Um Presente Para
Morticia
25 de
Dezembro, Natal. As famílias do mundo todo se encontram felizes por este
momento tão fraterno, ao menos, aquelas que podem...
Enviei uma
carta à Morticia onde dizia: “Já pode vir receber o seu pagamento pelo chip que
me fora tão útil. Para iniciar o teu cortejo, este dia será especial para ti,
querida vampira, o sol ficará negro e caminharás durante o dia! Tudo feito
especialmente para ti.” Junto à carta, indiquei o local do encontro e a hora, o
mesmo onde eu e Cris morávamos em São Paulo.
Neste dia,
bloqueei o sol na altura certa para deixar somente a cidade na completa
escuridão. Assim o rumor seria menos prejudicial para todos. Morticia chegou no
horário e a caverna se abriu para ela. Estava escuro, não podia se ver nada.
Caminhou para dentro, o chão estava úmido:
– Victório?
– Entre
Morticia...
– Victório,
o que houve com a sua voz? Por que sinto esta atmosfera tão pesada? No que você
está pensando?
– Acalme-se
querida Morticia, todo este lugar foi preparado para ti e somente para ti,
neste lugar nenhum mal poderá te atingir... Aproveitei a energia negativa que
absorvi no inferno e montei este lugar para o seu lado demoníaco, um lugar onde
você pode trazer a sua essência maligna à tona sem machucar ninguém. Aliás,
você se lembra do que aconteceu lá?
– Eu não
estive lá... Eu...
– Estava
com probleminhas com o seu pai, eu sei... Você estava lá justamente por causa
disso. Você dormiu durante um bom tempo depois de ter tomado o sangue dele,
estou certo?
– Sim... Mas,
aonde quer chegar?
– Sua
projeção astral... Creio que desconhece tua própria força, aliás, serás alguém
de muito poder quando tiver o controle total. Mas por hora, lhe digo que tive
de enfrentá-la e posso dizer com plena certeza que doeu muito!
– Onde você
está? – ela ouvia a minha voz mas não podia enxergar direito. – Apareça! Este
joguinho já está me aborrecendo! Minha cabeça está começando a doer! E se o que
diz for verdade, como poderia provar?
– Da mesma
forma que se prova que vampiros existem, oras! Venha, você está quase lá... –
Morticia andava tomando todo o cuidado, chegou até uma passagem mais estreita e
finalmente me encontrou. – Porque teme me encontrar?
– Não tenho
medo de você, querido! É apenas estranho te encontrar nesta árvore morta de
cabeça para baixo... O que ouve com o seu rosto? – ela me via sorrindo, com um
sorriso louco, junto com olhos bem abertos que não piscavam. Eles brilhavam no
meio daquela escuridão.
– Estou
triste... Muito triste... Terrivelmente triste...
– O que aconteceu
no inferno? Conseguiu trazer o garoto de volta?
– ... –
demorei um pouco para falar. – Não... Ele não voltou do inferno... Se tiver um
pouco de tempo posso lhe explicar tudo... – não houve rejeição e continuei. –
Estava tudo indo muito bem, eu tinha dado um jeito em Balbero. Não sei se ela
morreu ou se lhe arranquei um pedaço, enfim... Aquele lugar era muito próximo
‘dele’ e um dos selos que o prende estava se desfazendo... Era tudo armado pra
cima de mim...
“Eu estava
lá, tentando refazer o selo como podia. A porta bateu. Uma, duas, três vezes...
E o ritmo foi repetido. Eram pancadas fortes que conseguiram abrir as portas
que separam o selo do resto do mundo. Fui puxado para fora e tentei me segurar,
eu precisava terminar aquilo ou o mundo poderia acabar... Cristian passou pelas
minhas pernas e eu me desequilibrei. As portas se fecharam e eu só pude ouvi-lo
dizer: ‘Obrigado... Papai.’ Me senti horrível naquele momento, eram as
primeiras palavras dele e também as últimas! Eu já deveria saber, quando alguém
envolve o inferno, tudo pode dar errado... O menino usou o elemento estranho do
frio para refazer ele mesmo o selo. Me vi perdido, tive correr para fora dali
antes que fosse congelado junto com todo o lugar e ficasse preso. Numa última
súplica, já fora do inferno, de volta ao deserto, invoquei Azrael para que
tirasse aquela pequena e simples alma para fora daquele buraco no chão. Sempre
me surpreendo com aquele ser colossal, cheio de olhos e voz de trovão que com
seu braço desmedido inserido pela abertura, tirou o meu floquinho de neve da
escuridão. Oh, cara Morticia, que lástima é a vida! Meu floquinho de neve
derreteu e estou aqui preparando o teu presente para lhe retribuir o favor
desde então...”
– E o que
irá me dar afinal? Não vejo absolutamente nada!
– Pois
veja, sinta com o poder que teu odiável pai lhe deu! Seja o demônio que ele
sempre quis que você fosse...
Morticia franziu
os olhos para ver melhor e sentiu o torpor lhe abandonar e a sentir um cheiro
delicioso. Seus olhos foram tomados pelas trevas.
– Mas isso
é...
– Sangue!
Tudo aqui dentro está banhando em sangue, no meu sangue! Dragões como eu podem
ter milhares de litros de sangue! Há o suficiente aqui para que tua fome
insaciável se alimente durante mil anos! Hahaha...
– Para quê
tudo isso?
– Morticia,
querida, se tua é a luxuria ou até mesmo a ira, eu sou a loucura! Não há como
servir a dois mestres sem ficar louco, aliás, há também outro motivo para que
eu seja louco...
– E o que
seria?
– A dor...
Eu sinto tudo, Morticia, eu sinto até mesmo as plantas sofrerem e não me
acostumo com isso. Minha pele se rasga, queima, sangra... Eu sempre sinto tudo
isso e dói, dói muito! É por isso que não devemos nos tocar, o contato com a
minha pele é sempre dolorido... Eu vivo no meu próprio inferno o tempo todo...
– Deixe me
acabar com a sua dor, prometo que será rápido...
– Hahaha,
bondade sua, mas não. Mesmo que eu fosse dilacerado, eu não preciso de corpo
para existir, da mesma forma que você não precisou de corpo para me ferir...
Estas feridas, todas elas, foram feitas por você e elas não se fecharam, eu não
quis, eu quero elas em mim para me lembrar da perda do meu filho...
– E agora,
o que você vai fazer?
– Irei
voltar para o meu bar na floresta do silêncio, descansar um pouco e me
recuperar deste sangramento... Mande um abraço para Lord Dri, ele continua um
ótimo guerreiro... – meu rosto começou a relaxar e a luz a cessar.
– Victório?
– abri novamente meus olhos.
– Sim?
– Nada... –
fechei os meus olhos e fui para o bar, sumindo na frente de Morticia. Deixei-a
sozinha, o poço de sangue era para ela e somente para ela. O que ela faria com
tudo aquilo, já não era da minha conta...
...
Cansado,
não falei com ninguém, simplesmente entrei no meu velho quarto, fechando a
porta, e caí na minha cama.
Havia algo de errado com En’hain
e eu não havia percebido. Naquela mesma noite em que eu havia chegado, ele
entrou no meu quarto e arrancou a minha coroa. Acordei no susto:
– En’hain!
Devolva-me! – minha cabeça sangrava, a coroa não era solta, fazia parte das
minhas escamas, da minha carne.
–
Hihihihihihi... – ele ria como um demente, terminando numa gargalhada. Mirou na
janela e com sua força sobrenatural, jogou a coroa de tal forma que ela quebrou
o vidro e transpassou para o lado de fora onde era esperada por alguém montado
num cavalo.
– Não!
En’hain! Você tem ideia do que você fe... – meu coração pulsava diante dos meus
olhos. – En... ha... in?
–
Obrigado... Pai!
...
Um capítulo bem interessante da sua mitologia!
ResponderExcluirVocê nem imagina... ¬¬
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