segunda-feira, 16 de abril de 2012

Drugs - Capítulo #1


Mundos Paralelos

“Era tarde… Eu não sabia por que era tarde, mas era tarde, estava atrasado. Precisava ir a algum lugar, em algum lugar, não me lembro de que lugar era. Acho que era para o meu primeiro dia de trabalho, eu tinha 19 anos, sim, eu estava atrasado para trabalhar. Mas onde? Não me lembro…”


Codinome: ZERO

            O quarto girava, o despertador tocava insistentemente. Alguém grita de fora do quarto: “Desliga essa porra! Eu quero dormir!” ZERO desliga o relógio, se põe de lado na cama, se senta, a dúvida continuava: “O que eu precisava fazer mesmo?”
            ZERO vê uma muda de roupa em cima de uma cadeira. Era seu primeiro dia de trabalho. Troca-se, estava desnorteado com sua existência, alguma coisa estava faltando, não sabia o que era. Olhava e reolhava, estava tudo lá, terno, gravata, sapatos novos… Sim, estava tudo lá. Era realmente aquilo que ele queria? Aparentemente, faltava alguma coisa…
            Saiu do quarto, foi ao banheiro, tudo silencioso. Ao sair, depois de escovar os dentes, fazer aquela barba chata, novamente, o silêncio. Todos estavam dormindo, mais ninguém na casa precisava levantar naquele horário. Era cedo, mas estava atrasado, poderia não chegar a tempo no primeiro dia. Queria estar lá, estava tão entusiasmado dia passado, queria tanto mostrar disposição… Não, o sentimento mudara. Um vazio se faz presente agora. Sentia-se necessário em outro lugar, em outro tempo, em outro espaço, não sabia por que, apenas sentia.
            Não tomou café da manhã, saiu correndo no impulso depois de olhar que horas eram. Realmente, ele estava muito atrasado. O dia ainda não tinha clareado, era cedo, o paradoxo persistia em sua cabeça, estava confuso. Pegava o trem que saía… não lembrava mais o horário, pegaria o primeiro que viesse. O dia já amanhecia e os primeiros raios de sol já coloriam o céu cinzento de São Paulo. Notou algo estranho, não havia mais ninguém, nenhuma alma viva naquela plataforma. ZERO lembrou-se do que seu pai dizia quando também ia para aquela estação de trem, de que sempre havia muita gente, de que todos se apertavam só para chegar cedo. Não havia ninguém ali. Achou estranho, mas decidiu não ligar, precisava ir para o trabalho. Esperou, esperou, esperou. Nada. Decidido a encontrar alguém que lhe dissesse que horas eram, desceu da plataforma. Olhou para um lado, foi mais a frente. Nada. Decidiu voltar. Ao chegar lá, havia uma multidão de pessoas esquisitas: “Nossa!” pensou consigo, “Estou no mesmo lugar?”. Verdadeiramente, estavam lá seres diferentes e bizarros. ZERO não entendeu o que aconteceu naquele momento… O trem chegou, não sabia o que fazer, entrava com todas aquelas coisas ou deixava irem na frente? Estava atrasado, decidiu entrar, ficaria quieto e nada aconteceria.
            O coração palpitava, estava com muito medo. De um lado um careca de um olho só, mais alto que ele com um nariz aquilino mais pontudo que o normal ostentando sua barbicha longa que deixava seu rosto pontudo mais pontudo ainda; do outro uma espécie de lagartixa gigante, roxa, vestida de sobre tudo marrom cor de terra, ereta como bípede, encostada na parede. Olhando para os bancos via vovozinhas com cabeças quadradas e tiozinhos com rostos lisos e redondos, ambos com peles translúcidas que permitiam ver o interior das cabeças. Tanto as vovozinhas, quanto os tiozinhos tinham, respectivamente, cérebros quadrados e redondos. Além desses, havia quatro seres baixinhos, vestidos de menininhas, cabelos de menininhas, trejeitos de menininhas… com rostos desfigurados! Depois do susto, notou que aquelas coisas mais pareciam retratos de Picasso, sim, olhando bem, as cores, os ângulos, todos os rostos compunham obras modernistas ou cubistas de Pablo Picasso. ZERO pensou na possibilidade de rir, mas engoliu quando voltou a si, aquilo não era normal! Precisava gritar desesperadamente! Também engoliu…
            O trem chegou à estação Luz. ZERO desceu sozinho, voltou-se para o trem enquanto ele partia. Continuou pasmado, agora o que ele temia eram as pessoas acharem que ele estava louco: “Que trem maluco era aquele?”. Olhou para baixo por um instante, depois olhou para os lados, respirou fundo e começou a andar. Subiu as escadas, saiu para a rua e foi andando até o escritório que ficava a uns dez minutos dali, ou eram quinze? ZERO parou no meio da rua: “Onde estou?”, perguntou-se ele. Os prédios estavam todos em ruínas, o céu ficado avermelhado e o sol, que já estava suficientemente alto a esta altura, havia ficado negro, o que era mais estranho ainda, pois se enxergava tudo como se o sol ainda fosse brilhante, apesar de que agora ele não esquentava, na verdade, tudo estava ficando frio, cada ver mais frio. ZERO não sabia mais o que fazer. Definitivamente aquela não era a realidade dele… já tinha ouvido falar em dimensões paralelas, em supostas viagens para outras dimensões, mas não acreditava no que estava acontecendo. O mundo havia virado completamente de ponta cabeça. Foi então que ele viu algo voando alto no ar. Algo semelhante a um pássaro recortado que brilhava intensamente estava dando voltas no céu e fazia um barulho ensurdecedor parecido com o da turbina de um avião gigantesco. A coisa começou a descer próximo a Praça da Sé. ZERO saiu correndo, podia estar com medo, mas queria saber o que era aquilo e, especialmente, saber o que era aquilo. Demorou um pouco, a Sé fica razoavelmente distante da Luz, mas sem os prédios dava para ir um pouco mais rápido.
            Aquilo era realmente muito assustador de tão gigantesco e incomum, ocupava um espaço maior do que aquela praça e comia os destroços da catedral da Sé como se fossem alimento. ZERO não sabia mais distinguir se estava com medo ou maravilhado com aquela “ave do paraíso”, como ele a apelidou. Ouve-se então um barulho e logo depois um terremoto, sucedido de outro barulho. O pássaro se assusta e sai voando. Levantasse então um gigante azul, lembrando aquelas estátuas antigas de Zeus, do onde aparentemente seria a famosa Avenida 23 de Maio, principal via que liga o Ibirapuera ao Centro, cuja via recorta continuamente seus dois lados como um rio profundo. Voltando ao gigante, este parecia estar sonolento, pois se espreguiçava e bocejava. Era algo muito contrastante, um céu vermelho com uma “montanha” azul: “Que artista pensaria em algo assim?”, ZERO não sabia mais se estava pasmado ou maravilhado, as cores pareciam alegrá-lo agora. O gigante, depois de permanecer parado por um bom tempo, pôs a se movimentar para o sul, não podendo mais ser visto.
            ZERO sentou-se no chão e suspirou. Acabou deitando ali mesmo, vislumbrando o céu vermelho. De repente, começou a ouvir barulho: “O que será desta vez?”, pensou. Levantou-se rapidamente, eram barulhos diferentes, uns tic-tics, uns flap-flaps, isso o lembrava alguma coisa, sem saber exatamente o que era. Andou um pouco, ia em direção a Liberdade, os prédios daquela região estavam mais bem conservados do que os da região anterior, provavelmente porque foram devorados pelo “pássaro do paraíso”. ZERO correu, chegando até a Praça da Liberdade, o barulho estava alto, devia estar perto. Começou a descer a Rua Galvão Bueno, chegando à ponte que passa por cima da Radial Leste. Olhou em direção a 23 de Maio, não viu nada. Uma brisa sombria soprou em suas costas, sentiu um frio na espinha, um medo horripilante tomou conta de seu corpo, estava para se virar, quando…
            — Desliga a porra desse despertador moleque!
            — Ahm? O quê?
            — Você bebeu garoto? Levanta que é hora de você ir trabalhar!
            — Que oras são?
            — Como assim que oras são?! São cinco e meia da manhã… e não me vai perder o seu segundo dia de trabalho, ouviu!
            A porta se fecha, um silêncio medonho se fez em toda a casa. Ao jovem ZERO, restava a pergunta: “O que diabos aconteceu… ontem?!”
            ZERO não entendeu nada, era um sonho, realidade, ilusão… Um sentimento muito esquisito o inquietava. Desta vez, estava tudo claro, sabia que horas eram, não apenas por que se pai lhe dissera, realmente ele sabia. Estava atrasado, trocou-se, escovou os dentes, fez a barba. Na cozinha, havia café quentinho na máquina, tomou um pouco e pós o resto numa garrafa térmica pequena para levar para o trabalho. Saiu sossegadamente, chegou à estação no horário para pegar o primeiro trem, haviam muitas pessoas agora, pessoas de verdade. Já dentro do trem, respirou aliviado. Tudo estava tão, tão… normal! ZERO estava rindo a toa. Algumas pessoas conhecidas entre si ficavam cochichando: “deve estar louco” ou “não bate bem da cabeça”. Ele ouvia, mas não se importava, estava seguro de si, amava aquela paisagem natural da velha São Paulo que conhecia tão bem. Chegando na estação da Luz, se lembrava para onde tinha que ir, quais esquinas virar, parecia ter ido lá ontem! Estava feliz.
            No entanto, ao chegar à porta daquele lugar, sentiu um arrepio, uma sensação que já sentira antes. ZERO ficou pálido. Ouviu então uma voz conhecida:
            — E aí cara? — Era Pedro, um conhecido de ZERO que estudou no ginásio com ele e que havia lhe falado sobre a vaga naquele escritório. — Vai entrar ou vai ficar aí olhando?
            — Claro que vou entrar! Não posso desperdiçar o café da minha mãe! — Os dois caíram na risada.
            ZERO passou o dia pensando naquilo, se havia acontecido, se fora tragado para outro lugar. O mais estranho é que ele se lembrava de ter estado naquele escritório, de ter feito aquele caminho, de ter trabalhado perfeitamente e ido embora calmamente ontem. Ambas as coisas estavam em seu pensamento, a ilusão e a realidade, ou seria o contrário?
            No horário de almoço, Zero saiu do escritório e foi de metrô até a liberdade, queria tentar ver o que não pode ver “ontem”. Nada. Estava tudo normal. Já que estava por lá, resolveu comer sushi, era uma boa ideia, não era? Satisfeito de “peixe cru”, como costuma chamar a comida japonesa, saiu do restaurante depois de pagar. Estava um lindo dia!
            Voltando ao escritório, percebeu um pacote em sua mesa. Perguntou a Pedro o que era: — Não sei não, camarada, um cara passou aqui depois que você saiu e deixou isso aí pra você. Tem um cartão esquisito aí… Você não andou aproveitando que está aqui pelo centro e fez besteira ontem, fez?
            — Do que você tá falando Pedro?
            — Olha aí pra você ver! — E virou se para a sua própria mesa.
            ZERO achou estranho, o que poderia ser aquilo? Olhou para o cartão e… ficou pálido! No cartão dizia: “Eu sei o que você viu ontem”.

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