quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 28


Orgulho e Preconceito

 

            Separados, eles caminharam por lados diferentes. O acampamento foi desfeito aos poucos, enquanto Dimios e Ferus observavam o trabalho ‘leve’ dos subordinados do açougueiro Monaro. O jovem castelar tentou puxar uma das estacas que ainda permaneciam no chão como uma demonstração de força, exibindo-se para o parceiro. O ato falhou inevitavelmente, constrangendo-o. Um dos serviçais se aproximou e sem o menor esforço arrancou a estaca, derrubando Ferus. Dimios pouco ligou para aquilo:
            – Vamos? – e partiram.
            Ferus recebeu um par de botas que estava sobrando, elas eram grandes demais para os seus pés, mas poderiam ser bem amarradas para ficarem fixas, ou quase isso. Pelo menos ele poderia caminhar em meio à zona de lixo sem se preocupar com machucados. A sensação de usar um calçado depois de tanto tempo descalço era estranha, como se você passasse abruptamente do selvagem para o refinado. Bobagens aparentes que passaram pela mente dele naquele momento.
            Vaik e Elians estavam sendo carregados pelos serviçais enquanto dormiam. Eles não poderiam ficar com os castelares e aproveitaram a carona para descansar. O irmão menor, com pouco sono, observava o irmão mais velho com os olhos apertados, sorrindo para ele. Vaik, como se visse o irmão mesmo de olhos fechados, sorriu de volta. Elians logo adormeceu.

...
            Dimios, desconfiado, permanecia com um olhar de suspeita sobre Monaro. Ele sabia que não podia confiar nele, o próprio açougueiro lhe dissera isso. Porém, havia mais, era uma outra preocupação. Por mais que ele soubesse ficar sério e se concentrar nos objetivos, algo o estava insistentemente preocupando-o. Ferus, com ares infantis por causa da alegria de estar usando as botas novas, perguntou ao parceiro o que havia com ele:
            – Nada... São meus instintos que estão inquietos. O perigo está próximo de mim e não consigo me controlar. – respondeu Dimios.
            – Nossa! Desse jeito seu cérebro vai virar fumaça! – Ferus sorriu gentilmente.
            – Me diga uma coisa, Ferus. Você não achou estranho quando viu Monaro?
            – Hun... Acho que não, ele me parece normal. Por quê?
            – A impressão de que não posso confiar nele está latejando na minha cabeça... Ele é um monstro! Um canibal! Um ser perigoso que pode nos matar a qualquer momento!
            – Não acho isso. Daqui posso ver perfeitamente a tatuagem fantasma dele. Ele escolheu um escudo com um círculo, símbolo dos defensores da paz.
            – E o que significa isso?
            – Ah... Achei que soubesse. O escudo com um círculo é um símbolo antigo, dos primeiros séculos da Ordem dos Senhores de Castelo. Quando a Ordem fundou uma subsede em um planeta pacífico, um dos moradores ficou tão horrorizado com algumas das histórias contadas pelos castelares que decidiu ele mesmo provar que poderia levar uma vida de missões em plenitude com o multiverso, sem nunca usar de violência. Seu lema era: “Heróis não matam”. Ele figura entre os mais destemidos Senhores de Castelo... – Ferus ficou com uma expressão de dúvida e interrompeu o que estava falando.
            – E qual era o nome dele? – perguntou Dimios, ainda sem saber sobre o assunto.
            – Ninguém sabe...
            – Por quê? Ele não era um dos grandes castelares de sua época?
            – É que poucos sabem sobre o seu fim... Aparentemente esse castelar se corrompeu em uma das missões e foi expulso da Ordem, como sendo alguém amaldiçoado e incapaz de pregar a paz... – Ferus tentou se lembrar de mais alguma coisa. – Reza a lenda que ele ainda está vivo e persegue Senhores de Castelo justo no momento em que eles precisam tomar uma decisão extremamente difícil que pode salvar o multiverso, mas que também pode macular a Ordem...
            Dimios parou de andar por um segundo, lembrando da difícil decisão que precisava tomar.
            – Heh... É só uma lenda que contam na academia quando os guerrins se juntam para acampar durante a noite, a luz de uma fogueira.
            – Sim, deve ser...
            – Hei! – gritou Monaro chamando-lhes a atenção. – Venha para cá! Não fiquem muito atrás!
            – Certo! – respondeu Dimios. Curioso, ele perguntou a Ferus sobre o significado de sua tatuagem.
            – Eu preferi a musashi... – respondeu o jovem castelar. –  Ela simboliza a Ordem dos Senhores de Castelo, ela é tudo pra mim, já que não tenho família...
            – Você também? – Ferus estava com cara de surpreso, tinha algo em comum com o senhor concentração. – No meu caso, eu previ que meus pais iriam morrer...
            – ... – Ferus ficou em silêncio, sentindo por si mesmo o que deveria ser aquilo.
            – Quando eu tinha cinco anos, uma grande fera invadiu a nossa pequena casa e atacou os meus pais. Eu vi a morte diante mim... Um dos vizinhos era lutador de artes marciais e derrotou sozinho aquela grande besta. Só com os punhos! Não tive dúvidas, eu precisava ser um lutador também e proteger os que estavam próximos de mim. Esse foi um passo que inevitavelmente me tornaria um Senhor de Castelo...
            – Por isso o símbolo de punho fechado da sua tatuagem... Que bom saber! – Ferus sorriu, sabia que aquele era um momento em que os dois estavam finalmente se tornando parceiros.

...

            A caminhada foi longa. O acampamento andou por vários dias e finalmente chegaram a um povoado, ou o que restava dele. Diferente das construções urbanas da Irmandade Cósmica, aquele lugar parecia mais uma pequena vila do interior. O prolongamento das ruas de terra batida era grande, algo em torno de alguns quilômetros e, para alegria de Dimios e Ferus, havia várias pessoas ali. Sua aparência era saudável e receberam o açougueiro de braços abertos. Na mesma noite, fizeram uma festa e comemoraram. Todos cantavam: “A terra está seca; Os mares estão secos; mas os nossos corações estão alegres! Alegremo-nos nela, que nos provê o que precisamos! Viva a árvore de mil olhos!”
            O jovem castelar se divertia, dançando junto com aquelas pessoas. Não havia sucos coloridos, nem carnes sendo assadas, de churrascos preparados com mordomias, mas se comia e bebia aos montes, fartando-se de frutas de poupas secas colhidas no pé e água vinda de um riacho que descia o alto da montanha próxima ao povoado.
            A música parou, subitamente, ao mesmo tempo em que todos ficaram entorpecidos, cessando seus movimentos completamente. Ferus, que observava a paralisação atentamente, sentia um vento muito frio soprar e lhe causar cala-frios. Foi correndo avisar Dimios, que cuidava do sono das crianças. A porta estava trancada e o jovem castelar batia nela desesperadamente:
            – Dimios! Abre a porta! Dimios! Tem algo errado aqui! Dimios! – por um longo tempo, não houve resposta. – Dimios!!!
            – Nossa, que sono... O que está acontecendo aqui? – a porta foi batida uma última vez.
            Dimios abriu a porta e se deparou com uma enorme aranha peluda com cabeça de mulher. Seus olhos eram negros como os de Monaro e em sua boca Ferus estava preso em uma rede de teia:
            – Dimios! Socorro! – a aranha se virou e correu com suas ágeis oito patas rumo à montanha escondida nas nuvens.
            Dimios sentia o seu corpo ser tomado por um torpor que lhe roubava as forças, sentindo uma tremenda sonolência. A mulher-aranha partiu sem demora, ignorando a presença do Senhor de Castelo. Ele a viu uma última vez e caiu no sono.
 
 
...

            – Dimios, acorde!
            – Ahn? O que está acontecendo? – ele sentia uma forte ressaca. – Que dor!
            – Acorde logo homem! A Árvore de Mil Olhos vai matar Ferus! – o ziniano despertou no susto.
            – Vaik? Você está melhor? – sua cabeça latejava muito, mas tinha consciência do que havia acontecido.
            – Vamos logo!
            – Vocês vão ficar...
            – Mas...
            – Escondam-se...
            E partiu sem demoras, trancando a porta.
            – O que vamos fazer irmãozão? – perguntou Elians.
            – Vamos ter que ir com ele...
            Na penumbra da pequena casa, um rosto medonho na parede olhava para as crianças, evidenciando sua ânsia de fome...
...

 

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