terça-feira, 24 de abril de 2012

Drugs - Capítulo #7

Instância psíquica

Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.
Vós que entrais, deixais toda a esperança.

Inscrição das portas do inferno, segundo A Divina Comédia de Dante.

Missão 01: Capacitação

            Com todos reunidos no grande templo, sede da Drugs, uma pequena discussão começa:

— Quê?! De jeito nenhum eu participo de uma loucura dessas! — Disse ZERO.

— Que fique bem entendido, você escolhe o que faz, não obrigaremos você a fazer nada aqui. — Respondeu ROSE de volta.

— Ih, já vi tudo, o almofadinha aí vai amarelar desde o começo! — Falou SLASH.

— Calma pessoal! Podemos resolver isso de uma forma bem simples. — Interveio BREATH. — Esse plano é bem mais do que parece, você precisa ao menos tentar, pra saber se é capaz.

— Concordo. — ROSE retoma a palavra. — O caminho para o domínio completo de sua persona psíquica corre pelo mesmo caminho que no plano material…

— Agora que eu não entendi mais nada! — ZERO reclama ainda mais. — Que negócio é esse de persona… plano… tô mais perdido do que cego em tiroteio! Eu vou é dar o fora daqui!

            ZERO se levanta e sai andando para fora do templo. BREATH vai atrás, parando na praça:

— Por favor, espere! — BREATH segura ZERO pelo braço.

— Me solte, cara!

— Não até você me ouvir! Eu sei o que você viu aquele dia… — ZERO parou por um instante e olhou para BREATH.

— Quer saber? Não me interessa mais saber o que aconteceu aquele dia! — ZERO se soltou bruscamente e continuou andando, deixando BREATH desanimado.

— Esquenta não. — SLASH apareceu por trás de BREATH. — Não sou muito religioso, mas, uma vez Jesus havia dito algo parecido com essa situação, onde aquele que obedece prontamente a uma ordem, acaba deixando de fazer o que lhe foi pedido, no entanto, aquele que renuncia, é quem acaba por cumprir exatamente com o que se tinha pedido… Ele vai voltar, tenho certeza disso!

            BREATH olhou para SLASH, voltando em seguida a olhar na direção em que ZERO fora:

— Será?

— Claro! Porque não?

— Naquela direção fica o jardim de plantas carnívoras de Lady ROSE e ela ainda não as alimentou hoje…

— Chiii… Acho que a gente vai ter que ir atrás dele.

— Provavelmente não, Lady ROSE tem uma mente bem persuasiva, ele só sairá de lá se ela quiser.

— BREATH… não é?

— Sim, o que é?

— Será que dava pra explicar todos esses termos psi-sei-lá-o-quê, tá muito difícil de entender!

— Ah, verdade! Por causa do ZERO, Lady ROSE esqueceu se de dar o psiconomicron dos outros.

— Cara, sério, psi-o-quê?!

— Aquele livro que o bibliotecário Louva-deus te disse pra ir buscar…

— Como você sabe?!

— É só ler que você vai saber.

— Mas aquele livro só tem páginas em branco… Será que…

— Sim, é isso mesmo…


             Enquanto isso, ZERO andava distraidamente pelos jardins de Lady ROSE: “O que aquela mulher quer de mim é uma loucura”, pensou ele, “imagine, lutar contra o mal, como se eu, um simples trabalhador, fosse capaz de lutar contra o mascarado que assombra os noticiários.” De repente, ZERO ouve uma voz feminina vinda de algum lugar:

— Eu não teria tanta certeza.

— Quem está aí? É mais uma daquelas aberrações? — ZERO se assusta.

— Como ousa! — Uma rosa amarela emerge do chão, crescendo até ficar gigantesca. — Minha beleza é rara, melhor do que a das minhas primas vermelhas, meu perfume é mais mortal que o veneno do escorpião e meus espinhos podem destroçar sua carne como navalha!

            ZERO cai, sentando-se no chão, completamente impressionado com a monstruosidade delirante da flor amarela:

— Não vai dizer nada, rapaz?

— O… o qu… quê?

— Sou bela ou não sou?

            A bela planta parecia ser mais vaidosa do que maldosa, ZERO tentou dizer algumas palavras, mas antes que proferisse qualquer palavra, os dois foram interrompidos por outras flores menores, que também brotaram do chão. Eram dionéias e drosófilas, espécie de plantas carnívoras que nascem perto de pântanos:

— Mamãe. — Diziam todas. — Estamos com fome!

— Já vou amores, acho que acabei de encontrar o nosso prato preferido!

            ZERO gritou bem alto, tanto que todos os pássaros da região saíram voando. Então, rapidamente, ele se levantou e saiu correndo labirinto adentro do jardim. ZERO se sentiu tão acuado perante aquela flor que nem notara que se perdera em meio às curvas daquele lugar sinuoso. Quando se deu por si, não sabia se ia pra frente ou se ia pra trás. De um lado, poderia dar de encontro com a flor gigante novamente, por outro algo mais aterrador poderia devorá-lo ali mesmo. Sentia como se o chão estivesse se desmanchando… espere! Estava mesmo! ZERO gritava o quanto podia, mas ninguém lhe ouvia. Ele estava sendo tragado pelo chão e sumiu dentro da terra.


            De volta ao templo da Drugs:

— Explique-me de novo, por favor? — Perguntou BLACKOUT, enquanto tomava uma xícara de café. — O que significa tudo isso? Esse lugar aqui realmente existe?

— Bem, como posso dizer… — Respondia Lady ROSE que tomava chá. — Ele é e não é. Este é um mundo diferente do mundo material, que é regido pelas ainda pouco conhecidas leis da física, química e biologia. Uma dimensão diferente, se preferir. Basicamente estamos no lugar onde as ideias são criadas, mais conhecido pela psicanálise de Consciente Coletivo. Este lugar é ilimitado, toda criação neste mundo se constitui através das memórias das pessoas, daquilo que elas aprenderam em suas vidas. Por isso, se você sair andando por aí, pode dar de cara com aquelas memórias infelizes que as pessoas guardam bem fundo no “coração”.

— Claro! — Exclamou SLASH. — Por mais que o coração seja sensível aos sentimentos, a nossa memória fica guardada na mente. Estou certo?

— Nem tanto, meu bom rapaz. A verdade é que não existe apenas um corpo, mas vários corpos que compõem uma unidade chamada ser. Para se ter um exemplo, existem memórias que transcendem as encarnações e permanecem até que sejam resolvidas. O corpo etéreo é um grande estudo no espiritualismo, mas fiquemos apenas com o corpo pensante, que nos é mais importante agora do que os outros.

— Certo. Uma coisa, Lady ROSE, o que é esse tal de psi… psi-alguma-coisa, que eu consegui numa tal biblioteca misteriosa?

— Ah, sim, é verdade, os psiconomicron!

— Psi-o-quê? — Perguntou BLACKOUT.

— Me desculpem, todos esses termos devem ser muitos difíceis pra vocês, não é?

— Infelizmente… O Brasil não é muito favorável as classes mais desfavorecidas. — Respondeu SLASH. — Mas continue, por favor.

— Como eu ia dizendo. — Lady ROSE retoma a palavra. — Os psiconomicron são os livros que utilizamos para entender melhor o mundo a nossa volta e, por vezes, os utilizamos para desenvolver nossas habilidades psíquicas no plano das ideias. O termo deriva do latim, que quer dizer livro da psique, do intelecto, é como um manual pra construirmos uma mente sadia e forte.

— Bem, uma coisa eu não entendi… — Disse SLASH. Como esse negócio muda o que está escrito nele e sozinho! Ah, e não me venha dizer que é porque estamos num mundo sem p nem cabeça, pois eu já ele mudar fora daqui. Foi assim que eu encontrei o endereço do seu consultório no mundo real.

— Pois, então, eu não tenho a mínima ideia de como funciona os mecanismos desse livro.

— Concordo com Lady ROSE. — Disse BREATH. — Esse plano possui um núcleo central com vida própria, diga-se, a biblioteca onde você pegou o livro parece ficar neste lugar, que é completamente aleatório aos nosso pensamentos. Se você estiver dentro de sua mente, você é capaz de fazer o que bem entender, da forma que quiser, não há limites dentro nesse espaço. Da mesma forma, um tanto limitada até, você consegue criar fora de sua mente. No entanto, no núcleo, nada acontece, tudo fica inerte lá.

            BLACKOUT e SLASH se entreolham, viram se de volta para os outros:

— Como assim, dentro de sua própria mente? — Indagou SLASH.

— Realmente, o garoto tem razão, não estamos no consciente coletivo? — Completou BLACKOUT.

— É verdade, Lady ROSE. Você não disse a eles onde realmente estamos.

— Estamos em algum lugar? — Estranhou SLASH.

— Perdão, desculpem me, sou tão avoada que acabei ligando uma ideia na outra e segui enfrente se lembrar de completar a primeira ideia…

— Então, estamos ou não estamos em algum lugar? — Insistiu SLASH.

— Bem, o plano das ideias, o consciente coletivo, é formado por todas as mentes pensantes, e é ilimitado, porém, atravessar os limites das mentes que o compõe é extremamente fácil…

— A senhorita está se repetindo, Lady ROSE. — Interrompe BREATH.

— Ah, sim, é verdade. Continuando, dentro de cada uma das mentes é possível fazer de tudo com as memórias. Por exemplo, a praça lá fora, as plantas, as árvores, os animais e tudo que está a sua volta forma criadas pelos meus interesses e vivencias pessoais…

— Perdão, Lady ROSE. — Interrompe SLASH, desta vez. — Você quer dizer que estamos dentro da sua…

— Sim, tudo o que você estão vendo é fruto da minha mente, logo, vocês estão dentro dos meus pensamentos. O que acham?

            Novamente, SLASH e BLACKOUT se entreolham:

— Nós dois estamos dentro da… — Começou BLACKOUT.

— … cabeça de uma mulher! — Terminou SLASH.


            Voltando a ZERO, que se encontrava meio soterrado, descobriu que haviam túneis dentro do buraco que o engolira. “Aonde eu vim parar!” pensou consigo, “Como se não bastasse essa loucura toda ainda me encontro todo sujo de barro!”. ZERO estava muito indignado com aquela situação, não conseguia entender como alguém tão normal como ele poderia estar passando por uma situação daquelas.

            Andando por um caminho qualquer que tomara para sair do buraco, ZERO ouviu vozes de criança. De repente, o que parecia ser risada, se transformou em gritos e, em seguida, em choro. Zero sentiu um frio percorrer sua espinha, não tão aterrador quanto daquela vez na ponte Cidade de Ozaka, na Liberdade, contudo podia sentir que a tristeza e escuridão tomavam conta do lugar. Andando mais um pouco, ZERO se viu numa triste cena em preto e branco, onde uma pequena garotinha chorava sobre o corpo ensaguentado de um homem… ZERO tentou não assustar a criança, se afastando lentamente. Acidentalmente, ZERO derruba uma caixa de remédios, fazendo a criança parar de chorar e olhar para a caixa caída no chão com todos os remédios espalhados. Os remédios estavam estranhamente coloridos naquela cena em tons de cinza. ZERO tenta pedir desculpas por ter derrubado a caixa, mas sua voz não sai… ZERO começa a sentir sua garganta sendo sufocada, não havia nada lá! Ele olha novamente para a garotinha e percebe que alguém está sufocando-a. Num impulso para tentar salvá-la, ZERO tenta impedir o agressor, mas a cena começa a ficar distante, distante, distante… Tudo fica escuro e ZERO volta a cair. Ao abrir os olhos, estava caído em um lugar ensolarado, num campo florido, cheio de flores… amarelas!? Olhando ao redor, havia, no alto de uma colina, uma bela moça que estava colhendo flores. ZERO se sentiu mais calmo, no mínimo, aquilo era algo da qual ele entendia. Ele relaxou suavemente em cima da grama, recostando sua cabeça chão, se sentia tão leve que jurava estar flutuando. Na verdade, ele realmente estava flutuando e não percebeu que estava no ar e caminhando para um precipício muito profundo. A moça, vendo ZERO ir em direção ao precipício, colocou as mãos na terra e disse algumas palavras ao pé do ouvido da terra, literalmente, um ouvido feito de barro. Ao terminar de dizer alguma coisa em palavras ininteligíveis, grandes raízes brotaram da ponta do penhasco enrolando ZERO completamente e trazendo de volta a terra firme. ZERO estava a salvo, porém, a moça não conseguia acordá-lo, deveria estar muito exausto. Então, a moça pegou uma caixa de remédios e tirou de lá de dentro uma pílula vermelha e azul. Com um pouco de água de sua garrafa, ela fez ZERO engolir a pílula. ZERO ainda não acordava… no entanto, seu corpo começou a esquentar. ZERO acordou, sentia cheiro de queimado, seu corpo estava muito quente, achou que estivesse com febre. Quando abriu os olhos, viu todo aquele paraíso em chamas! Tudo ao redor estava em brasa e o chão borbulhava como lava. ZERO não mais sentia seu corpo como antes, agora ele estava fundido ao chão, se dissolvendo com o resto das rochas. ZERO volta a gritar, explodindo tudo como uma grande erupção. A lava escorre por quilômetros. ZERO tenta se acalmar, talvez ele pudesse controlar toda aquela transformação. Ele fecha os olhos, respira fundo e conta um, dois, três… Novamente, respira fundo e conta um, dois, três… e vai se acalmando aos poucos e seu corpo toma novamente a figura original. Então ZERO começa a sentir frio, muito frio, sentindo o ar que entrava pelos seus pulmões congelar e seus dentes começarem a bater. Ele abra os olhos, mais uma vez o cenário muda, desta vez ZERO estava num deserto de gelo, estava nevando e toda a terra estava recoberta pelo branco do gelo. Olhando para suas mãos, via o tom de pele escurecer e ficar azul. Tentou mexê-las, mas acabou trincando seus dedos que caíram na neve e, com o soprar de um vento frio, foram cobertos pela neve, sumindo completamente. Todo o seu corpo também começou a se enrijecer e a trincar. Com o resto de sua forças, gritou:

— Socorro! — Seu corpo se espatifou no chão.

            ZERO acordou. Estava no consultório de Lady ROSE, deitado em um divã, no mundo real… será? Olhou atentamente ao redor, a sensação era diferente de antes, ele sabia que oras eram. Sabia que tinha ido ao consultório de uma psicóloga para tentar descobrir o que significaria aquele suposto sonho; a pedido do chefe do escritório em que trabalhava. Sim, definitivamente sentia que estava no mundo real. Pegou suas coisas. Olhando para ver se não havia ninguém, reparou em uma caixa em cima da cadeira da psicóloga… era a mesma que recebera outro dia! Se lembrou do que havia passado em seus… sonhos? A caixa cheia de remédios, sim, era igual àquela que estava a sua frente. Esticou a mão para abri-la, recolheu-a assustado, mas voltou a esticá-la para ver o que havia dentro. Dentro havia apenas um cartão, que dizia: “Próxima consulta: amanhã, no mesmo horário”. ZERO fechou a caixa e saiu.

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