Mundos
Paralelos
“Era tarde… Eu não sabia por que era tarde, mas era
tarde, estava atrasado. Precisava ir a algum lugar, em algum lugar, não me lembro
de que lugar era. Acho que era para o meu primeiro dia de trabalho, eu tinha 19
anos, sim, eu estava atrasado para trabalhar. Mas onde? Não me lembro…”
Codinome:
ZERO
O
quarto girava, o despertador tocava insistentemente. Alguém grita de fora do
quarto: “Desliga essa porra! Eu quero dormir!” ZERO desliga o relógio, se põe
de lado na cama, se senta, a dúvida continuava: “O que eu precisava fazer
mesmo?”
ZERO
vê uma muda de roupa em cima de uma cadeira. Era seu primeiro dia de trabalho. Troca-se,
estava desnorteado com sua existência, alguma coisa estava faltando, não sabia
o que era. Olhava e reolhava, estava tudo lá, terno, gravata, sapatos novos…
Sim, estava tudo lá. Era realmente aquilo que ele queria? Aparentemente,
faltava alguma coisa…
Saiu
do quarto, foi ao banheiro, tudo silencioso. Ao sair, depois de escovar os
dentes, fazer aquela barba chata, novamente, o silêncio. Todos estavam
dormindo, mais ninguém na casa precisava levantar naquele horário. Era cedo,
mas estava atrasado, poderia não chegar a tempo no primeiro dia. Queria estar
lá, estava tão entusiasmado dia passado, queria tanto mostrar disposição… Não,
o sentimento mudara. Um vazio se faz presente agora. Sentia-se necessário em
outro lugar, em outro tempo, em outro espaço, não sabia por que, apenas sentia.
Não
tomou café da manhã, saiu correndo no impulso depois de olhar que horas eram.
Realmente, ele estava muito atrasado. O dia ainda não tinha clareado, era cedo,
o paradoxo persistia em sua cabeça, estava confuso. Pegava o trem que saía… não
lembrava mais o horário, pegaria o primeiro que viesse. O dia já amanhecia e os
primeiros raios de sol já coloriam o céu cinzento de São Paulo. Notou algo
estranho, não havia mais ninguém, nenhuma alma viva naquela plataforma. ZERO
lembrou-se do que seu pai dizia quando também ia para aquela estação de trem, de
que sempre havia muita gente, de que todos se apertavam só para chegar cedo.
Não havia ninguém ali. Achou estranho, mas decidiu não ligar, precisava ir para
o trabalho. Esperou, esperou, esperou. Nada. Decidido a encontrar alguém que
lhe dissesse que horas eram, desceu da plataforma. Olhou para um lado, foi mais
a frente. Nada. Decidiu voltar. Ao chegar lá, havia uma multidão de pessoas
esquisitas: “Nossa!” pensou consigo, “Estou no mesmo lugar?”. Verdadeiramente,
estavam lá seres diferentes e bizarros. ZERO não entendeu o que aconteceu
naquele momento… O trem chegou, não sabia o que fazer, entrava com todas
aquelas coisas ou deixava irem na frente? Estava atrasado, decidiu entrar,
ficaria quieto e nada aconteceria.
O
coração palpitava, estava com muito medo. De um lado um careca de um olho só,
mais alto que ele com um nariz aquilino mais pontudo que o normal ostentando
sua barbicha longa que deixava seu rosto pontudo mais pontudo ainda; do outro
uma espécie de lagartixa gigante, roxa, vestida de sobre tudo marrom cor de
terra, ereta como bípede, encostada na parede. Olhando para os bancos via
vovozinhas com cabeças quadradas e tiozinhos com rostos lisos e redondos, ambos
com peles translúcidas que permitiam ver o interior das cabeças. Tanto as
vovozinhas, quanto os tiozinhos tinham, respectivamente, cérebros quadrados e
redondos. Além desses, havia quatro seres baixinhos, vestidos de menininhas,
cabelos de menininhas, trejeitos de menininhas… com rostos desfigurados! Depois
do susto, notou que aquelas coisas mais pareciam retratos de Picasso, sim,
olhando bem, as cores, os ângulos, todos os rostos compunham obras modernistas
ou cubistas de Pablo Picasso. ZERO pensou na possibilidade de rir, mas engoliu
quando voltou a si, aquilo não era normal! Precisava gritar desesperadamente!
Também engoliu…
O
trem chegou à estação Luz. ZERO desceu sozinho, voltou-se para o trem enquanto
ele partia. Continuou pasmado, agora o que ele temia eram as pessoas acharem
que ele estava louco: “Que trem maluco era aquele?”. Olhou para baixo por um
instante, depois olhou para os lados, respirou fundo e começou a andar. Subiu
as escadas, saiu para a rua e foi andando até o escritório que ficava a uns dez
minutos dali, ou eram quinze? ZERO parou no meio da rua: “Onde estou?”, perguntou-se
ele. Os prédios estavam todos em ruínas, o céu ficado avermelhado e o sol, que
já estava suficientemente alto a esta altura, havia ficado negro, o que era
mais estranho ainda, pois se enxergava tudo como se o sol ainda fosse
brilhante, apesar de que agora ele não esquentava, na verdade, tudo estava
ficando frio, cada ver mais frio. ZERO não sabia mais o que fazer.
Definitivamente aquela não era a realidade dele… já tinha ouvido falar em dimensões
paralelas, em supostas viagens para outras dimensões, mas não acreditava no que
estava acontecendo. O mundo havia virado completamente de ponta cabeça. Foi
então que ele viu algo voando alto no ar. Algo semelhante a um pássaro
recortado que brilhava intensamente estava dando voltas no céu e fazia um barulho
ensurdecedor parecido com o da turbina de um avião gigantesco. A coisa começou
a descer próximo a Praça da Sé. ZERO saiu correndo, podia estar com medo, mas
queria saber o que era aquilo e, especialmente, saber o que era aquilo. Demorou
um pouco, a Sé fica razoavelmente distante da Luz, mas sem os prédios dava para
ir um pouco mais rápido.
Aquilo
era realmente muito assustador de tão gigantesco e incomum, ocupava um espaço
maior do que aquela praça e comia os destroços da catedral da Sé como se fossem
alimento. ZERO não sabia mais distinguir se estava com medo ou maravilhado com
aquela “ave do paraíso”, como ele a apelidou. Ouve-se então um barulho e logo
depois um terremoto, sucedido de outro barulho. O pássaro se assusta e sai
voando. Levantasse então um gigante azul, lembrando aquelas estátuas antigas de
Zeus, do onde aparentemente seria a famosa Avenida 23 de Maio, principal via
que liga o Ibirapuera ao Centro, cuja via recorta continuamente seus dois lados
como um rio profundo. Voltando ao gigante, este parecia estar sonolento, pois
se espreguiçava e bocejava. Era algo muito contrastante, um céu vermelho com
uma “montanha” azul: “Que artista pensaria em algo assim?”, ZERO não sabia mais
se estava pasmado ou maravilhado, as cores pareciam alegrá-lo agora. O gigante,
depois de permanecer parado por um bom tempo, pôs a se movimentar para o sul,
não podendo mais ser visto.
ZERO
sentou-se no chão e suspirou. Acabou deitando ali mesmo, vislumbrando o céu
vermelho. De repente, começou a ouvir barulho: “O que será desta vez?”, pensou.
Levantou-se rapidamente, eram barulhos diferentes, uns tic-tics, uns
flap-flaps, isso o lembrava alguma coisa, sem saber exatamente o que era. Andou
um pouco, ia em direção a Liberdade, os prédios daquela região estavam mais bem
conservados do que os da região anterior, provavelmente porque foram devorados
pelo “pássaro do paraíso”. ZERO correu, chegando até a Praça da Liberdade, o
barulho estava alto, devia estar perto. Começou a descer a Rua Galvão Bueno, chegando
à ponte que passa por cima da Radial Leste. Olhou em direção a 23 de Maio, não
viu nada. Uma brisa sombria soprou em suas costas, sentiu um frio na espinha,
um medo horripilante tomou conta de seu corpo, estava para se virar, quando…
— Desliga
a porra desse despertador moleque!
—
Ahm? O quê?
—
Você bebeu garoto? Levanta que é hora de você ir trabalhar!
— Que
oras são?
—
Como assim que oras são?! São cinco e meia da manhã… e não me vai perder o seu
segundo dia de trabalho, ouviu!
A
porta se fecha, um silêncio medonho se fez em toda a casa. Ao jovem ZERO,
restava a pergunta: “O que diabos aconteceu… ontem?!”
ZERO
não entendeu nada, era um sonho, realidade, ilusão… Um sentimento muito
esquisito o inquietava. Desta vez, estava tudo claro, sabia que horas eram, não
apenas por que se pai lhe dissera, realmente ele sabia. Estava atrasado,
trocou-se, escovou os dentes, fez a barba. Na cozinha, havia café quentinho na
máquina, tomou um pouco e pós o resto numa garrafa térmica pequena para levar
para o trabalho. Saiu sossegadamente, chegou à estação no horário para pegar o
primeiro trem, haviam muitas pessoas agora, pessoas de verdade. Já dentro do
trem, respirou aliviado. Tudo estava tão, tão… normal! ZERO estava rindo a toa.
Algumas pessoas conhecidas entre si ficavam cochichando: “deve estar louco” ou
“não bate bem da cabeça”. Ele ouvia, mas não se importava, estava seguro de si,
amava aquela paisagem natural da velha São Paulo que conhecia tão bem. Chegando
na estação da Luz, se lembrava para onde tinha que ir, quais esquinas virar,
parecia ter ido lá ontem! Estava feliz.
No
entanto, ao chegar à porta daquele lugar, sentiu um arrepio, uma sensação que
já sentira antes. ZERO ficou pálido. Ouviu então uma voz conhecida:
— E
aí cara? — Era Pedro, um conhecido de ZERO que estudou no ginásio com ele e que
havia lhe falado sobre a vaga naquele escritório. — Vai entrar ou vai ficar aí
olhando?
— Claro
que vou entrar! Não posso desperdiçar o café da minha mãe! — Os dois caíram na
risada.
ZERO
passou o dia pensando naquilo, se havia acontecido, se fora tragado para outro
lugar. O mais estranho é que ele se lembrava de ter estado naquele escritório,
de ter feito aquele caminho, de ter trabalhado perfeitamente e ido embora
calmamente ontem. Ambas as coisas estavam em seu pensamento, a ilusão e a
realidade, ou seria o contrário?
No
horário de almoço, Zero saiu do escritório e foi de metrô até a liberdade,
queria tentar ver o que não pode ver “ontem”. Nada. Estava tudo normal. Já que
estava por lá, resolveu comer sushi, era uma boa ideia, não era? Satisfeito de
“peixe cru”, como costuma chamar a comida japonesa, saiu do restaurante depois
de pagar. Estava um lindo dia!
Voltando
ao escritório, percebeu um pacote em sua mesa. Perguntou a Pedro o que era: — Não sei não, camarada, um cara passou aqui
depois que você saiu e deixou isso aí pra você. Tem um cartão esquisito aí…
Você não andou aproveitando que está aqui pelo centro e fez besteira ontem,
fez?
— Do
que você tá falando Pedro?
—
Olha aí pra você ver! — E virou se para a sua própria mesa.
ZERO
achou estranho, o que poderia ser aquilo? Olhou para o cartão e… ficou pálido!
No cartão dizia: “Eu sei o que você viu ontem”.
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