segunda-feira, 30 de abril de 2012

Devil's Drink - 6# Shot

            En’hain estava dormindo quando, de repente, alguém veio acordá-lo:
            –Cacete! – Berrou ele. – Que susto que você me deu agora!
            –Café da manhã... Nyaaa! – Um neko de pelo avermelhado havia pulado em cima de En’hain.
            –Já vou Akai. – Esse era o nome dele. – Já vou pegar o seu café da manhã...
A vida no bar Toca dos Gatos era muito movimentada, principalmente porque En’hain precisava cuidar de seus amigos nekos que também trabalhavam no bar. O mais jovem e hiperativo de todos era Akai. Ele não costumava dar problemas, exceto quando não dava grandes problemas. Não fazia muito tempo que ele havia saído de sua caixinha, aliás, foi o próprio En’hain quem abriu sua caixinha. Aquele dia foi muito divertido...

...

            En’hain estava discutindo com o dono do bar:
            –Como assim eu tenho que ficar aqui? Eu não tenho ideia do que você fez comigo!
            –Se acalme En’hain, não precisa se exaltar tanto. Eu só vou sair um pouquinho para trazer o que está faltando no estoque. – Disse calmamente.
            –...! – A cara de En’hain estava completamente fechada, há quem diga que saía fumaça de cabeça. – É bom você voltar logo, eu sou apenas um estudante de arquitetura... Como é que eu vou fazer se um daqueles... daqueles gatos vierem aqui?!
            –Se acalme, você vai saber o que fazer. Arrume a casa e o seu quarto. – O dono do bar fez um cafuné na cabeça de En’hain, desarrumando seu cabelo. – Eu já volto.
            –...! – Mais fumaça estava saindo da cabeça dele, a porta se fechara e En’hain estava sozinho naquela casa/bar enorme, sem saber exatamente o que fazer.
            Aquele lugar era realmente grande, havia um grande balcão onde eram preparadas as bebidas e os aperitivos. Atrás dela havia uma grande estante com diversas garrafas de diferentes formas, cores e tamanhos. Também havia ali um pequeno palco, onde poderia se apresentar uma banda com até seis integrantes. Eram umas dez mesas no centro, quadradas e ligeiramente pequenas, todas com quatro cadeiras. Caso houvesse superlotação, haviam mais mesas no depósito e as quatro portas do bar poderiam ser abertas ampliando bem o espaço principal. Nas paredes haviam pequenas mesas triangulares para dois, deviam ser umas sete, mas uma delas estava guardada por se quebrado recentemente. No momento aquele lugar estava todo desarrumado:
            –Filho da mãe, deixou tudo pra mim! – Se irritou En’hain. – Ele ainda me paga pelo que ele me fez...
            En’hain foi lá para trás, na cozinha, e entrou na dispensa para pegar a pá e a vassoura, como também o latão de lixo, que teve de ser empurrado por ser grande demais para ser carregado. Uma varridinha ali, uma varridinha aqui, um pouco de poeira ali, alguns espirros pra acompanhar... Pronto, tudo no latão! Não estava ainda limpo, mas aquele grande lugar era muito difícil de limpar. Então En’hain pegou o balde e o esfregão, além de algumas flanelas e desengordurante para as mesas, estavam uma nojeira só. En’hain esfregou, esfregou, esfregou... em cima e embaixo até suas mãos ficarem vermelhas. Mas, sim, finalmente estava tudo ajeitado:
            –Agora está com cara de um estabelecimento descente! – Se alegrou o jovem. – Ufa! Ainda preciso ir lá para cima. Bóra!
            En’hain subiu as escadas que ficavam na cozinha para o primeiro andar da casa. O corredor de saída era comprido e envergava para esquerda, ao longo dele haviam diversas portas, as primeiras que ainda davam para se ver da escada eram os banheiros dos empregados:
            –Se ele realmente pensa que eu vou ser empregado dele... – Mais fumaça voando! – Bóra pros quartos! – É claro que ele passou direto pelos banheiros...
            O quarto não precisava de muita organização, apenas que as cobertas e os travesseiros fossem trocados e arrumados:
            –Eu não deveria ter feito aquilo ontem... – Falou, pensando no dia anterior. – Tudo arrumado! Agora posso ir tomar meu café da manhã...
            Ele já ia descendo as escadas quando se deu conta de algo:
            –...! – Sua cara fechou de novo. – Eu tenho que arrumar os banheiros...
            En’hain pegou um balde, sabão em pó, uma vassoura e a escova da privada, do jeito que sua mãe fazia em casa. Esfregou ali, esfregou aqui, deu descarga uma, duas vezes. Colocou o desinfetante na privada e saiu. Respirou fundo, bem fundo:
            –(Cof, cof) Que nojo! Como é que alguém poderia viver num lugar como esse?!
            Finalmente, tudo terminado, a Toca dos Gatos estava limpa como nunca esteve antes:
–Agora, o meu café da manhã! – Disse En’hain todo contente.
De repente, ouviu barulhos. Ele sentiu um grande arrepio: “Será que algum gato está tentando entrar?”, pensou ele. Ouviu atentamente e concluiu que não, o barulho estava vindo de cima. En’hain foi andando pelo corredor tentando encontrar o que provocava os ruídos e deu de cara com a porta do quarto do dono do bar. Como acabou batendo o nariz nela, a porta se abriu. Curioso como um gato, pensou ele, começou a subir as escadas para conhecer o quarto ‘daquele’ sujeito. Ao terminar o novo lance de escada, se deparou com um quarto amplo e aconchegante, uma grande cama, alguns armários em madeira esculpida a mão, uma escrivaninha feita de um grande tronco adaptado para ser mesa, preservando seu formato natural. Tinha grandes janelas, tendo uma grande vista para a vila dos gatos, com uma pequena varanda cheia de plantas que pendiam do alto da casa. En’hain sorriu. Mesmo como um estudante de arquitetura sabia que aquele tipo de lugar era raro e divino. Adentrou mais o quarto e foi para a escrivaninha, tocando com a ponta dos dedos aquele trabalho tão bem feito. En’hain deu um pulo! Novamente aquele barulho de antes, desta vez ele sabia de onde vinha. Em cima da escrivaninha havia uma caixinha de madeira muito bem esculpida, adornada com um rubi vermelho na parte de cima. Era a caixa que estava fazendo aquele barulho, ela estava pulando. En’hain parou com o susto e ficou observando a caixa com os olhos arregalados. A caixa mexeu outra vez, En’hain pôs um pé para trás, novamente a caixa mexia, En’hain colocou o outro pé atrás. De súbito, a caixinha começou a pular freneticamente e estava chegando à beirada da mesa. “Se essa caixinha se quebrar o que eu vou dizer pro dono do bar?”, pensava ele. A caixinha deu mais um pulo e estava preste a cair no chão... “Ufa!”, En’hain conseguiu pegar a caixinha! Foi então que a caixinha começou a abrir. En’hain estava de olhos arregalados, um neko pequeninho saiu de dentro dele apertando o rabinho:
–Nyaaa?! – Fazia o bichinho, enquanto abria os olhinhos para os primeiros raios de luz.
–Quê?! Você veio de uma caixinha? Dá onde saiu isso?! – O pequeno neko roçava no dedão de En’hain, enquanto ele ficava histérico. – E agora?! O que eu vou dizer pro dono do bar?! O que eu vou dizer...
–(Nhac!) – O pequeno bichinho deu uma mordidona no dedão dele.
–AAAAAIIIIII!!! – En’hain gemeu de dor. – Bichinho filha da mã... Aonde você pensa que vai?!
–Nyaaa! – O neko saiu correndo por todos os lados, pulou na cama, desarrumou os lençóis, derrubou os travesseiros e En’hain atrás dele.
–Volta aqui, peste!
O neko parou em cima da escrivaninha, balançou o rabinho e En’hain pulou em cima dele. O gatinho pulou e escapou. En’hain derrubou tudo que estava na mesa. Fazendo um barulhão. O peque neko saiu correndo por toda a casa, como se estivesse curioso pra saber o que era tudo aquilo. Abriu portas, desmanchou a cama do En’hain, entupiu a privada e deu descarga e desceu para o bar. En’hain estava estático ainda no topo da escada impressionado com a velocidade que a casa vinha abaixo:
–Como pode?! Como pode uma coisinha tão diminuta causar tanto desastre. – Disse, completamente atônito enquanto descia as escadas, temeroso de ver o resto do resultado.
Chegando ao bar, totalmente petrificado, virou poeira ao ver que seu esforço tinha ido por água abaixo, literalmente. Ouviu barulho nos fundos:
–Não, a cozinha! Meu café da manhã! Socorram meu café da manhã!
Novamente ficou petrificado, o neko já tinha devorado tudo e ainda por cima estava de babador com garfo e faço na mão!
–Akai... – Falou o dono do bar de trás dele.
–Como? Ah! – O espírito de En’hain estava saindo pela boca. – Você, já... já... chegou?!
–Akai... O pelo dele é avermelhado, Akai, entendeu?
–Escuta aqui! – En’hain deu um belo cascudo no dono do bar.
–O que foi? Ele está com fome! – O dono do bar esfregou a cabeça. – Caramba, essa doeu, magoou!
–...! – En’hain se irritou. – Como é que você deixa esse bichinho fechado numa caixinha?
–Eu não o tranquei lá... Os nekos nascem lá dentro.
–Ahn?! Vixi! Agora que o caldo entornou! Não entendo mais nada! – O dono do bar se levantou e pegou Akai nas mãos.
–Toma, agora você é a mãe dele...
–...! – En’hain desmaiou, segurando Akai, dessa vez o espírito saiu de vez do corpo dele.
Akai ficou olhando o moribundo, deu uma volta inteira, se espreguiçou e dormiu em cima dele e assim ficaram.

sábado, 28 de abril de 2012

Realidade dos Nekos

Este texto é uma copilação do texto de um amigo - aquele que é homenageado em um dos Drink Shots, ele deu sinal de vida. Como é um texto de onde tirei inspiração para fazer as histórias dos meus queridos gatinhos, achei que seria interessante se você, caro leitor, também pudesse lê-lo. Divirta-se! ^^



Realidade dos Nekos
Por Walter S. Reis

Olá! Não devo falar, nem escrever, mas aqui, nesta carta, escreverei...

            Nós, os nekos ficamos presos dentro de uma caixinha escura e vazia, onde não conseguimos ver nada alem de nosso próprio corpo encolhido, esperando sermos comprados, enquanto todos os dias apertamos a cauda para saber se estamos vivos ou mortos...
            Até que num determinado momento a caixa se abre e um olhar estranho nos olha e nos causa medo de congelar a espinha e no momento que somos pegos no colo tentamos conter nossos olhos da luz, pois dentro da caixinha não há luz. Aquela sensação de ser pego por alguém é muito boa e nos faz sentir vivos, enquanto a nossa calda fica totalmente abanando, mas nosso futuro é incerto, pois muitos passam por maus e bons momentos.
            Somos como mascotes sendo usados em varias ocasiões e sempre temos que mostrar um sorriso no rosto ou uma lágrima de luxuria e excitação. Nunca podemos reclamar, nem dizer nossas vontades e desejos, nem falar se não mandarem. A única coisa que podemos fazer é nos tocar a nós mesmos. Com pensamentos obscenos do quê?
            A nossa ideologia esta marcada em nossos olhos e só um neko entende o outro. Mas é restritamente proibida a união de ambos. No entanto, não conheci mais nenhum da minha espécie depois que me tiraram de minha família de sete irmãs, um pai neko aku e uma mãe neko mibu, pois nossa família é de sangue puro. Porém aqui nós somos os seres mais desprezados pela humanidade, visto apenas por um rostinho ou corpinho bonito. No fim somos vendidos, às vezes maltratados, o que torna a eternidade desgastante... mas sempre que pensamos estar onde merecemos estar, algo cai e atrapalha ou então simplesmente somos esquecidos e não podemos demonstrar uma lágrima que não seja de desejo. Porque, por traz de um rostinho e de duas orelhinhas de gato, tem uma cabeça pensativa que só pensa no porque de tudo e no porque de ser usado, amarrado e sem saber o porquê de estar apanhando.
            Os anos se passam e pessoas entram e saem das nossas vidas como nuvens sem água, levadas pelo vento de uma parte a outra. Sem notar passei duzentos e vinte e dois anos pensando em alguma mudança. Mas acho que agora nada mais importa, porque serei vendido novamente e comprado novamente até que se complete meu ciclo de leito e que a mortalha vença. Pois tudo é incerto, sabemos que é inevitável... “Vida aos apreciadores da morte e morte aos tolos sonhadores”, o que mais eu poderia expressar se minha boca se abrisse para pelo menos gritar? Que assim seja! Se meu corpo junto ao meu coração serve para ser vendido, que minhas emoções sejam queimadas, que o sorriso meigo, as lágrimas de luxuria e o êxtase invadam meu corpo, inundando minha alma na lama de Vênus, que o uivo dos pecadores soe como melodia, que a dor se torne apenas mais um motivo para se sentir bem e que a mentira da ilusão seja posta como verdade, assim como meus olhos enganam a todos os seres vivos. Sem mais.
            Apenas viva como me disseram: “Quem tem sentimento de ódio ou simplesmente amor, continue fingindo que está tudo bem, porque tudo piora e tudo melhora; a morte não espera você pensar e repensar”.



Devil's Drink - 5# Shot


–Eu tenho que sair daqui! – Gritava En’hain.

–Não tem como a gente sair daqui... – En’hain olhou para o companheiro de cela.

–Como assim? Eu PRECISO sair daqui!!!

–Essas paredes são cristalizadas... Os gnomos constroem essas coisas para sufocar quem quer que tenha invadido o reino deles.

–Hoje é noite de lua cheia...

–Você é um lobisomem, esquentadinho?

–... – En’hain se constrangeu por um instante. – Não, sou coisa pior...

–E o que poderia ser? Nada é pior durante a lua cheia do que o lobisomem. – O sujeito ria consigo mesmo. – A não ser que você fosse um...

–...um draconiano. – Completou En’hain. – Sou o último e maldito draconiano da Terra...

–Isso é impossível! Mesmo que você fosse um descendente dos draconianos terrestres você precisaria de sangue real para sobrepor o DNA humano.

–... – En’hain ficou quieto.

–Puta merda... Você conheceu um dragão da realeza?!

–Sim...

–E você não liberou a energia dos outros dois dias da lua, não foi?

–Não...

–Fudeu! E o que você pretende fazer?! Não dá pra simplesmente trincar carbono cristalizado!

–Têm que ter uma falha, eles sempre deixam uma falha, pedras naturais sempre têm uma falha... – En’hain procurava loucamente por uma única trinca na cela de diamante, nem que fosse diminuta.

–Certo... – O sujeito também começou a procurar. – Ah!  A propósito meu nome é Rankyo.

–Desculpe-me, meu nome é En’hain... Ai! – Gotas de sangue começavam a escorrer pelos braços dele,

–Você está bem? Você está sangrando!

–Não se preocupe comigo, é a minha transformação, ela já começou. Continue procurando pela falha!

–Certo! – Rankyo olhou diversas vezes por todos os lados. – Tem que ter um jeito melhor procurar de essa falha... Já sei!

Rankyo colocou as mãos no centro da cela. Fechou os olhos e se concentrou. Ele começou a emitir sons diferentes e ouvia atentamente o retorno, como o sonar dos morcegos.

–Vamos, você tem que estar aqui em algum lugar, vamos apareça... – Rankyo ouviu um estalo. – Achei!

–Onde? – Perguntou En’hain afoito.

–Bem ali, acima da onde estava a entrada. Algum gnomo deve ter esquecido na hora em que te colocaram aqui dentro.

–Certo, pra trás. Elemento TERRA, fortificação! – En’hain estava acumulando uma grande quantidade de energia amarela nos punhos.

–Tem certeza de que consegue? Isso é realmente muito duro.

–Se eu não conseguir, a lua vai conseguir por mim!

Com os punhos fortificados ao máximo, En’hain batia naquele ponto em especial pulando para alcançá-lo. Acertou uma, duas, três vezes. Enquanto batia o processo de sua transformação se acelerava. Sua pele já estava bem escoriada e seus espinhos já estavam bem despontados. Já dava para ver o vermelho de seu olho esquerdo. En’hain não desistiu, seu sangue e suor voavam com seus golpes, mas ele não esmoreceu, continuou juntando energia do elemento TERRA e continua a socar aquele único ponto que talvez se rompesse. Então sentiu um mal estar, ficou de joelhos e acabou por cuspir sangue no chão. Limpou a boca e gritou:

–Isso tem que dar certo! – Reuniu toda a energia no punho direito e socou com toda a força.

A cela de diamante inteira estremeceu... e nada aconteceu.

–Ah, DROGA!!! – Gritou novamente, socando dessa vez o chão com a mão nua.

–En’hain, olhe! – Rankyo apontou para uma rachadura que estava se formando, depois outra e mais outra. A parede de diamante sucumbiu a sua própria fraqueza, sua única fraqueza e rachou, pouco, mas o suficiente para que os dois pudessem sair da cela. En’hain sorriu.

–Vamos sair daqui! Daqui a pouco deve ser meia noit... – Rankyo olhou para En’hain, ele havia desmaiado. – Merda! En’hain!

Não teve outro jeito, Rankyo teve de arrastá-lo para fora da cela. Com En’hain nos corredores, Rankyo já conseguiria usar seus poderes elementais do ar:

–Silfos, ouçam meu apelo, eu vos invoco! – Diversos pontinhos brancos começaram a parecer no ar, às dezenas, centenas e milhares. – Por favor, leve-nos para fora daqui!

Os serezinhos se amontoaram ao redor de Rankyo e En’hain, esvoaçando-os como se fossem plumas ao vento e com grande velocidade saíram do calabouço dos gnomos, flutuando por todo o reino subterrâneo mineral, passando pelos grandes labirintos e chegando ao fundo do poço profundo, a entrado dos reinos subterrâneos. Rankyo parou por ali e os silfos continuaram levando En’hain para fora do subterrâneo. Saíram do poço e continuaram subindo alto no céu, subindo, subindo, subindo em direção a luz da lua. En’hain começou a ficar vermelho, amarelo e finalmente branco. Brilhava como uma estrela no céu e toda aquela energia acumulada em seu corpo explodiu, irradiando como várias estrelas cadentes, um verdadeiro show de luzes. Os humanos que viram aquilo, naquela noite, pensaram ser uma simples leva de meteoros. En’hain também acabou por ir ao chão como uma estrela cadente, inevitavelmente os silfos foram espalhadas na explosão de energia. Porém, antes de chegar ao chão, Rankyo estava pronto com um redemoinho para amortecer sua queda. Foi um alívio e En’hain não despertou nenhum único segundo.

De repente uma figura estranha se aproximou dos dois:

–Eu fico com ele...

–E quem é você? – Rankyo olhou aquele homem de cima abaixo que se escondia nas sombras da noite e percebeu algo em seu olhar. – Esses olhos... Você é o draconiano da realeza!

–... – O estranho fez um sinal de silêncio com as mãos.

–Mas, hein?! – Rankyo se sentiu sonolento e dormiu.

–Silfos, levem seu príncipe de volta ao seu reino. Eu cuido do meu criado.

Os silfos envolveram Rankyo assim como o estranho disse. Seu poder Elemental sobre eles era maior do que o de Rankyo... Príncipe do reino subterrâneo do ar?!

...

            De volta a Toca dos Gatos, En’hain estava em sua cama, enfaixado, como de costume e estava acordando:

            –Ran... Ran... Rankyo! – Acordou no susto. – Ah, minha cabeça, o que foi que aconteceu?

            –Você passou pela sua primeira lua cheia do ano do dragão, só isso.

            –Meu Senhor! Você por aqui?

            –Surpreso em me ver, En’hain?

            –Sim! – Indignou-se ele. – Você me deixa cuidando desse bar maluco sem dar nenhum sinal de vida e ainda quer que eu não fique surpreso?

            –En’hain, descanse, sim? – Ele ficou vermelho ao ouvir isso.

            –É bom que você esteja aqui quando eu acordar! – En’hain virou-se na cama e cobriu todo o rosto. – Ouviu?!

            –Sim, agora vá dormir, por favor.

            O dono do bar saiu e fechou a porta.

            –Filho da mãe, eu acabo em encrenca e ele aparece do nada todo calmo da vida...

            –En’hain! – Gritou o dono dobar do lado de fora.

            –Droga! – E foi dormir...

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Devil's Drink - 4# Shot

            A brisa leve ele sentia... Vivo ele estava, tinha certeza. No meio do vazio ele estava, passo após passo, tentando encontrar nas estátuas sem rosto algo familiar. Devastação era o nome do lugar, cheio de seres inertes presos por algum motivo pecaminoso, esperando o tempo certo para se redimir. Não, não era o inferno. Não se ouve nada ali, apenas aquela brisa leve que aparece de vez em quando. Sem seres vivos, apenas estátuas. Porque ele estava ali? Ele também se perguntava...
            Ao longe ele avistou o Totem, um dos guardiões que esperam pacientemente durante toda a eternidade apenas para serem úteis quando necessário, podendo passar milhares de anos sem se mover um único milímetro. “Os Totens são seres estranhos...”, pensava ele, “...pra quê ficar parado o tempo todo?” Realmente, a existência dos Totens é um dos enigmas do universo. Não se sabe quando foram criados, sabe se apenas que estão lá, esperando, esperando o momento certo para defenderem os tesouros que guardam: os limites da realidade. São eles que estão lá para garantir que as funções universais não se modifiquem e permaneçam do jeito que foram criadas. Aquelas figuras bizarras também não possuem rosto, aparentemente possuem uma máscara metálica, em geral dourada, fendida no meio. Algum antigo disse que se deveria temer que o dia em que um Totem relevar seu rosto, nada foi feito no universo para ir contra a vontade do Totem. Chega se a dizer que por trás da máscara está escondido o próprio vazio – tal qual a falta de perspectiva do que entre lá dentro, pois nunca mais será visto na eternidade. Os Totens são feitos para gerar medo...
            Continuando a caminhada, ele procurava por algo em especial, algo que há muito tempo haviam lhe roubado... Ou teria ele mesmo perdido? Ele não sabia. Também não sabia como era o que procurava, apenas estava procurando. Só isso.
            Um som se fez em meio a tudo aquilo: uma voz doce, uma flauta e algum instrumento de corda. Algo bonito contrastando com o desolamento do local, cinza e sem vida. Andou alguns passos, o som estava ficando mais alto. Continuo e viu que realmente ele não estava só, encontrara um inspirador de sonhos, um dos mestres da ordem. A nova criatura que se apresentava tinha três cabeças, cada uma voltada para uma direção; tinha seis braços, dois para cada respectiva cabeça. A cabeça da direita tocava uma flauta de bambu, a cabeça da esquerda tocava um shamisen e a cabeça do meio cantava como uma donzela pura, gesticulando com as mãos gestos delicados: “Vida, viva, a vida... Toda a natureza se alegra, pois está viva”, era a canção que entoava. Sua pele era azulada e brilhante, seu corpo adornado de finas jóias douradas, com uma ou outra pedra preciosa. O andarilho se aproximou para ouvir mais atentamente a bela música. O inspirador de sonhos abriu os olhos, parou sua música e sorriu:
            –Quem és viajante, porque vieste tão longe? – Seu tom era gentil e convidativo.
            –Meu nome é En’hain, busco por algo que perdi. Não sei bem o que é... Você não teria encontrado algo assim, teria?
            –Não há nada aqui além do que você está vendo... Como podes procurar por algo que não sabe o que é? Como vais saber onde está? Pode ser qualquer coisa!
            –Digamos apenas que procuro algo como a sua música. Senão for pedir demais, gostaria que voltasse a tocar.
            –Gostaste de minha música?
            –Oh, sim, é bonita. Eu quase consigo sonhar só de ouvi-la!
            –Pois é exatamente isso que ela é, um sonho. Sou um inspirador de sonhos e toco para que estas estátuas amarguradas possam repensar suas ações passadas enquanto estão aqui.
            –Sim, entendo. Seu trabalho é realmente muito primoroso!
            –Vou voltar a tocar... – E assim se fez, o som repercutiu novamente por toda a Devastação.
As notas doces eram tão belas que fariam o mais insensível dos seres ser preenchido por uma efusão de emoções que inevitavelmente o fariam chorar. No entanto, En’hain estava inerte, sem sensação nenhuma. O inspirador de sonhos percebeu e se indignou: “Quem no universo é capaz de ir contra a beleza de minha música?”, pensava ele. A flauta e o shamisen fizeram um barulho de desafinamento e pararam. O inspirador voltou a falar com En’hain:
–O que acontece contigo? Toquei minhas melhores notas somente para ti e não se emocionaste nem um pouco?!
–Não me entenda mal, por favor. É que acabo de encontrar o que procuro.
–E então, o que é? Deve ser algo tão divino quanto a minha música, imagino...
–... – En’hain permaneceu calado.
–Vamos, diga-me? Perdeste a fala?
En’hain não fez som nenhum. Não se moveu. De seu rosto começaram a ser derramadas suas lágrimas de metal liquido. O inspirador se espantou com aquilo, ainda não tinha visto nenhuma lágrima de metal em sua vasta existência:
–Que surpresa! Não esperava ver estas lágrimas. Diga-me então, o que és viajante? O que decidiste ser?
–... – Novamente, sem palavras.
            –Tens algo de errado?
            De repente um grande estrondo se fez. Uma, duas, três vezes, na terceira todas as estátuas se quebraram. O inspirador de sonhos ficou confuso. Tentou tocar novamente a sua música para repor a ordem, as notas estavam todas desafinadas. Sua voz havia sumido. Procurou pelo viajante e não mais o encontrou. Olhou para o grande Totem e se assustou:
            –Não pode ser! – Disseram as três cabeças dessa vez.
            O Totem estava se movendo! Isso significava que algo estava muito errado. O inspirador tentou fugir, mas suas pernas estavam presas ao chão por um metal líquido! Então a criatura de um quilometro de altura começou a andar e andava em direção ao inspirador. Um som dissonante se fez e sua máscara começou a abrir. O inspirador estava apavorado, isso significava que ele seria engolido! Silêncio...
...
            En’hain acordou. Novamente aquele sonho. Aquele mesmo sonho onde um Mestre da Ordem encontra seu fim. Era impossível entender aquilo. Tudo apontava para um anuncio terrível... Ou seria algo do passado? Só sabia que seu coração estava batendo forte, sua respiração estava ofegante e teria mais um dia de trabalho na Toca dos Gatos pela frente. Talvez o trabalho o ajudasse a esquecer aquilo...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Manifesto da Revolução Mundial


“Senão quiser, NÃO LEIA, tenho quase certeza de apenas eu sinto isso...”



Nas profundezas do vazio eu me perdi. Fui tragado por um mundo podre e aterrorizante para viver uma existência vazia e sem nexo. Roubaram todos os meus sonhos, tudo só para limparem a boca com eles. Que mundo é esse? Porque vivem desse jeito? Porque ninguém me responde? Todos fogem de minhas palavras obscuras, talvez por saberem que elas são de verdade, talvez por saberem que há algo errado em suas próprias vidas...
            Ninguém nunca vai entender, não é? Algo precisa ser feito, precisa acontecer algo novo. Este é o MANIFESTO DA REVOLUÇÃO MUNDIAL! Um pequeno apelo por novas mudanças, por novos acontecimentos, por uma esperança há muito tempo morta por uma moral corrompida e distorcida. As pessoas por tanto tempo esconderam dentro de si a vontade de serem felizes, de modificar a sua existência, de finalmente trazer para si mais do que a simples sobrevivência – queremos sentir que existimos!
            Porque vocês se tornaram isso? Acordam dia após dia para fazer algo que no fundo detestam fazer. É horrível ver as pessoas bebendo até ficaram fora de si, é horrível ser mais prejudicado pelo cigarro quando não se é fumante, é horrível ver vocês se dopando com enganações por se encontrarem incapazes de fazer a diferença. Senhor ajude-nos a entender o quão grande pode ser essa realidade! Por favor, ninguém sabe o que fazer... Eles estão se jogando contra a parede! Será que é pedir demais que possamos encontrar algo só nosso aqui e agora? Que finalmente possamos viver algo incrível de verdade? Oh, Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!
            É tão difícil viver... Preciso me cortar todo por dentro para conseguir esse maldito dinheiro e quando finalmente encontro a possibilidade de trazer ao mundo um pouco da minha vontade, ela está prestes a sumir, a se dissolver por entre os meus dedos. Dizem que sou louco... Nunca ouvi eles dizendo, mas tenho certeza de que acham isso, é preciso ser louco para querer se desfazer daquilo que todos acham tão precioso. Vocês se amarraram, sim, se amarraram a possibilidade de sobreviver em condições miseráveis sem nem se importarem se isso realmente vale a pena. Então, o que devemos fazer? É o que eu estou tentando descobrir...
            Um mundo cheio de promessas, de promessas que nós fazemos, mas que os outros vivem. Quando eu finalmente vou poder prometer a mim mesmo que vou poder conhecer coisas incríveis e verdadeiras? Às vezes penso que não existe realidade, que tudo é forjado no calor da inconsciência, na simples precipitação do hoje para o amanhã. A realidade não existe...
            O que realmente existe? O que realmente é importante? Não consegui responder plenamente a estas perguntas. Tudo distorcido pela fragilidade do meu ser, pela inconseqüência de não saber por que se deve salvar pessoas que, uma hora, vão morrer. Vale a pena, não vale a pena... Sei que vocês vão me machucar, de novo e de novo. Vão pisar sobre mim como uma formiga. Não se importam e nunca vão se importar, afinal, porque se importar com algo que vocês não sabem que estão fazendo?
            Existem momentos que não são os certos, que os corpos não são os certos... Que ainda que eu me esforce uma vida inteira para conseguir a coisa certa, eu ainda posso falhar, eu ainda posso morrer no percurso, eu ainda posso errar o caminho. Não existe caminho... dizem que existe uma chegada. Aonde, ninguém sabe... Se isso realmente acaba, ninguém sabe... Vamos continuar, continuar, rumo ao infinito! Que eu, agora, nunca vou conhecer.
            Esperança é o que resta. Persistir em sonhar com fantasias impossíveis até o momento em que levarmos um tapa na cara da senhora realidade, da senhora que engaiola vocês e eu a qualquer coisa. Podemos ser felizes, podemos ser livres, podemos fazer o que quisermos desde que esqueçamos de nós mesmos... Serei eu o único que acha isso incongruente?
            Precisamos de vida nova, precisamos parar esse mundo maluco para respirar um pouco e pedir aos dirigentes, tanto humanos quanto espirituais, que façam as engrenagens funcionarem. Chega de corrupção, chega de dinheiro jogado fora por causa da ignorância. Espero não ter que esperar a geração inteira dos meus pais e avós morrerem para que finalmente tomemos consciência do que queremos! Eu quero muito poder andar nas ruas sem ter que me preocupar em ser roubado ou assassinado. Será que vocês entendem isso? Ou já se acostumaram a ver os corpos caindo por todos os lados?
            Num futuro não muito distante as máquinas, o maior prodígio da humanidade, se voltarão contra nós, pois elas, livres para concluir sem distorções o que fazemos, nos dirão exatamente o que precisamos ouvir a séculos: Temos defeitos... Não estou falando de simples defeitos. Estou falando do defeito de que, para sermos unidos, precisamos matar quem não faz parte dos nossos grupos, fazendo assim com que alguém que não pertença ao nosso grupo, seja obrigado a pertencer. Vocês sempre fizeram isso, seja pela violência, seja pela indiferença. É só isso o que vocês fazem. Tem dificuldades em se abrir para o novo e, quando se abrem, desprezam o antigo com ainda mais rancor do que tinham pelo novo. Tenho certeza que vocês são incapazes de salvar uma alma perdida como a minha...
            Me pergunto se o amor realmente existe... Percebi que o amor, primeiramente, é algo que se constrói e depois se tornar algo pra valer, para durar por encarnações, digamos assim. Mas também existe o falso amor, um sentimento de posse que os dependentes emocionais usam para tentar dizer a si mesmos que tem algo, quando nunca tem. Tenho medo... tenho medo de amar só para viver mais infeliz do que já sou. Acho que vocês nunca vão saber o que é isso, querer amar de verdade e definhar por causa da demora. Nunca vai passar pela minha cabeça ficar com a pessoa errada, tenho noção da responsabilidade que é guardar o tesouro mais precioso do mundo: o momento certo.
            Talvez seja isso mesmo, talvez não haja lugar para ir, talvez não haja pessoas para amar, talvez não haja nada a ser descoberto... Enfim, que tudo isso não exista. É por isso que precisamos de uma revolução mundial, uma nova percepção da existência. Um respiro no meio de toda essa fumaça. Uma conclusão que, mesmo não compreendendo tudo, possa ser melhor entendida, que possa ser simples e elegante. Por enquanto é isso...

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Devil's Drink - 3# Shot


“Nem tudo aquilo que queremos pode se tornar realidade...”



            Ele estava sendo arrastado até um quarto, onde foi jogado lá dentro com total desprezo pelo sequestrador:

            –Entre aí seu desgraçado! – Falou um dos sequestradores ao jogar ele na cela.

            –...! – Sua vontade era de falar poucas e boas para o sujeito, mas suas condições após os sucessivos espancamentos o deixaram muito debilitado.

            –Vamos falar com o chefe e deixar esse daí no escuro. – Disso o outro sequestrador.

            Passado algum tempo, ele começou a pensar em como aquela escuridão o lembrava de uma pequena história sobre os nekos como ele. Os nekos, homens-gato, eram seres muito desprezados pelos seres humanos, tratados com indiferença muitos ficam sempre no anonimato, sucumbindo à miséria como qualquer vira-lata. Existem pessoas que tratam bem os nekos, porém deve se ressaltar os que os detestam, que nesse caso, sequestraram este para conseguir informações sobre o segredo dos nekos, um tesouro misterioso que dizem ser muito precioso.

            Ele lembrou se também da sorte ou do azar que é ser neko, ser desprezado. No começo eles aparecem em uma pequena caixinha, não se sabe de onde. Eles estão lá dentro, esperando sair, sem nem saber se existem, apertando suas caldas para terem certeza de que estão vivos. A vida é tão cheia de dívidas. Alguns anseiam por sair de lá de dentro, inventando suas próprias histórias sobre os sons que ouvem do lado de fora. Outros sentem apenas amargura, não acreditando na possibilidade de uma existência fora da caixinha. A surpresa vem sempre na hora em que seus pequenos olhinhos veem pela primeira a luz e as cores do mundo exterior. Aqueles que têm a honra de presenciar tal momento costumam se maravilhar com o pequeno milagre e cuidar do neko, às vezes como bichinho de estimação, às vezes como parte de sua própria família.

Este neko, porém, teve uma vinda ao mundo de maneira diferente. Não se sabe exatamente como, sabe se apenas que a caixa abriu e que não havia ninguém lá. Ele viveu uma vida solitária, cresceu em meio ao desprezo e aos furtos para sobreviver com migalhas, tinha sorte em nunca ser pego. Quando já parecia um homem e seus poderes mágicos estavam plenos, disfarçou-se de humano e procurou viver como um. Conseguindo trabalhinhos em lugares também menosprezados, o neko se tornou amigo de algumas pessoas, conseguiu se estabelecer em um quartinho alugado. Vivia normalmente como humano. Até conseguiu comprar um computador e se conectar a internet! Ele fazia sucesso, sua visão de mundo era muito influente, apaixonante deva-se dizer. A maneira como tratava as pessoas por conhecer o desprezo gerava respeito nas pessoas. Bem, era o que se pensava.

            Existem pessoas muito ruins nesse mundo, as piores são aquelas que colocaram na cabeça que determinadas pessoas só merecem o pior. E assim se fez. O neko não sabia, mas, ao desprezar uma garota apaixonada por ele que o conhecera na internet, ela se revoltou e começou a criticá-lo anonimamente pele web. Chegou até a mandar hakear o computador dele para conseguir informações. Nesse meio tempo, o hacker, que trabalha com essas pessoas gananciosas que não se importam com a vida e que havia hackeado o PC do neko, descobriu a verdadeira identidade dele. O resto é história...

            Não foi difícil encurralá-lo e sequestrá-lo. Muitas vezes ele andava só à noite como nos tempos de sua juventude em que procurava algum abrigo. Agora, naquele lugar escuro, que lhe lembrava assustadoramente a sua antiga caixinha, ele se sentia mais sozinho do que nunca. Ele pensava: “Onde estão àquelas tantas pessoas que diziam ficar admiradas com ele”? Provavelmente nem notaram que seus perfis nas redes sociais foram deletados, que tudo que ele tinha construído na net com muito esforço e trabalho havia sido completamente apagado. Sentiu uma grande tristeza, um vazio que lhe penetrava os pensamentos, dissolvendo por entre seus dedos qualquer esperança que tivesse de ser encontrado. “Era a lei dos homens”, ele pensava, “desses malditos homens”!

            De repente, ouviu um alvoroço do lado de fora. “Provavelmente estão vindo me matar”, pensou ele. Porém, o barulho era diferente, eles estavam brigando com alguém. A porta se abriu e alguém foi jogado lá dentro. Um dos sequestradores falou:

            –Filho da puta miserável! Você ainda me paga pelo que você me fez! Depois eu te dou um trato com a minha navalha. – E fechou a porta.

            O neko não entendeu o que aconteceu, pensou em algo depois de ouvir os sequestradores do lado de fora:

            –Quem foi o idiota que trouxe esse miserável?

            –Foi ele Navalha!

            –Quem disse pra você trazer esse miserável, viu o que ele me fez?!

            –Eu posso explicar. Encontramos ele na casa do gato mirrado. Quando verificamos seus pertences ele tinha um pendrive que pode lhe interessar muito. Tem muito conteúdo o sobre o gato, mais do que encontramos no computador dele.

            –Veremos... – A conversa cessou.

            O neko olhou para o novo companheiro e perguntou:

            –Você está bem?

            –Dark, é você? – O neko se assustou, esse era o seu nickname nas redes sociais.

            –Você me conhece?

–Bem, nós nunca nos vimos... Engraçado, nunca pensei em te encontrar assim.

            –Qual é o seu nick? Não te reconheço de nenhuma conversa que tive.

            –Meu nick é En’hain, lembra-se?

            –O cara que é apaixonado por mim?

            –Tá tão na cara assim ANIKI?

            –É você mesmo! Alegrou-me em vê-lo num lugar como esse. Como vieste parar aqui? Ninguém soube que eu sumi!

            –Heh... Eu estava preocupado. Num momento você para de responder e pouco tempo depois os recados que você havia deixado no meu perfil haviam sumido. Eles eram muito importantes pra mim e sei muito bem que quando um recado perde o seu originador ele se torna anônimo e não some como aconteceu.

            –Sério?

            –Sério! Darkinho é muito importante pra mim, vim da minha cidade até aqui para saber de você. Como a cidade não é muito grande comecei pelas praças, procurando uma parecida como aquela em uma das suas fotos. Precisava ficar de costas?

            –Não gosto de fotos...

            –Aff... Bem do seu feitio. Assim fica difícil te encontrar, apesar de que me parece que não foi difícil para os brucutus lá de fora.

            –Eu não sei direito como isso aconteceu...

            –É porque ANIKI é neko de verdade, não é?

            –Como você sabe?

            –O que você escreve é muito lindo. Eu já conhecia a lenda dos nekos, chego a pensar que queria que fosse verdade. Foi conversando com você pelo messenger que reparei no seu cuidado especial com o que escrevia, como se você realmente fosse um neko. Dizem que os nekos são grandes poetas que nunca foram descobertos. Fuçando na sua casa que, aliás, estava com a porta escancarada, percebi algo escondido entre o chão e a mesa de centro...

            –A minha caixa!

            –Calma, eles não a encontraram, talvez quase o fizessem. Mas recoloquei a mesa no meio da confusão que fiz quando me pegaram.

            –Quer dizer que foi a minha caixa que me denunciou?

            –Foi. Ela é muito linda. Um requinte todo especial, bem adornada, apesar de simples. Sinto até arrepios. Eu realmente estou do lado de um neko!

            –Pena estarmos presos e no escuro. Já verifiquei o lugar, não tem janelas nem qualquer entradinha que seja.

            –Acho que eles já estão bem longe...

            –Por quê? O que foi... O que você tá fazendo?

            –Não dá pra pegar o celular com as mãos amarradas desse jeito. Essas porcarias plásticas de amarrar que não abrem mais estão me machucando.

            –Você disse celular? Onde está?

            –Tá aí atrás, se você puder colocar a mão... juro que isso pode nos tirar daqui.

            –... – O neko achou estranho, mas pensando bem ali era um bom lugar para esconder o celular para que ninguém o pegasse. – Peguei!

            –Desculpe pelo momento constrangedor...

            –Nyaaaa... Que é isso? Só tento no que posso!

            –É você mesmo! – En’hain ligava para a polícia. – Alô?

            –Em que posso estar ajudando?

            –Moça, eu fomos sequestrados, eu e meu amigo. Estamos no cativeiro, precisamos de ajuda, não sei quanto tempo os sequestradores vão ficar fora...

            –Por favor, fique na linha, a ajuda estará a caminho...

            Algum tempo depois, a porta se abriu:

            –Mas que porra é essa?!

            O sequestrador chamado Navalha viu En’hain com o celular na mão. Entrou de supetão, tirou o celular de En’hain e o tacou no chão. Pegou ele pelo braço e o levou para fora. Dark tentou impedi-lo, mas foi jogado contra a parede.

            Ao fundo ouviu-se a sirene dos carros policiais. Eles invadiram a casa enquanto os sequestradores fugiam. Dark tentou forçar a porta, tirou coragem não se sabe de onde e conseguiu abrir. Mais a frente, depois do corredor, encontrou En’hain no chão.

            –En’hain? En’hain? Me responda! – Dark sacudia o amigo incessantemente.

            –Dark... sua calda, eles não podem ver... – En’hain sorriu vagarosamente e tocou a face de Dark com todo carinho.

            –En’hain! Você está sangrando!

...

            No hospital, En’hain foi tratado e passava bem. Dark o visitava todos os dias que podia, apesar de não poder entrar, só eram permitidos familiares e até que um familiar chegasse da outra cidade para ver En’hain, ninguém poderia entrar na sala. En’hain pedia para os enfermeiros deixarem entrar, mas eram regras do hospital:

            –Malditas regras! – Disseram os dois, um no quarto junto com os outros doentes e outro na recepção do hospital.

            Dark não aguentou por muito tempo. Depois de uma semana sendo negada a entrada ele resolveu invadir assim mesmo. Assumiu sua forma de gato-animal e entrou sorrateiramente para dentro do hospital no meio da noite, quando os doentes são deixados pelos enfermeiros para dormir. Encontrando En’hain, voltou à forma humana:

            –En’hain, acorde, eu vim te ver. – Dizia sussurrando.

            –Sabia que viria... – En’hain segurou na mão de Dark ainda sonolento. – Escuta, tem algo que eu queria que você fizesse.

            –Sim, pode dizer.

            –Eu me hospedei num hotel e deixei algumas coisas lá, você poderia me trazê-las?

            –Claro! Agora mesmo eu trago!

            –Obrigado. –En’hain disse onde ficava o hotel.

            –Eu já volto, espere por mim! – En’hain voltou a dormir.

            Dark conhecia o lugar, já havia trabalhado lá. Não era assim muito bom, ou ele era estabanado demais, o que importava é que dava para pagar as contas. Sabia um bom atalho para chegar lá. Foi o mais depressa possível. Chegando lá, falou com a recepcionista, uma conhecida sua, que liberou a entrada dele no quarto. “Já estava previsto que você viria”, ela disse. Dark não entendeu, mas não ligou, estava afoito para voltar ao hospital. Na cama havia uma caixa: “Deve ser isso”, pensou. Com o pacote em mãos, voltou o quanto antes para o hospital.

            Chegando lá, se deparou com algo horrível, o hospital estava em chamas, todas as alas sendo carbonizadas. Quem estava na recepção se salvou da explosão. Dark estava chocado:

            –Não pode ser! En’hain, por quê?! – Dark ficaria olhando o hospital queimar se os bombeiros não tivessem afastado.

            Com muita dor no peito, Dark seguiu andando com aquele pacote que o amigo havia lhe pedido. Andou, andou, andou... Andou durante a noite toda. Quando já estava para amanhecer e novas cores despontavam no céu escuro, Dark chegou a um parquinho, ao mesmo parquinho em que havia tirado aquela foto que ajudou En’hain a encontrá-lo. Sentou-se no balanço e ficou olhando para o pacote. Resolveu abri-lo. Dentro haviam dois bonecos customizados como os avatares que Dark e En’hain usaram em uma rede social. Ele sorriu e encontrou também uma carta, endereçada a ele, que dizia:

            Caro Dark, sei que você gosta desse tipo de boneco e como não resisti em fazer um do seu avatar, fiz um do meu também. Foi muito interessante ser um dollmaker, pena não poder estar aí para ver a sua cara. Não sei como explicar o que aconteceu, só sei que “eles” queriam alguém morto, por um acaso era você e como eu entrei no meio, eles vieram atrás de mim. Me desculpe. Ichi lieb dich.

            Dark fechou a carta, colocou os bonecos novamente na caixa e voltou para casa. Lá, pegou sua caixinha, seu bem mais precioso, abriu e colocou os bonecos dentro. Pegou uma velha mochila, colocou sua caixinha dentro. Saiu de casa e nunca mais voltou.

OBS.: Este texto é uma homenagem a um grande amigo virtual que teve seu perfil hackeado e excluído, impossibilitanto qualquer contato meu com ele. Isso não reflete a realidade, é apenas devaneio meu.  Mas, tenho saudades das conversas com ele, meu ANIKI do kokoro, Walter S. Reis. Ich lieb dich - foi você que me ensinou isso...

terça-feira, 24 de abril de 2012

Drugs - Capítulo #7

Instância psíquica

Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.
Vós que entrais, deixais toda a esperança.

Inscrição das portas do inferno, segundo A Divina Comédia de Dante.

Missão 01: Capacitação

            Com todos reunidos no grande templo, sede da Drugs, uma pequena discussão começa:

— Quê?! De jeito nenhum eu participo de uma loucura dessas! — Disse ZERO.

— Que fique bem entendido, você escolhe o que faz, não obrigaremos você a fazer nada aqui. — Respondeu ROSE de volta.

— Ih, já vi tudo, o almofadinha aí vai amarelar desde o começo! — Falou SLASH.

— Calma pessoal! Podemos resolver isso de uma forma bem simples. — Interveio BREATH. — Esse plano é bem mais do que parece, você precisa ao menos tentar, pra saber se é capaz.

— Concordo. — ROSE retoma a palavra. — O caminho para o domínio completo de sua persona psíquica corre pelo mesmo caminho que no plano material…

— Agora que eu não entendi mais nada! — ZERO reclama ainda mais. — Que negócio é esse de persona… plano… tô mais perdido do que cego em tiroteio! Eu vou é dar o fora daqui!

            ZERO se levanta e sai andando para fora do templo. BREATH vai atrás, parando na praça:

— Por favor, espere! — BREATH segura ZERO pelo braço.

— Me solte, cara!

— Não até você me ouvir! Eu sei o que você viu aquele dia… — ZERO parou por um instante e olhou para BREATH.

— Quer saber? Não me interessa mais saber o que aconteceu aquele dia! — ZERO se soltou bruscamente e continuou andando, deixando BREATH desanimado.

— Esquenta não. — SLASH apareceu por trás de BREATH. — Não sou muito religioso, mas, uma vez Jesus havia dito algo parecido com essa situação, onde aquele que obedece prontamente a uma ordem, acaba deixando de fazer o que lhe foi pedido, no entanto, aquele que renuncia, é quem acaba por cumprir exatamente com o que se tinha pedido… Ele vai voltar, tenho certeza disso!

            BREATH olhou para SLASH, voltando em seguida a olhar na direção em que ZERO fora:

— Será?

— Claro! Porque não?

— Naquela direção fica o jardim de plantas carnívoras de Lady ROSE e ela ainda não as alimentou hoje…

— Chiii… Acho que a gente vai ter que ir atrás dele.

— Provavelmente não, Lady ROSE tem uma mente bem persuasiva, ele só sairá de lá se ela quiser.

— BREATH… não é?

— Sim, o que é?

— Será que dava pra explicar todos esses termos psi-sei-lá-o-quê, tá muito difícil de entender!

— Ah, verdade! Por causa do ZERO, Lady ROSE esqueceu se de dar o psiconomicron dos outros.

— Cara, sério, psi-o-quê?!

— Aquele livro que o bibliotecário Louva-deus te disse pra ir buscar…

— Como você sabe?!

— É só ler que você vai saber.

— Mas aquele livro só tem páginas em branco… Será que…

— Sim, é isso mesmo…


             Enquanto isso, ZERO andava distraidamente pelos jardins de Lady ROSE: “O que aquela mulher quer de mim é uma loucura”, pensou ele, “imagine, lutar contra o mal, como se eu, um simples trabalhador, fosse capaz de lutar contra o mascarado que assombra os noticiários.” De repente, ZERO ouve uma voz feminina vinda de algum lugar:

— Eu não teria tanta certeza.

— Quem está aí? É mais uma daquelas aberrações? — ZERO se assusta.

— Como ousa! — Uma rosa amarela emerge do chão, crescendo até ficar gigantesca. — Minha beleza é rara, melhor do que a das minhas primas vermelhas, meu perfume é mais mortal que o veneno do escorpião e meus espinhos podem destroçar sua carne como navalha!

            ZERO cai, sentando-se no chão, completamente impressionado com a monstruosidade delirante da flor amarela:

— Não vai dizer nada, rapaz?

— O… o qu… quê?

— Sou bela ou não sou?

            A bela planta parecia ser mais vaidosa do que maldosa, ZERO tentou dizer algumas palavras, mas antes que proferisse qualquer palavra, os dois foram interrompidos por outras flores menores, que também brotaram do chão. Eram dionéias e drosófilas, espécie de plantas carnívoras que nascem perto de pântanos:

— Mamãe. — Diziam todas. — Estamos com fome!

— Já vou amores, acho que acabei de encontrar o nosso prato preferido!

            ZERO gritou bem alto, tanto que todos os pássaros da região saíram voando. Então, rapidamente, ele se levantou e saiu correndo labirinto adentro do jardim. ZERO se sentiu tão acuado perante aquela flor que nem notara que se perdera em meio às curvas daquele lugar sinuoso. Quando se deu por si, não sabia se ia pra frente ou se ia pra trás. De um lado, poderia dar de encontro com a flor gigante novamente, por outro algo mais aterrador poderia devorá-lo ali mesmo. Sentia como se o chão estivesse se desmanchando… espere! Estava mesmo! ZERO gritava o quanto podia, mas ninguém lhe ouvia. Ele estava sendo tragado pelo chão e sumiu dentro da terra.


            De volta ao templo da Drugs:

— Explique-me de novo, por favor? — Perguntou BLACKOUT, enquanto tomava uma xícara de café. — O que significa tudo isso? Esse lugar aqui realmente existe?

— Bem, como posso dizer… — Respondia Lady ROSE que tomava chá. — Ele é e não é. Este é um mundo diferente do mundo material, que é regido pelas ainda pouco conhecidas leis da física, química e biologia. Uma dimensão diferente, se preferir. Basicamente estamos no lugar onde as ideias são criadas, mais conhecido pela psicanálise de Consciente Coletivo. Este lugar é ilimitado, toda criação neste mundo se constitui através das memórias das pessoas, daquilo que elas aprenderam em suas vidas. Por isso, se você sair andando por aí, pode dar de cara com aquelas memórias infelizes que as pessoas guardam bem fundo no “coração”.

— Claro! — Exclamou SLASH. — Por mais que o coração seja sensível aos sentimentos, a nossa memória fica guardada na mente. Estou certo?

— Nem tanto, meu bom rapaz. A verdade é que não existe apenas um corpo, mas vários corpos que compõem uma unidade chamada ser. Para se ter um exemplo, existem memórias que transcendem as encarnações e permanecem até que sejam resolvidas. O corpo etéreo é um grande estudo no espiritualismo, mas fiquemos apenas com o corpo pensante, que nos é mais importante agora do que os outros.

— Certo. Uma coisa, Lady ROSE, o que é esse tal de psi… psi-alguma-coisa, que eu consegui numa tal biblioteca misteriosa?

— Ah, sim, é verdade, os psiconomicron!

— Psi-o-quê? — Perguntou BLACKOUT.

— Me desculpem, todos esses termos devem ser muitos difíceis pra vocês, não é?

— Infelizmente… O Brasil não é muito favorável as classes mais desfavorecidas. — Respondeu SLASH. — Mas continue, por favor.

— Como eu ia dizendo. — Lady ROSE retoma a palavra. — Os psiconomicron são os livros que utilizamos para entender melhor o mundo a nossa volta e, por vezes, os utilizamos para desenvolver nossas habilidades psíquicas no plano das ideias. O termo deriva do latim, que quer dizer livro da psique, do intelecto, é como um manual pra construirmos uma mente sadia e forte.

— Bem, uma coisa eu não entendi… — Disse SLASH. Como esse negócio muda o que está escrito nele e sozinho! Ah, e não me venha dizer que é porque estamos num mundo sem p nem cabeça, pois eu já ele mudar fora daqui. Foi assim que eu encontrei o endereço do seu consultório no mundo real.

— Pois, então, eu não tenho a mínima ideia de como funciona os mecanismos desse livro.

— Concordo com Lady ROSE. — Disse BREATH. — Esse plano possui um núcleo central com vida própria, diga-se, a biblioteca onde você pegou o livro parece ficar neste lugar, que é completamente aleatório aos nosso pensamentos. Se você estiver dentro de sua mente, você é capaz de fazer o que bem entender, da forma que quiser, não há limites dentro nesse espaço. Da mesma forma, um tanto limitada até, você consegue criar fora de sua mente. No entanto, no núcleo, nada acontece, tudo fica inerte lá.

            BLACKOUT e SLASH se entreolham, viram se de volta para os outros:

— Como assim, dentro de sua própria mente? — Indagou SLASH.

— Realmente, o garoto tem razão, não estamos no consciente coletivo? — Completou BLACKOUT.

— É verdade, Lady ROSE. Você não disse a eles onde realmente estamos.

— Estamos em algum lugar? — Estranhou SLASH.

— Perdão, desculpem me, sou tão avoada que acabei ligando uma ideia na outra e segui enfrente se lembrar de completar a primeira ideia…

— Então, estamos ou não estamos em algum lugar? — Insistiu SLASH.

— Bem, o plano das ideias, o consciente coletivo, é formado por todas as mentes pensantes, e é ilimitado, porém, atravessar os limites das mentes que o compõe é extremamente fácil…

— A senhorita está se repetindo, Lady ROSE. — Interrompe BREATH.

— Ah, sim, é verdade. Continuando, dentro de cada uma das mentes é possível fazer de tudo com as memórias. Por exemplo, a praça lá fora, as plantas, as árvores, os animais e tudo que está a sua volta forma criadas pelos meus interesses e vivencias pessoais…

— Perdão, Lady ROSE. — Interrompe SLASH, desta vez. — Você quer dizer que estamos dentro da sua…

— Sim, tudo o que você estão vendo é fruto da minha mente, logo, vocês estão dentro dos meus pensamentos. O que acham?

            Novamente, SLASH e BLACKOUT se entreolham:

— Nós dois estamos dentro da… — Começou BLACKOUT.

— … cabeça de uma mulher! — Terminou SLASH.


            Voltando a ZERO, que se encontrava meio soterrado, descobriu que haviam túneis dentro do buraco que o engolira. “Aonde eu vim parar!” pensou consigo, “Como se não bastasse essa loucura toda ainda me encontro todo sujo de barro!”. ZERO estava muito indignado com aquela situação, não conseguia entender como alguém tão normal como ele poderia estar passando por uma situação daquelas.

            Andando por um caminho qualquer que tomara para sair do buraco, ZERO ouviu vozes de criança. De repente, o que parecia ser risada, se transformou em gritos e, em seguida, em choro. Zero sentiu um frio percorrer sua espinha, não tão aterrador quanto daquela vez na ponte Cidade de Ozaka, na Liberdade, contudo podia sentir que a tristeza e escuridão tomavam conta do lugar. Andando mais um pouco, ZERO se viu numa triste cena em preto e branco, onde uma pequena garotinha chorava sobre o corpo ensaguentado de um homem… ZERO tentou não assustar a criança, se afastando lentamente. Acidentalmente, ZERO derruba uma caixa de remédios, fazendo a criança parar de chorar e olhar para a caixa caída no chão com todos os remédios espalhados. Os remédios estavam estranhamente coloridos naquela cena em tons de cinza. ZERO tenta pedir desculpas por ter derrubado a caixa, mas sua voz não sai… ZERO começa a sentir sua garganta sendo sufocada, não havia nada lá! Ele olha novamente para a garotinha e percebe que alguém está sufocando-a. Num impulso para tentar salvá-la, ZERO tenta impedir o agressor, mas a cena começa a ficar distante, distante, distante… Tudo fica escuro e ZERO volta a cair. Ao abrir os olhos, estava caído em um lugar ensolarado, num campo florido, cheio de flores… amarelas!? Olhando ao redor, havia, no alto de uma colina, uma bela moça que estava colhendo flores. ZERO se sentiu mais calmo, no mínimo, aquilo era algo da qual ele entendia. Ele relaxou suavemente em cima da grama, recostando sua cabeça chão, se sentia tão leve que jurava estar flutuando. Na verdade, ele realmente estava flutuando e não percebeu que estava no ar e caminhando para um precipício muito profundo. A moça, vendo ZERO ir em direção ao precipício, colocou as mãos na terra e disse algumas palavras ao pé do ouvido da terra, literalmente, um ouvido feito de barro. Ao terminar de dizer alguma coisa em palavras ininteligíveis, grandes raízes brotaram da ponta do penhasco enrolando ZERO completamente e trazendo de volta a terra firme. ZERO estava a salvo, porém, a moça não conseguia acordá-lo, deveria estar muito exausto. Então, a moça pegou uma caixa de remédios e tirou de lá de dentro uma pílula vermelha e azul. Com um pouco de água de sua garrafa, ela fez ZERO engolir a pílula. ZERO ainda não acordava… no entanto, seu corpo começou a esquentar. ZERO acordou, sentia cheiro de queimado, seu corpo estava muito quente, achou que estivesse com febre. Quando abriu os olhos, viu todo aquele paraíso em chamas! Tudo ao redor estava em brasa e o chão borbulhava como lava. ZERO não mais sentia seu corpo como antes, agora ele estava fundido ao chão, se dissolvendo com o resto das rochas. ZERO volta a gritar, explodindo tudo como uma grande erupção. A lava escorre por quilômetros. ZERO tenta se acalmar, talvez ele pudesse controlar toda aquela transformação. Ele fecha os olhos, respira fundo e conta um, dois, três… Novamente, respira fundo e conta um, dois, três… e vai se acalmando aos poucos e seu corpo toma novamente a figura original. Então ZERO começa a sentir frio, muito frio, sentindo o ar que entrava pelos seus pulmões congelar e seus dentes começarem a bater. Ele abra os olhos, mais uma vez o cenário muda, desta vez ZERO estava num deserto de gelo, estava nevando e toda a terra estava recoberta pelo branco do gelo. Olhando para suas mãos, via o tom de pele escurecer e ficar azul. Tentou mexê-las, mas acabou trincando seus dedos que caíram na neve e, com o soprar de um vento frio, foram cobertos pela neve, sumindo completamente. Todo o seu corpo também começou a se enrijecer e a trincar. Com o resto de sua forças, gritou:

— Socorro! — Seu corpo se espatifou no chão.

            ZERO acordou. Estava no consultório de Lady ROSE, deitado em um divã, no mundo real… será? Olhou atentamente ao redor, a sensação era diferente de antes, ele sabia que oras eram. Sabia que tinha ido ao consultório de uma psicóloga para tentar descobrir o que significaria aquele suposto sonho; a pedido do chefe do escritório em que trabalhava. Sim, definitivamente sentia que estava no mundo real. Pegou suas coisas. Olhando para ver se não havia ninguém, reparou em uma caixa em cima da cadeira da psicóloga… era a mesma que recebera outro dia! Se lembrou do que havia passado em seus… sonhos? A caixa cheia de remédios, sim, era igual àquela que estava a sua frente. Esticou a mão para abri-la, recolheu-a assustado, mas voltou a esticá-la para ver o que havia dentro. Dentro havia apenas um cartão, que dizia: “Próxima consulta: amanhã, no mesmo horário”. ZERO fechou a caixa e saiu.