Comedor de Sonhos
Kullat
estava morto, não havia como voltar atrás... Thagir nunca sentiu tamanha
angustia e tamanho desespero, coisas ruins e terríveis lhe passavam pela
cabeça. A Espada do Infinito reagiu ao desejo de seu mestre e uniu-se a ele,
penetrando em sua carne, corroendo o seu ser e sua alma. O Senhor de Castelo se
contorcia em dor, lamuriando palavras inaudíveis. O artefato místico não
deveria ser usado por seres simples como os humanos, seu poder é incalculável e
qualquer um seria corrompido pelas próprias emoções. Laryssa via incrédula a
transformação do amigo que perdia as feições humanas que borbulhavam e se
desfaziam no chão. Era luminoso, quente e se podia ver através dele, um ser de
energia pura estava nascendo. Definitivamente, aquilo não era mais Thagir...
Aquilo passara para um novo nível de consciência... Thagir era agora um deus!
Laryssa
parou de chorar pela perda que teve, seus sentimentos pareciam estar sendo
controlados, pois, aquilo que era dor e lamento, foi transformado em medo e
pavor. Sentia algo aterrador tomando sua alma, esmagando-a feito uma diminuta
formiga que é subitamente destroçada por algo imenso. A consciência dela havia
se apagado, desmaiando sobre o corpo de Kullat. O embate começaria: um deus contra
um comedor de sonhos!
A coisa que
se debatia para fora da fenda espacial começava a tomar forma e caiu próxima ao
novo deus. A sua frente ele surgia com feições diabólicas e humanas, tomado por
chamas escuras, três olhos vermelhos, chifres e garras afiadas:
–Finalmente!
Depois de milhões de bilhões de anos, assumi uma forma!!! – A criatura gritava,
a luz parecia se distorcer ao seu redor. – O Mestre Caçador nasce!!!
–Não esteja
certo disso! – O novo deus apontava a espada do infinito na direção do comedor
de sonhos. Ela simplesmente surgiu em seu braço, entrelaçando-se até mostrar o
duplo fio agudo.
–Hihihi...
– O riso dele dava alguns estalos. – Estou com fome! Muita fome!!!
–Volte para
o lugar de onde veio, criatura das trevas! – A voz divina era muito forte.
Os dois
começaram a se movimentar com grande velocidade, golpeando freneticamente onde
podiam. Os poderes eram opostos e se anulavam, onde o novo deus golpeava surgiam
fendas que lembravam a criação de um novo universo e o comedor de sonhos, que
devora o que existe, fazia sumir a matéria que tocava. O embate poderia durar
para sempre...
Micah, que viu
tudo de perto, correu com sua moto elétrica e chamou alguns Senhores de Castelo
para tirar os corpos de Laryssa e Kullat do local da batalha. “Eles não devem
ficar ali”, pensou ele. A Senhora de Castelo continuava desacordada.
Os Senhores
de Castelo, que sempre se preocuparam com a paz, assistiam de perto a batalha
titânica. Eles olhavam aquilo muito tristes, sentindo um grande pesar em seus
corações, chegando a derramar algumas lágrimas, pois era possível ouvir os seus
corações lhes dizendo que universos inteiros estavam sumindo no vazio e que, a
cada segundo que passava, um número incontável de mortes acontecia. Um criador
só pode criar e um destruído só pode destruir.
–Porque não
desiste?! Minha força é muito maior que a sua! – Disse a criatura.
–Desista
você de me fazer desistir! Nunca vou deixar de lutar! – Respondeu o ser divino.
–Tem
certeza? Tem certeza de que quer abrir mão daquilo que ama?! Você pode ressuscitar
o seu amigo Kullat!!! – O comedor de sonhos jogava sujo.
–...! –
Quando aquilo lhe passou pela mente, o novo deus hesitou por um simples segundo,
sendo o suficiente para ser golpeado pelas garras da inexistência no peito, que
o ferira profundamente.
–Agora você
é meu! Passei todo esse tempo com aquela minúscula brecha para o seu mundo
sorvendo conhecimento, aprendendo como vocês são, o que fazem e o que deixam de
fazer... Patéticos! Essa palavra que vocês criaram é perfeita para vocês.
Patéticos! Hahahahahahahahahaha.... – A entidade cósmica gargalhava sem tirar
os olhos famintos de sua presa.
–Pode ir
parando por aí mesmo!!! – Uma voz transmitida pelos alto-falantes da ilha de
Ev’ve, começava a se pronunciar.
–Quem ousa
me interromper! – A entidade cósmica se irritou. – Eu sou Ébano! Ser mais
antigo que o multiverso! Vi tudo o que foi criado, ninguém pode evitar a minha
vontade! Mostre se para que eu possa consumi-lo e fazê-lo deixar de existir!
–Olha, que
medo! – Seu ar era de zombaria. – Ele vai consumir a existência! Estou pouco me
lixando pro que você quer! Você nunca derrotará os Senhores de Castelo!
–É você
arauto?! Não aprendeste a lição?! Somente eu devo existir!
–Não,
desculpe, se esperava pelo arauto, esta foi a ligação errada. Aqui quem fala é
Fentáziz e estou prestes a conseguir a sua derrota!
–O que no
multiverso inteiro poderia me derrotar?! Mostre-me e eu a farei sumir definitivamente
junto com você!
–Lembra-se
da Sinfonia do Caos? Aquele cântico que Alvora e Lux usaram para desmanchar
Oririn?
– Hahahaha!
– Ele ria histericamente. – Aquilo é poderoso, mas não funciona comigo!
–Eu não
estava me referindo àquilo, seu idiota!
–E o que
seria então?
–A Canção Celestial!
–Você
sozinho nunca teria poder para invocar este poder ancestral que criou o
multiverso!
–E quem
disse que eu estou sozinho?!
–Como?!
–Não sou
apenas eu que invocará a Canção Celestial... Eu tenho o coro de anjos perfeito
ao meu alcance!
–Qual, seu
verme patético?! Mostre-me logo para que eu o devore! – Sua inquietação era
visível.
–Eu tenho o
multiverso! Todos vocês que estão nos escutando pelo Informe do Multiverso que
alcança as mais longínquas distancias que nenhum feixe de luz seria rápido o
bastante para chegar, ouçam meu pedido! Concentrem-se no Mestre Thagir, ele
precisa de vocês! Invoquem das profundezas do multiverso o seu mais sincero e
grandioso apelo em nome do ser que está se sacrificando para salvar nossa
existência! Façam o multiverso vibrar com o coro dos anjos! Invoquem a Canção
Celestial!!! – Fentáziz ligou o som no máximo. – Bota pra quebrar Azio!!!
E assim se
fez, todos os transmissores estavam vibrando e replicando a grande quantidade
de maru que era mandada por todas as sedes da Ordem dos Senhores de Castelo do
multiverso que chegavam à torre do farol e recebiam carga máxima extraída da
última fonte de energia da ilha, a chama de Nopporn. E não eram apenas Senhores
de Castelo ou aprendizes que se juntaram a grande força, populações inteiras
que também estavam ouvindo mandavam suas preces para o novo deus que recobrava
suas forças. E haviam mais, criaturas, monstros, plantas... Seres de todos os
tipos, cores, formas e tamanhos; elementais, naturais, espirituais ou
espaciais, todos suplicavam em nome de Thagir. Os reféns que estavam dentro das
Estrelas Escuras e os castelares que se libertaram junto com Fentáziz, também
escutavam e imploravam por sua volta. Dânima, que sentia como ninguém aquela
força ao lado de suas filhas, viu os Caçadores Sombrios derramando lágrimas e
se esforçando para romper com o controle do Mestre Caçador, juntando-se àquela
imensa oração.
–Vamos lá
minha gente! Derrotem todos juntos o comedor de sonhos! – O novo deus estava
repleto de poder e luz, muito mais do que antes.
–Não...
Não... Não!!! Vocês são insignificantes! Vocês não podem ir contra a minha
fome!
–Então
fique saciado de uma vez por todas! – O deus Thagir penetrou o fio duplo da
espada do infinito no peito da entidade que se torcera, abrindo um buraco maior.
– Agora compreendo o que eu preciso fazer!
Com a outra
mão, Thagir tirou do ferimento prestes a se fechar no peito o coração de
Thandur que carregava dentro de si e o pôs na abertura que fez com a espada do
infinito. O comedor de sonhos tentou devorar aquilo como tudo que fazia,
buscando dissolver aquela grande quantidade de maru, mas havia algo errado,
quanto mais ele tentava destruir aquela jóia, mais a energia dela se ampliava:
–O que é
isso?!!! O que você fez comigo?!!! – O comedor de sonhos estava contendo os
seus movimentos, ficando paralisado.
–Isso é
algo que você nunca conheceu... ISSO É AMOR!!!
Quase estática,
a criatura parecia ter uma indigestão com a jóia que pulsava como um coração
após ter absorvido tanta maru vital, se contorcendo vagarosamente. A criatura
começou a chorar, sentindo dentro de si sentimentos ternos e emoções do qual
não entedia, não era possível dissolver algo que é verdadeiro e sincero. Suas
chamas diminuíram, sua fome estava sendo saciada e seus olhos começaram a se
fechar. Por fim, não havia mais nada...
O deus
Thagir olhou para cima e viu o buraco espacial que continuava aberto, podendo
se ouvir lamentos lá dentro, apontou a espada do infinito para lá e voou na
direção da fenda. Juntou energia entre as mãos formando uma esfera que brilhava
mais que uma estrela, que reconstruiu o tecido espacial corrompido.
Provavelmente aquele não era o único comedor de sonhos...
Fentáziz
olhou pelos telões e não teve dúvida do que fazer:
–NÓS
VENCEMOS!!! NÓS VENCEMOS!!! – O sentimento era incontrolável.
O
multiverso era grande, mas naquele momento, ele era um só e estremeceu ao som
do grito dos que assistiam a épica batalha dos Senhores de Castelo.
...
Transmissão continua...