Devil’s Drink 26 –
Incapaz
– Onde você
estava? Espero que tenha encontrado um emprego! – este é o meu irmão mais
velho, Pietro. Eu moro na casa dele, faço minhas refeições, uso a internet...
Tudo sem pagar um único tostão. Eu não estudo, eu não trabalho. Aliás, acho que
eu só dou trabalho. Eu deveria fazer alguma coisa para ajudá-lo, espero que eu
consiga. – Ei! Está me ouvindo?
“A minha
história não deveria ser contada. Não que fosse ruim, só não é importante, a
maioria das pessoas não acha importante... É o que eu penso. Eu vivo a minha
vida assim, sonhando e apenas sonhando. Perdido num mundo de belas
possibilidades, sem ligar para o dinheiro, sem me alimentar direito, sem ter
uma vida social – nada além da virtual. E vivo nas redes sociais... Quero
dizer, nem tanto, chega uma hora que elas enchem o saco e você está lá vidrado
do mesmo jeito. Tenho consciência de que ficar no computador o dia inteiro sem
sequer ver a luz do sol é um vício. Mas fazer o quê? Não tenho nada lá fora, eu
não sei fazer nada que possa me dar dinheiro... Dinheiro, maldito seja essa
desgraça que me impede de ser feliz, de fazer coisas... Argh! Isso me dá raiva!”
– Lukas?! O
que você foi fazer? – esse é o meu nome... – Você sumiu por três dias, me
deixou preocupado!
“Meu
irmão... A gente nem se fala e ele insiste em cuidar de mim. Eu mal olho na
cara dele. Por falar nisso, já faz um bom tempo que eu não falo nada pra ele.
Que pena... Apesar de que eu tenho certeza de que não tenho nada pra dizer.
Justo eu? Como poderia ter algo para dizer a ele? Talvez antes eu tivesse, eu
acho. É que ele é um vendedor numa loja do nosso tio e a loja não tem tido
muitas vendas ultimamente. Se as coisas não melhorarem logo podemos ficar sem a
nossa casa. Eu não quero perder o lugar em que me sinto bem, que eu posso
chamar de lar. Infelizmente esta casa é apenas alugada, só ficaremos aqui
enquanto pagarmos em dia o que devemos e o meu irmão já está devendo dois
meses. Meu irmão não quis contar nada pro nosso tio, mas também, ele nunca entenderia
mesmo... Ele nunca fez nada por nós que realmente tivesse nos ajudado. Muitas
vezes ele passa aqui, meio bêbado como sempre, fala um monte de besteiras, faz
um monte de promessas e sai daqui sem nem saber o que fez, alimentando
possibilidades que poderiam nos ajudar e que acabam por morrer, me deixando
cada vez mais amargo”.
– Lukas?!
Você está me ouvindo? Seus amigos me disseram que você estava interessado em
sites ilegais da internet, é verdade?
“Amigos...
É. Talvez eles sejam amigos afinal. Mesmo sem me ver eles prezam pela segurança
de alguém que não estão vendo. Só tem uma coisa que eu odeio neles e no meu
tio. Eles sempre dizem: ‘Você tem potencial’. O assunto morre por aí mesmo, eu
odeio essa palavra. Potencial, potencial... Potencial do quê? O Brasil é um
país cheio de potencial e continua na mesma merda de sempre! Meu ensino escolar
foi ruim, meu ensino técnico foi mais ou menos e, quando eu pensava que o
futuro de uma pessoa era ir pra faculdade, trabalhar e ter uma família,
descubro que existem erros da natureza como eu que simplesmente falham e não
vão pra frente. Faculdade... Esta aí um assunto que eu não tenho a mínima ideia
de como lidar. Que curso eu poderia fazer? Aliás, não me preocupo com nenhuma
mensalidade, me preocupo com o material, com os novos conhecimentos, com a
falta de inspiração que eu poderia ter quando eu começasse a faltar e
descobrisse que eu não quero mais estar lá pelo simples desgosto de ser um
incompetente... É melhor que outros ocupem a vaga que eu poderia ter, pois
tenho certeza de que nunca vou conseguir ter prazer em estar no meio das outras
pessoas. O que me leva a questão do trabalho. Sabiam que eu já trabalhei na
loja do meu tio? E um dia, quando tive um grande desgosto quando voltava do
trabalho, depois te tanto tempo trabalhando lá, acabei por nunca mais aparecer
na loja, sem dar nenhuma satisfação. Acho que era por que eu estava estudando
ao mesmo tempo em que trabalhava, alimentando a imagem de tudo posso, tudo
consigo com o dinheiro e quando ele me foi tirado por eu ter sido enganado,
descobri o ser rebelde que existe dentro de mim. Fiz muita besteira naquela
noite, enquanto meu irmão dormia. Desde então não falo com ele...”
– Lukas?!!!
Me diga, pelo amor de Deus o que você esteve fazendo? – tirei a mochila de um
dos ombros e passei ela pra frente do corpo. Eu tinha acabado de chegar. De
dentro da mochila tirei um maço de dinheiro. Eu já havia contado, eles haviam
me dado dez mil pelo que eu fiz... – Da onde você tirou isso moleque?! Não me
diga que entrou pro tráfico? O que nossos pais iriam pensar de você? Me diga? E
o que iriam pensar de mim, por ter deixado você desaparecer desse jeito?
“Eu acho
que me importo... Eu não queria dizer pra ele, mas me importo. Das três coisas
que devemos ter na vida adulta, a família com certeza é a mais importante,
mesmo que você não saiba como se comportar ou lidar com ela, com outras
pessoas. Não sei como esses sentimentos passam pela minha cabeça, não sei de
onde eles vêm. Não queria me importar com nada, não consigo lidar com nada...
Não consigo querer ter dinheiro, não consigo pensar em trabalhar, não consigo
pensar no que fazer da minha vida. No entanto, insistentemente me passa pela
cabeça esses pensamentos perfeitos de quando as coisas seriam simples e que
tudo daria certo. Eu odeio isso. Quando penso na vida, começo a sonhar. Quando
quero tornar os sonhos realidade, é justamente aí que eu vejo que as coisas não
são fáceis, que você precisa se sacrificar para sobreviver e que você perdeu o
ânimo, a vontade de viver, o gosto por aquilo que você fazia. Tudo fica tão
insosso, um desgosto tão grande, que a única coisa em que você acaba por pensar
é na morte, que a vida não tem significado nenhum...”
– LUKAS!!!
– eu desmaiei... – O que você fez?! Me fala!
– Eu...
Eu... – estava me sentindo muito fraco, o mundo estava girando.
– Lukas!!!
O que são essas bandagens na sua barriga?
– Eu vendi
o meu rim pra pagar as contas...
– LUKAS!!!
...