quarta-feira, 25 de abril de 2012

Devil's Drink - 3# Shot


“Nem tudo aquilo que queremos pode se tornar realidade...”



            Ele estava sendo arrastado até um quarto, onde foi jogado lá dentro com total desprezo pelo sequestrador:

            –Entre aí seu desgraçado! – Falou um dos sequestradores ao jogar ele na cela.

            –...! – Sua vontade era de falar poucas e boas para o sujeito, mas suas condições após os sucessivos espancamentos o deixaram muito debilitado.

            –Vamos falar com o chefe e deixar esse daí no escuro. – Disso o outro sequestrador.

            Passado algum tempo, ele começou a pensar em como aquela escuridão o lembrava de uma pequena história sobre os nekos como ele. Os nekos, homens-gato, eram seres muito desprezados pelos seres humanos, tratados com indiferença muitos ficam sempre no anonimato, sucumbindo à miséria como qualquer vira-lata. Existem pessoas que tratam bem os nekos, porém deve se ressaltar os que os detestam, que nesse caso, sequestraram este para conseguir informações sobre o segredo dos nekos, um tesouro misterioso que dizem ser muito precioso.

            Ele lembrou se também da sorte ou do azar que é ser neko, ser desprezado. No começo eles aparecem em uma pequena caixinha, não se sabe de onde. Eles estão lá dentro, esperando sair, sem nem saber se existem, apertando suas caldas para terem certeza de que estão vivos. A vida é tão cheia de dívidas. Alguns anseiam por sair de lá de dentro, inventando suas próprias histórias sobre os sons que ouvem do lado de fora. Outros sentem apenas amargura, não acreditando na possibilidade de uma existência fora da caixinha. A surpresa vem sempre na hora em que seus pequenos olhinhos veem pela primeira a luz e as cores do mundo exterior. Aqueles que têm a honra de presenciar tal momento costumam se maravilhar com o pequeno milagre e cuidar do neko, às vezes como bichinho de estimação, às vezes como parte de sua própria família.

Este neko, porém, teve uma vinda ao mundo de maneira diferente. Não se sabe exatamente como, sabe se apenas que a caixa abriu e que não havia ninguém lá. Ele viveu uma vida solitária, cresceu em meio ao desprezo e aos furtos para sobreviver com migalhas, tinha sorte em nunca ser pego. Quando já parecia um homem e seus poderes mágicos estavam plenos, disfarçou-se de humano e procurou viver como um. Conseguindo trabalhinhos em lugares também menosprezados, o neko se tornou amigo de algumas pessoas, conseguiu se estabelecer em um quartinho alugado. Vivia normalmente como humano. Até conseguiu comprar um computador e se conectar a internet! Ele fazia sucesso, sua visão de mundo era muito influente, apaixonante deva-se dizer. A maneira como tratava as pessoas por conhecer o desprezo gerava respeito nas pessoas. Bem, era o que se pensava.

            Existem pessoas muito ruins nesse mundo, as piores são aquelas que colocaram na cabeça que determinadas pessoas só merecem o pior. E assim se fez. O neko não sabia, mas, ao desprezar uma garota apaixonada por ele que o conhecera na internet, ela se revoltou e começou a criticá-lo anonimamente pele web. Chegou até a mandar hakear o computador dele para conseguir informações. Nesse meio tempo, o hacker, que trabalha com essas pessoas gananciosas que não se importam com a vida e que havia hackeado o PC do neko, descobriu a verdadeira identidade dele. O resto é história...

            Não foi difícil encurralá-lo e sequestrá-lo. Muitas vezes ele andava só à noite como nos tempos de sua juventude em que procurava algum abrigo. Agora, naquele lugar escuro, que lhe lembrava assustadoramente a sua antiga caixinha, ele se sentia mais sozinho do que nunca. Ele pensava: “Onde estão àquelas tantas pessoas que diziam ficar admiradas com ele”? Provavelmente nem notaram que seus perfis nas redes sociais foram deletados, que tudo que ele tinha construído na net com muito esforço e trabalho havia sido completamente apagado. Sentiu uma grande tristeza, um vazio que lhe penetrava os pensamentos, dissolvendo por entre seus dedos qualquer esperança que tivesse de ser encontrado. “Era a lei dos homens”, ele pensava, “desses malditos homens”!

            De repente, ouviu um alvoroço do lado de fora. “Provavelmente estão vindo me matar”, pensou ele. Porém, o barulho era diferente, eles estavam brigando com alguém. A porta se abriu e alguém foi jogado lá dentro. Um dos sequestradores falou:

            –Filho da puta miserável! Você ainda me paga pelo que você me fez! Depois eu te dou um trato com a minha navalha. – E fechou a porta.

            O neko não entendeu o que aconteceu, pensou em algo depois de ouvir os sequestradores do lado de fora:

            –Quem foi o idiota que trouxe esse miserável?

            –Foi ele Navalha!

            –Quem disse pra você trazer esse miserável, viu o que ele me fez?!

            –Eu posso explicar. Encontramos ele na casa do gato mirrado. Quando verificamos seus pertences ele tinha um pendrive que pode lhe interessar muito. Tem muito conteúdo o sobre o gato, mais do que encontramos no computador dele.

            –Veremos... – A conversa cessou.

            O neko olhou para o novo companheiro e perguntou:

            –Você está bem?

            –Dark, é você? – O neko se assustou, esse era o seu nickname nas redes sociais.

            –Você me conhece?

–Bem, nós nunca nos vimos... Engraçado, nunca pensei em te encontrar assim.

            –Qual é o seu nick? Não te reconheço de nenhuma conversa que tive.

            –Meu nick é En’hain, lembra-se?

            –O cara que é apaixonado por mim?

            –Tá tão na cara assim ANIKI?

            –É você mesmo! Alegrou-me em vê-lo num lugar como esse. Como vieste parar aqui? Ninguém soube que eu sumi!

            –Heh... Eu estava preocupado. Num momento você para de responder e pouco tempo depois os recados que você havia deixado no meu perfil haviam sumido. Eles eram muito importantes pra mim e sei muito bem que quando um recado perde o seu originador ele se torna anônimo e não some como aconteceu.

            –Sério?

            –Sério! Darkinho é muito importante pra mim, vim da minha cidade até aqui para saber de você. Como a cidade não é muito grande comecei pelas praças, procurando uma parecida como aquela em uma das suas fotos. Precisava ficar de costas?

            –Não gosto de fotos...

            –Aff... Bem do seu feitio. Assim fica difícil te encontrar, apesar de que me parece que não foi difícil para os brucutus lá de fora.

            –Eu não sei direito como isso aconteceu...

            –É porque ANIKI é neko de verdade, não é?

            –Como você sabe?

            –O que você escreve é muito lindo. Eu já conhecia a lenda dos nekos, chego a pensar que queria que fosse verdade. Foi conversando com você pelo messenger que reparei no seu cuidado especial com o que escrevia, como se você realmente fosse um neko. Dizem que os nekos são grandes poetas que nunca foram descobertos. Fuçando na sua casa que, aliás, estava com a porta escancarada, percebi algo escondido entre o chão e a mesa de centro...

            –A minha caixa!

            –Calma, eles não a encontraram, talvez quase o fizessem. Mas recoloquei a mesa no meio da confusão que fiz quando me pegaram.

            –Quer dizer que foi a minha caixa que me denunciou?

            –Foi. Ela é muito linda. Um requinte todo especial, bem adornada, apesar de simples. Sinto até arrepios. Eu realmente estou do lado de um neko!

            –Pena estarmos presos e no escuro. Já verifiquei o lugar, não tem janelas nem qualquer entradinha que seja.

            –Acho que eles já estão bem longe...

            –Por quê? O que foi... O que você tá fazendo?

            –Não dá pra pegar o celular com as mãos amarradas desse jeito. Essas porcarias plásticas de amarrar que não abrem mais estão me machucando.

            –Você disse celular? Onde está?

            –Tá aí atrás, se você puder colocar a mão... juro que isso pode nos tirar daqui.

            –... – O neko achou estranho, mas pensando bem ali era um bom lugar para esconder o celular para que ninguém o pegasse. – Peguei!

            –Desculpe pelo momento constrangedor...

            –Nyaaaa... Que é isso? Só tento no que posso!

            –É você mesmo! – En’hain ligava para a polícia. – Alô?

            –Em que posso estar ajudando?

            –Moça, eu fomos sequestrados, eu e meu amigo. Estamos no cativeiro, precisamos de ajuda, não sei quanto tempo os sequestradores vão ficar fora...

            –Por favor, fique na linha, a ajuda estará a caminho...

            Algum tempo depois, a porta se abriu:

            –Mas que porra é essa?!

            O sequestrador chamado Navalha viu En’hain com o celular na mão. Entrou de supetão, tirou o celular de En’hain e o tacou no chão. Pegou ele pelo braço e o levou para fora. Dark tentou impedi-lo, mas foi jogado contra a parede.

            Ao fundo ouviu-se a sirene dos carros policiais. Eles invadiram a casa enquanto os sequestradores fugiam. Dark tentou forçar a porta, tirou coragem não se sabe de onde e conseguiu abrir. Mais a frente, depois do corredor, encontrou En’hain no chão.

            –En’hain? En’hain? Me responda! – Dark sacudia o amigo incessantemente.

            –Dark... sua calda, eles não podem ver... – En’hain sorriu vagarosamente e tocou a face de Dark com todo carinho.

            –En’hain! Você está sangrando!

...

            No hospital, En’hain foi tratado e passava bem. Dark o visitava todos os dias que podia, apesar de não poder entrar, só eram permitidos familiares e até que um familiar chegasse da outra cidade para ver En’hain, ninguém poderia entrar na sala. En’hain pedia para os enfermeiros deixarem entrar, mas eram regras do hospital:

            –Malditas regras! – Disseram os dois, um no quarto junto com os outros doentes e outro na recepção do hospital.

            Dark não aguentou por muito tempo. Depois de uma semana sendo negada a entrada ele resolveu invadir assim mesmo. Assumiu sua forma de gato-animal e entrou sorrateiramente para dentro do hospital no meio da noite, quando os doentes são deixados pelos enfermeiros para dormir. Encontrando En’hain, voltou à forma humana:

            –En’hain, acorde, eu vim te ver. – Dizia sussurrando.

            –Sabia que viria... – En’hain segurou na mão de Dark ainda sonolento. – Escuta, tem algo que eu queria que você fizesse.

            –Sim, pode dizer.

            –Eu me hospedei num hotel e deixei algumas coisas lá, você poderia me trazê-las?

            –Claro! Agora mesmo eu trago!

            –Obrigado. –En’hain disse onde ficava o hotel.

            –Eu já volto, espere por mim! – En’hain voltou a dormir.

            Dark conhecia o lugar, já havia trabalhado lá. Não era assim muito bom, ou ele era estabanado demais, o que importava é que dava para pagar as contas. Sabia um bom atalho para chegar lá. Foi o mais depressa possível. Chegando lá, falou com a recepcionista, uma conhecida sua, que liberou a entrada dele no quarto. “Já estava previsto que você viria”, ela disse. Dark não entendeu, mas não ligou, estava afoito para voltar ao hospital. Na cama havia uma caixa: “Deve ser isso”, pensou. Com o pacote em mãos, voltou o quanto antes para o hospital.

            Chegando lá, se deparou com algo horrível, o hospital estava em chamas, todas as alas sendo carbonizadas. Quem estava na recepção se salvou da explosão. Dark estava chocado:

            –Não pode ser! En’hain, por quê?! – Dark ficaria olhando o hospital queimar se os bombeiros não tivessem afastado.

            Com muita dor no peito, Dark seguiu andando com aquele pacote que o amigo havia lhe pedido. Andou, andou, andou... Andou durante a noite toda. Quando já estava para amanhecer e novas cores despontavam no céu escuro, Dark chegou a um parquinho, ao mesmo parquinho em que havia tirado aquela foto que ajudou En’hain a encontrá-lo. Sentou-se no balanço e ficou olhando para o pacote. Resolveu abri-lo. Dentro haviam dois bonecos customizados como os avatares que Dark e En’hain usaram em uma rede social. Ele sorriu e encontrou também uma carta, endereçada a ele, que dizia:

            Caro Dark, sei que você gosta desse tipo de boneco e como não resisti em fazer um do seu avatar, fiz um do meu também. Foi muito interessante ser um dollmaker, pena não poder estar aí para ver a sua cara. Não sei como explicar o que aconteceu, só sei que “eles” queriam alguém morto, por um acaso era você e como eu entrei no meio, eles vieram atrás de mim. Me desculpe. Ichi lieb dich.

            Dark fechou a carta, colocou os bonecos novamente na caixa e voltou para casa. Lá, pegou sua caixinha, seu bem mais precioso, abriu e colocou os bonecos dentro. Pegou uma velha mochila, colocou sua caixinha dentro. Saiu de casa e nunca mais voltou.

OBS.: Este texto é uma homenagem a um grande amigo virtual que teve seu perfil hackeado e excluído, impossibilitanto qualquer contato meu com ele. Isso não reflete a realidade, é apenas devaneio meu.  Mas, tenho saudades das conversas com ele, meu ANIKI do kokoro, Walter S. Reis. Ich lieb dich - foi você que me ensinou isso...

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