Dimios. O bárbaro de Gálion tentou
puxar conversa:
– O garoto
é surpreendente, não acha?
– Ele tem
potencial... – respondeu, sem deixar de mirar a direção em que prosseguiam.
– Você sabe
alguma coisa sobre ele? Ele nem sabia que vocês eram parceiros...
– Não.
Também só o conheci naquela nave. Nunca havia ouvido falar sobre ele. Deve ser
porque esta missão é secreta...
– Talvez.
Eu, em mais de cem missões... – Westem se lembrou de Iksio e fez uma pausa,
retomando em seguida. – Nunca participei de algo assim. Tenho mais de cem anos
e nunca ouvi falar de Senhores de Castelo cumprindo missões secretas, suicidas
ou de importâncias que pudessem comprometer toda a Ordem. O que acha disso?
– Nada, só
recebo ordens. – Westem olhava para Dimios e não conseguia entender aquela
forma atípica de castelar. – Veja, ele parou.
Pilares,
ficando um pouco atrás, também parou junto com os dois. Vaik continuava a
dormir nos braços largos do grande Westem, Elians tentava acompanhar o irmão
enquanto se segurava no pescoço dele. Divertia-se com a paisagem e ignorou a
conversa dos castelares.
Ferus chegou
a um ponto sem lixo e desceu. Fez um desenho no chão cheio de areia e terra
seca com a lâmina que Toshi lhe dera e esperou. Alguém veio ao seu encontro,
lhe atacando:
– Hayaaa! –
a neblina não permitia ver quem estava ali, porém era possível ouvir que outra
lâmina rebatia a do castelar que revidou.
– Ferus!? –
disse Dimios que não tardou em descer. – Esperem aqui, vou ajudá-lo.
– Que voz é
essa? Estou ouvindo bem? Esta é a língua comum dos Senhores de Castelo? – disse
o inimigo que tinha voz masculina. Aquele homem chegou perto do desenho de
Ferus e constatou. – Uma musashi... Senhores de Castelo!
– Quem é
você? Porque atacou meu parceiro? – perguntou Dimios.
– Um
ex-castelar... – Dimios estranhou as palavras e fixou o olhar na sombra do meio
da neblina e verificou a tatuagem fantasma. Era realmente um Senhor de Castelo!
O ziniano,
confuso, ouvia algo se movimentando no ar com força e a neblina se dissipar,
obedecendo ao comando gestual do castelar desconhecido. Ele via a imagem
daquele ser se formar ao longo da dispersão da névoa e não acreditava naquela
visão. Era homem, mas se parecia mais com os amorfos que havia visto. No alto
da cabeça haviam chifres, sua pela era pálida, praticamente branca, seus olhos
eram completamente negros como a noite e uma longa cauda metálica cheia de
espinhos se projetava de suas costas. Nos braços, partes metálicas se
despontavam com caroços ligeiramente protuberantes e suas mãos tinham as pontas
dos dedos desgastadas, evidenciando os ossos. Vestia roupas – calça e camisa –
pretas com apenas quatro quadrados brancos desenhados na peça superior, cada um
com seis pontos, destoando do resto. Dimios, que via a neblina se dissipar,
procurou pelo parceiro:
– Ferus!
– Estou
aqui! – Dimios se acalmou, vendo que ele estava de cabelo azul novamente. – Ele
é forte, me derrubou no segundo golpe e eu fui parar no chão...
– Vocês
estão bem? – disse Westem descendo para junto dos outros.
– Estamos.
Apenas encontramos alguém... Inusitado.
– E quem é
esse? – perguntou Westem baixinho, tentando saber sem ser notado.
– Sou
Senhor de Castelo de Máscar, Monaro, o artífice, ao seu dispor. – fez uma
reverência, típica de um guerreiro treinado com exímio apuro.
– Aiai,
minha cabeça... – falou Ferus, se aproximando. – Quem é você?
Dimios
fitou o jovem, não gostando nada, nada do que via. Suas atitudes eram muito
imprevisíveis, lhe parecendo que ele tramava desde o começo encontrar aquele
desconhecido Senhor de Castelo. Ferus animou-se e foi gentil com o indivíduo,
sem ligar para sua aparência excêntrica. Westem, já acostumado com Iksio,
também deu pouca importância àquilo:
– Ahn...
Com licença, estamos procurando por um amigo nosso. Ele também é Senhor de
Castelo. Ele é mais alto que eu, careca. Deve estar usando um jaleco branco e luvas
pretas. Você o viu por aí?
– Eu vi...
Ele deve estar com a Dama!
– Quem? –
perguntou Westem.
– A
açougueira torturadora... Se não formos rápido, aquela maldita vai dissecar o
seu amigo vivo!
– Sim, pra
onde vamos? – perguntou Ferus.
– Esperem
aí! Pra onde pensam que vão? Como essa criatura pode ser um Senhor de Castelo?
Aliás, um ex-castelar?! – reclamou Dimios, desconfiado.
Monaro
olhou com certo desprezo sádico, se divertindo, e não tardou em responder:
– Se quer
saber, castelar do braço de ferro. Fui esquecido aqui. Em uma batalha contra a
Irmandade Cósmica eu fui capturado e meu planeta foi perdido. Provavelmente,
por causa da baixa de cem por cento com a explosão do planeta, fui dado como
morto. Mas fui trazido pra cá por uma das grandes naves da irmandade. Passei
por experiências que deixariam qualquer um louco e perdi praticamente toda a
humanidade que tinha. Se não quiser confiar em mim e deixar que seu amigo
morra, o problema é seu. Agora eu sou um açougueiro e vivo aqui nesta terra
morta a mais de quinhentos anos! – sua cauda ficou eriçada. – A escolha é sua!
O castelar
deformado abriu a boca exageradamente, não eram dentes, eram espinhos e rosnava,
demonstrando estar pronto pra briga.
– Que
seja... Depois quero saber melhor sobre quem você é. Está missão está tendo
problemas sérios e não vou deixar simplesmente que meus companheiros morram. –
respondeu Dimios, no mesmo tom de voracidade, apertando os punhos.
Monaro
olhou para o lado, percebendo algo e disse:
– É melhor
cuidarmos do seu amiguinho com as facas também. Ele está possuído...
– Ahn? –
Westem e Ferus pararam e perceberam que o outro castelar não estava mais junto
deles. – Pilares?! – falaram os dois juntos, olhando um para o outro.
– Mais essa
agora... – reclamou Dimios. – Vamos.
– Pois
bem... – respondeu Monaro.
E partiram
para o acampamento da facção do açougueiro.
A Dama
...
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