A Autoridade
– O que
você quer de nós, jovem incauto que vem de outra terra?! – Começou o pai de
Darla com raiva, um homem de aparência decaída que não era nem a sombra do que
já fora um dia, falando através da telepatia da filha. Mesmo que quisesse, ele não
poderia falar de outro jeito, sua mandíbula fora arrancada por uma das grandes
máquinas da Irmandade. No meio da luminosidade fraca, a imagem de sua face com
a língua pendente era consternadora. – Se vamos morrer, deixe nos ter o nosso
destino!
...
Nerítico
encontrara na vila o líder que comanda e incentivava as pessoas, as míseras
vinte pessoas que vivem ali, presas do mundo exterior. Suas condições eram
deploráveis, muitos estavam com feridas ainda abertas, partes do corpo
mutiladas ou amputadas. Outros tinham grandes caroços por todo o corpo, a pele
estava ressecada, queimada, enrugada ou escamosa. Os gemidos eram constantes,
juntamente com as lamurias tristes e depressivas de suas reclamações. O Senhor
de Castelo tentava imaginar o que fazer para convencer aquelas pessoas, a
missão era para tirá-los do planeta... Mas, como tirá-los de uma armadilha tão
poderosa quanto a chuva ácida? O tempo corria e o castelar precisava resolver a
incógnita que poderia não apenas dar a eles a chance de ver um céu azul, como
também a ele mesmo.
O
ultraquímico ficou olhando para toda a caverna escavada em que estava,
analisava os componentes dos minerais que as compunha e o barulho de chuva só
aumentava. Olhando no fundo, Nerítico percebeu que o fluxo de líquido do buraco
havia aumentado e, sentindo seu nariz queimar, constatou que o produto químico
das nuvens passava por ali. “Preciso analisar aquilo o quanto antes”, pensou
ele voltando para a casa onde todos estavam reunidos:
– Karvak! –
gritou procurando pelo homem que enfrentou na entrada da vila, devido a
urgência.
– Tsc... –
fez o sujeito mascarado sentado no chão que olhou com desprezo para ele, por
causa do vexame na frente dos amigos.
– Darla,
por favor, o tempo urge. Ajude-me a convencê-lo a vir comigo, sim?
– Certo...
Karvak... Irmão... – Nerítico ficou sobressaltado com a última palavra. –
Precisamos sair daqui, a chuva vai ruir com o teto a qualquer momento.
– Que nada! Esse teto vai
aguentar por muito tempo ainda!
– Eu sei que ele vai ruir. Você
sabe disso! Os elementais me disseram...
– De novo essa história de
elementais? Eles não existem! – Nerítico não tinha tempo pra isso, precisava de
alguém que acreditasse nele e se lembrou de algo.
– Darla, esqueça-o. Onde estão os
outros dois que estavam com ele? Preciso das correntes deles.
– Sim... Eles estão ali. Jun!
Nio! – esses eram seus nomes. – Me ajudem a salvar todo mundo!
Os dois, que estavam com medo do
ultraquímico, jogaram suas correntes sem falar absolutamente nada. Nerítico
pegou o seu cortador laser e tirou as maças com espinhos que tinha nas pontas
das correntes e, com um soldador sônico, juntou as duas em uma só. Os donos
daquelas armas reclamaram do que o desconhecido fez, mas nem foram ouvidos. O
castelar saiu correndo para o fosso, onde amarrou a corrente e pode começar a
descer pelo buraco. O cheiro começava a ficar forte, ele desceu mais um pouco e
ativou o identificador digital. As leituras eram absurdas, a maior quantidade
era de ácido sulfúrico, seguido por ácido clorídrico, perclórico e nítrico
(níveis altos de acidez); além de uma substância desconhecida que suprimia
maiores transformações dentro da solução. Os gases estavam se intensificando e
derretendo gradativamente as correntes. O ultraquímico correu para cima antes
que fossem feitos maiores estragos e a corrente se rompeu... Por sorte Karvak o
segurou antes que caísse no fosso de ácido:
– Obrigado... Essa foi por
pouco... – o Senhor de Castelo agradeceu o salvamento.
– Você deve ser louco pra ir num
lugar desses em plena chuva ácida! – aparentemente Karvak respeita os loucos. –
Como é que você não derreteu?
– Minha roupa é feita para
aguentar diversos contratempos, principalmente com produtos químicos, pois sou
um ultraquímico. Eu sei bem o que tem lá embaixo e quanto tempo eu poderia
ficar... Só não esperava que a corrente se desfizesse tão rapidamente com
apenas alguns vapores...
– Do que você está falando? –
Karvak também não entedia a linguagem do estranho, por causa das dúvidas de
Darla que transmitia os pensamentos através de sua telepatia para que houvesse
alguma comunicação.
– ... – Nerítico estava absorto
em pensamentos. A maneira mais fácil de anular a grande acidez seria com uma
grande quantidade de bases, o que não estava disponível nos minerais da
caverna. Mesmo porque a reação não seria o suficiente para anular uma chuva
inteira rapidamente. Se ele tivesse previsto o que aconteceria, provavelmente
lançaria alguns foguetes cheios de metais alcalinos com bombas causticas, de
cal hidratada ou de soda caustica. Porém, isso era inviável no momento.
A melhor maneira de sair dali era
tentar conseguir utilizar o que tinham no momento – o próprio ácido. Só faltava
descobrir como direcioná-lo para o lugar certo, com algo que não reagisse
imediatamente à acidez ou então que reagisse e produzisse algum efeito
controlado. Nerítico pensou e pensou, lembrou de tudo que aprendeu, se
lembrando de calcular as possibilidades e concluiu algo:
– Karvak, me dê seu bastão.
– Pra quê você o quer?
– Não discuta comigo! Apenas me
dê, a estrutura vai ruir em alguns minutos!
– Ok, esquentadinho... – Karvak
bufou dentro da máscara e deu o seu grande porrete metálico ao castelar, muito
a contra gosto.
– Obrigado... – apesar de pesado,
Nerítico conseguia carregar o enorme pedaço de metal.
O Senhor de Castelo tentava se
lembrar onde era o lugar perfeito para usá-lo e ficou andando pelas bases que
desciam pelo fosso, observando atentamente à formação rochosa. Uma gota vinda
do teto caiu à frente do castelar e ele parou um instante:
– É aqui! – Nerítico virou-se
para os outros dois. – Saiam daqui, voltem para o grande salão!
Darla puxou o irmão pelo braço e
eles entraram, esperando saber o que poderia acontecer com eles. Os irmãos
sentiam a temperatura dentro da vila subterrânea aumentar, ficando quase
insuportável. De repente, um grande barulho estremeceu todo o lugar. Os velhos
ficaram alegres, queriam morrer e logo acreditaram que o teto havia desabado.
Darla estava aflita e apertava a mão do irmão angustiada.
O tempo passou, eles não saíram
do lugar em que estavam. A pouca luz vinda de uma lâmpada de óleo gastava ainda
mais o oxigênio do lugar e foi apagada. Sentindo-se asfixiado, Karvak abriu
caminho com os fortes braços e saiu para ver o que acontecera. Darla foi atrás
dele quando ele demorou a voltar. A moça ficou maravilhada com o que viu.
Diante dela estava uma grande árvore de cristal que se erguia do fundo do fosso
e alcançava o teto ruído, permitindo que alguma luz atravessasse a escuridão da
caverna. Ela procurou por seu salvador e encontrou uma grande bolha azul com o
Senhor de Castelo dentro. Darla tocou a substância plástica e notou que ela era
grossa e espessa – resistente o suficiente para aguentar o que quer que tenha
acontecido. Nerítico estava atordoado e se levantou aos poucos, um pouco preso
lá dentro. Ele usou o separador sônico para desfazer a bolha e se libertou. Os
dois, curiosos para saber o que havia acontecido, perguntaram ao ultraquímico
que respondeu com uma saraivada de respostas:
– Tudo é muito simples. Sabendo
que não havia ácido fluorídrico que reage com o vidro resolvi desestabilizar o
fluído ácido que percorria o fundo da caverna com uma reação química induzida e
controlada que aqueceu os minerais da caverna rica em silício que derreteram.
Posteriormente eu lancei duas granadas, uma que explodiu e elevou a pasta de
cristal derretido até o teto e tampou a rachadura; a segunda possuía grande
quantidade de nitrogênio líquido que se expandiu e congelou o vidro nessas
belas formas distorcidas. Boa parte do ácido se tornou neutro ou liberou
hidrogênio que foi consumido na explosão e se tornaria água...
– Eu vou repetir... Do que você
está falando?!!! – gritou Karvak, completamente confuso.
– Heh... – “Esqueci dessa parte”,
pensou ele, constrangido.
...
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