O Enforcado
“Eu não sei
por que, mas gosto de estar ao lado do meu irmão. Ele me trata muito bem, me
faz sorrir sempre. Mas sinto uma solidão imensa em seu sorriso. Uma escuridão
triste e medonha, que parece consumi-lo o tempo todo. Só queria que ele soubesse
o quanto eu me importo com ele...”, pensava Elians, olhando para o irmão que
ainda dormia depois de horas após a batalha contra Nina.
...
Ferus
acordou. Sentia sua cabeça doer muito. Ao lado dele estava Dimios, esperando
que ele acordasse:
– Precisamos
conversar...
– Que dor
de cabeça... Eu tinha me lembrado de algo, o que era...
– Não
desconverse. Temos grandes problemas neste planeta e precisamos resolver este
dilema...
– Ahn... –
Ferus olhava para Dimios, sério, com mau humor. Não estava bem para conversar.
– O que você quer?
– Essas
pessoas... Elas estão praticamente mortas. Nossa nave foi destruída...
– Vamos
subir até a cidade aérea... – respondeu secamente, sem noção do que estava
dizendo.
– Não
espero ir até lá. – Dimios queria propor outro caminho.
– Lá em
cima existem portas que ligam mundos: as portas do paraíso. É assim que os
altarianos atravessam suas grandes naves de um mundo para o outro. A passagem
pelos mares boreais é praticamente exclusiva dos Senhores de Castelo, salvo alguns
métodos obscuros ao nosso conhecimento...
– Ferus?
Você está me ouvindo? Seu cabelo está vermelho!
– ... – o
jovem castelar pendeu a cabeça para o lado e, caindo na cama pouco confortável,
voltou a dormir.
– ACORDE!
– Ahn! O
que foi? Já acordei, já acordei! – o armeiro estava visivelmente assustado.
– Como você
sabe sobre as portas do paraíso?
– Que
portas?
– As que
você falou agora! – Dimios já estava perdendo a paciência.
– O que foi
que eu falei? Eu não consigo me lembrar... – o jeito tímido e recluso de Ferus retornou
ao seu semblante, ele estava quase chorando de medo, se escondendo atrás do
fino e gasto lençol que o cobria.
– Seu
cabelo... Está azul de novo...
– ... –
Ferus não conseguia olhar nos olhos de Dimios.
– Você quer
me contar alguma coisa?
– Eu não
sei... Não sei por que ele fica assim. Eu prefiro quando ele está preto depois
da coloração de tinta. Mas ele volta a ficar assim, mesmo eu não querendo. –
Dimios passou a Garra de Sartel por cima da cabeça dele, sentindo as vibrações
de maru emanadas pelos fios coloridos.
– Você
reage a maru do ambiente...
– Como?
– A Garra
de Sartel retêm parte da maru do ambiente e eu sinto isso junto com ela. Este é
um planeta do quarto quadrante, a tecnologia e a magia usadas aqui são super
desenvolvidas. Senti isso desde o momento em que entramos nesta atmosfera
carregada.
–
Entendo... Na academia nunca ninguém me disse isso. – Ferus estava mais calmo.
– Eles não
ensinam tudo. Nem espere que façam isso por você em qualquer lugar, você que
deve aprender e estar preparado para tudo. – Ferus finalmente sorriu um pouco
ao lado de Dimios, se lembrando das lições da Academia.
– Agora que
você disse sobre as portas do paraíso, talvez precisemos encontrá-las.
– Tem outra
coisa que me incomoda...
– Você está
falando do ecossistema desse planeta, não está? Tem uma força mágica muito
forte que mantém tudo isso estável.
– Sim, é
isso. Como você sabe?
– Você não
é o único Senhor de Castelo no planeta!
– Hahaha,
verdade... Não sabia que você fazia piadas, senhor rabugento! – Ferus havia
finalmente se soltado por completo.
– Do que
está falando? Quem falava isso era...
– Pela sua
cara, foi o seu ex-parceiro que disse isso... – um momento de silêncio pairou
no ar. – Qual era o nome dele?
–
Cardial... Ele era um Senhor de Castelo lutador como eu... Antes dessa coisa...
– Dimios levantou a garra olhando para ela, como se não soubesse de que forma
ela foi parar ali. – As coisas nunca saem como esperamos, esteja preparado.
– ... –
Ferus ficou calado, estava olhando atentamente para a parede.
– Seu
cabelo?!
– Onde está
Dinha? A senhora que estava com Toshi e Esmal.
– Ela disse
que iria voltar pra casa e... – Ferus se levantou abruptamente.
– Eles
chegaram...
– Eles
quem?
– Os
açougueiros...
...
Naquele
planeta, nem todos estavam tão mal quanto às pessoas vistas até agora. Algumas,
sobreviventes das experiências da Irmandade Cósmica, desceram a zona de lixo e
comandam algumas facções com alguma centena de indivíduos. Várias partes dos
seus corpos foram alteradas, modificadas, adicionadas ou subtraídas e formavam
com alguma perfeição diabólica ao que se dava o nome de: açougueiro. Esses seres
deformados manipulam pessoas para que elas os sirvam. Eles abusam das drogas,
eles comem carne humana, eles torturam com prazer as suas vítimas – não há
nenhum resquício de sentimento humano neles, uma das grandes desgraças do
multiverso...
...
Dimios e
Ferus avisaram aos outros e todos saíram atrás de Dinha. Toshi, amigo de Esmal,
ofereceu a Ferus uma lâmina que ele mesmo havia afiado. O Senhor de Castelo fez
reverência em agradecimento. Agora o mercado negro ficava pra trás, junto com
as suits de sobrevivência e as máscaras de gás. Westem levava Vaik e Elians nas
costas, cada um deles segurado por uma mão.
Pilares,
com sua agilidade, verificou do ponto mais alto que encontrou o que via. Era uma
visualização difícil, porém, sua audição ajudava mais e lhe dizia que um bando
de alguma coisa muito barulhenta estava perto – pessoas gritando, coisas sendo
batidas, ruídos metálicos e outros estrondos irreconhecíveis.
No meio do
caminho, Ferus avistou Dinha, ajoelhada, aos prantos:
– Meu
filho! Mataram o meu filho! Meu filho! Meu filho!
O jovem
Senhor de Castelo reparou numa estrutura elevada que estava diante dele e,
olhando para cima, viu aquele homem que maltratara a própria mãe naquele
momento de desespero por drogas, enforcado, faltando-lhe a parte inferior do
corpo. Havia um rastro longo que ia do chão até lá em cima – ele fora
brutalmente arrastado. Ferus sentiu seu sangue ferver:
– Dimios! –
ele acabara de chegar junto a eles. – O que faremos?
O castelar
demorou um tempo para entender o que estava acontecendo e concluiu:
– Só
podemos sepultá-lo. É o que podemos fazer...
– Eles vão
me pagar por isso! – Ferus olhava para a neblina ao longe como se conseguisse
enxergar através dela.
– O que é
isso baixinho? – perguntou Westem, não entendendo o surto do jovem castelar.
– Eles
estão com Nerítico... E estão torturando ele! – essa última frase deixou os
Senhores de Castelo atônitos.
– Como você
sabe disso? Não consigo ver nada daqui! – Pilares estava preocupado.
– Não me
pergunte, eu apenas sei...
Dimios olhava para Ferus, seu
cabelo agora estava amarelo.
...
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