segunda-feira, 7 de maio de 2012

Devil's Drink - 12# Shot

            “Meu mundo caiu...”, não havia mais nada no que pensar. A desgraça se abateu de vez sobre a pobre vida de En’hain. A cena havia ficado marcada para sempre em sua memória, aquele fogo que ardia e queimava, não podia ser apagado. As salamandras ficaram furiosas com o roubo de sua jóia tão preciosa, a lágrima do sol. Normalmente elas podem até ser temperamentais e soltar fagulhas de raiva, mas sem a jóia elas mostrariam ao mundo sua verdadeira face, uma face cheia de queimaduras profundas e sentimentos amargurados. Ninguém odeia mais os seres humanos do que os filhos do sol. Há tempos eles têm aturado os seres humanos, ignorantes e cegos, utilizarem suas energias para a desgraça, para atos de torturas indescritíveis, para os atos mais selvagens que se possa imaginar. Eles queriam um basta. Inevitavelmente, o primeiro alvo que os seres do plano transversal poderiam encontrar no plano físico era a pequena vila dos gatos. A magia antiga que protege a vila, a parede de silêncio, era algo que impediria a saída deles pelo poço profundo. O jeito era apelar para o guardião que nunca está presente...
            Para chamar sua atenção, as salamandras fizeram o que tinham que fazer, o que sabem fazer de melhor, queimar. Elas não precisaram mais do que seus milhões de milhares de pequenos soldados, as fagulhas. Aquilo era mais que o suficiente para chamar a atenção de um Gunshin, título dado aos seres capazes de destroçar exércitos sozinhos, pois aquilo que eles atingiram era o seu bem mais precioso. Porém, chamaram a atenção do draconiano errado. Infelizmente, o Bar Toca dos Gatos não era o bastante para chamar a atenção dele, ele tinha lugares maiores e mais importantes para cuidar em outro planeta. Mas aquilo o era para En’hain, era tudo que ele tinha, um lugar onde finalmente havia encontrado a paz para consigo mesmo, um lugar onde nada importava. Ter uma vida miserável muda muito a maneira de pensar das pessoas, deixa os sentimentos a flor da pele, você passa a considerar coisas que, se já estivessem lá, você não daria valor, ao menos não tanto valor quando não as tem. A Toca dos Gatos estava em chamas, se desfazendo em carvão e fumaça, com todo mundo lá dentro. Nada poderia evitar aquela desgraça senão os reis das salamandras ou o Gunshin, que possui poderes misteriosos e capazes de superar a influencia dos reis elementais sobre seus soldados. Nada mais...
            En’hain se perguntava:
            –Por quê? Porque você nunca está aqui? Porque ao invés de proteger aquilo que mais amo e preciso, você está pensando em mim sem nunca estar presente?
            Aquilo era demais para o pobre coração de En’hain, tão desgraçado por sua existência sem sentido, sem futuro, sem perspectiva. “Quando você finalmente tem coragem para ter alguma esperança, nesse momento as maiores desgraças vão se abater sobre você e arrancá-las com crueldade e requintes demoníacos.”, era tudo que ele conseguia pensar.
            –Eu sabia, desde o começo eu sabia, isso sempre acontece, sempre acontece. Uma hora vamos perder tudo, não é? A pessoa que amamos irá morrer, não é? Então pra quê tudo isso, se todos os sonhos são feitos para serem despedaçados? Sou eternamente amaldiçoado e mal dito no céu e na terra por ser a desgraça que sou... Porque insistem em me manter vivo, pensando, odiando, sentindo esse sabor amargo sem nem ter noção do que realmente é o amor?
            Lágrimas desciam freneticamente de seus olhos, lágrimas de verdade, ele não conseguia se conter. Seus sentimentos que tanto controlam seus poderes entraram em colapso. Seus corpos etéreo e físico estavam distorcidos. O que estava dentro queria vir pra fora, o que estava fora queria ir para dentro, o choque causava interrupções no processo. Suas escamas que tanto rasgavam sua carne agora estavam fluídas e quentes, sua pele necrosava ao mesmo tempo em que o metal líquido era vertido pelos poros. Suas veias também ficaram repletas dos líquido fumegante. Qualquer um sentiria imensa dor se isso lhe fosse incutido, no entanto, En’hain permanecia estático, não havia como outra dor no mundo superar aquela que ele sentia, o sentido de perda, de que o mundo havia caído em definitivo. Ele sentiu-se tonto, perdeu o equilíbrio e caiu para trás, tornando-se uma grande poça de metal líquido. Não conseguia se mover, perdera todo o controle sobre o corpo. Tentou respirar, estava hiperventilando, e parou, ficou estático novamente. Todas as sensações haviam cessado, seu pulso estava inerte, sua vida não mais habitava aquele corpo. De resto, seus órgão internos ficaram boiando no meio da poça de metal líquido...
            –En’hain acorda!!! – Gritou Gurei sacudindo o barman.
            –Nyaaa! Acorda! – Disse Akai preocupado.
            –Ahn? O quê? – Fez En’hain acordando.
            –Cara, você teve outro pesadelo daqueles!
            –Nyaaa! Cê tá bem? – Akai olhava com seus olhinhos preocupados.
            –Acho que estou bem sim... – Disse passando a mão na cabeça.
            –O que foi que aconteceu dessa vez? – Perguntou Gurei.
            –Cheguem mais perto... – Os dois se aproximaram para ouvir e foram fortemente abraçados. – Eu não quero perder vocês...
            –Mas que porra é essa? – Disse Gurei estranhando toda aquela afeição. – Você bebeu foi?
            –Nyaaa?! – Fez Akai.
            –CALA A BOCA GUREI! Agora nada mais importa, vocês estão aqui, só isso que importa. – En’hain derramou suas lágrimas de metal, tudo parecia estar normal, era apenas mais um sonho...
            –Café da manhã! – Disse Lady Neko entrando no quarto, trazendo uma bandeja grande cheia de docinhos, pãezinhos e café para todo mundo.
            –Oba, o rango chegou! – Se alegrou Gurei.
            –E você En’hain, melhorou? Você passou a noite gemendo de dor e com febre, assustou todo mundo.
            –Estou bem sim, Lady Neko, obrigado.
            –Esse é meu! – Disse Gurei pegando o pãozinho de Akai.
            –Nyaaa! Eu quero! – Akai ficou tristonho.
            –Gurei, devolva já o pãozinho do menino! – Disse Lady Neko, dando uma de mãezona.
            –Tá bom, toma...
            En’hain sorriu, ele não queria contar, a perda de tudo, bem na sua frente, era aterrador demais para pensar. Ele bloqueou voluntariamente aquilo e fingiu não se lembrar. Mas ainda assim ficava a questão: “Quando você encontra algo que procura, algo que procura de verdade, será que o universo vai conspirar para que você permaneça para sempre com aquilo ou será que é sempre inevitável perder algo como aquilo que En’hain tinha finalmente encontrado?”. Ele não sabia, era melhor não pensar naquilo...

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