PERIGOS NA AREIA
No meio da
travessia pelo deserto, Nina olhou para trás:
— Eles se
afastaram de novo, Lacroh — disse ela.
— Devemos
voltar? — perguntou ele, parando a moto.
Corinto,
transformado em pássaro, desceu voando até próximo da Gamax:
— Crack!
Esperem pelo grandão aqui. Crack! — disse ele grasnando.
— Corinto? —
exclamou Nina ao vê-lo transformado. — Que graça! Hahaha...
— Algum
motivo para termos que esperar? — perguntou Lacroh.
—
Mundergrand precisou se aliviar um pouco... — respondeu Sêminus em sua voz
aguda.
Ao longe,
com passadas que levantavam grandes nuvens de areia, vinha o gigante correndo e,
atrás dele, uma criatura que não havia sido convidada:
— Corram! —
gritou ele a plenos pulmões.
— O que
está acontecendo agora? — indagou Nina.
— Pensei
que eles só apareciam quando a areia ficasse muito molhada... — Lacroh
observava o radar apitar. — Vamos, precisamos sair daqui ou o bicho vai pegar!
O caçador
acelerou, Corinto saiu voando e logo atrás ia Mundergrand, todos fugindo do
verme gigante de Teslar, que em seu habitat natural alcançava incríveis
velocidades, saltando pela areia e retornando em mergulhos profundos que encobriam
o anelídeo completamente.
— O que
faremos agora? — disse Nina a Lacroh. — Eu adoraria sumir com essa coisa na
zona das sombras, mas assim?
— Deixe com
Dantir, ele deve saber o que fazer — apesar de ouvir algum grito abafado ao
fundo dizendo: “É Elians!”, Lacroh apertou um botão no painel de sua moto.
O capacete
da moto fez um zumbido e os alto-falantes começaram a funcionar:
— Sêminus
na escuta?
— Sim? —
uma voz grossa e viril respondeu.
— Sêminus,
é você?
— Quem mais
seria? Não vejo alma viva a quilômetros de distância!
— É que a
sua voz... Ah! Deixa pra lá. Pergunte a Elians o que vamos fazer. Podemos
permanecer nesta corrida, mas isso vai nos fatigar rapidamente e ainda temos
vários dias antes de chegar ao objetivo.
— Copiado —
o jiguniano bateu as pernas no metamorfo para que percebesse o sinal de voltar.
— Crack! —
respondeu Corinto com sons animalescos.
Elians viu
o metamorfo chegando e se preparou para o pouso erguendo o braço.
— Não
podemos continuar assim — disse o jiguniano.
— Tenho um
plano, mas é muito arriscado. Eu posso estar errado...
— Do que
precisa? — perguntou o megafísico, confiante.
— Granadas
atordoantes...
— As
escamas de sílica não conduzem eletricidade...
— Eu sei...
— Você é
louco!
— Já me
disseram isso...
Sêminus
desceu do metamorfo e foi até o ouvido de Mundergrand:
— Grandão?!
Preciso da caixa na sua mão — e o giganto obedeceu.
Com a caixa
de experimentos disponível depois de subir na mão do castelar, vários botões
foram apertados freneticamente e, ao acionar o último, várias centelhas
surgiram formando um vórtice globular. Uma granada atordoante surgiu de dentro
dele e foi lançada para Elians que a apanhou no ar. O príncipe de Newho mandou
Corinto cuidar de Sêminus. Ele virou-se para trás e começou a contar as
passadas do verme de areia.
— Um...
Dois... Três... Um... Dois... Três... — e se aproximou da orelha de
Mundergrand. — Pode diminuir um pouco?
E voltou a
contar com o verme chegando mais perto:
— Um...
Dois... Três... Um... Dois... Três... Um... — e saltou sobre o verme que abriu
largamente as fortes mandíbulas trituradoras de pedras. Lançou a granada e, em
pleno ar, esticou o casaco de pele de Gorlak que, funcionando como asas, o fez
planar e desviar-se da boca do verme.
A granada
explodiu iluminando o interior do verme. Porém, antes de adormecer, se
contorceu bruscamente, golpeando Elians, que foi jogado para longe.
— Dantir,
não! — gritou Nina vendo o pior. — Vai Lacroh! — ela apertava fortemente os
braços do caçador.
— Para
onde?
Nina se
lembrou da pouca visão do amigo:
— Ele foi
para a nossa direita, é só seguir que eu indico o resto — e a moto saiu numa
empinada a toda velocidade.
Mundergrand
e os outros já haviam chegado ao corpo caído de Elians, sendo que o metamorfo
já estava devidamente vestido. Nina ficou apavorada:
— Elians! —
e desceu correndo da Gamax que desfez o capacete imediatamente. — Acorde! Por
favor, acorde!
— Nina!
Assim você vai matá-lo! — ponderou Lacroh ouvindo os tapas frenéticos dados
pela Senhora de Castelo.
— Deixe-me
cuidar disso... — acudiu Sêminus que se aproximou com Corinto que carregava a
caixa de experimentos.
O jiguniano
apertou alguns botões e um scanner verificou todo o corpo de Elians.
— Ele está
bem. Sofreu uma concussão na cabeça, mas não é nada grave. Ele deve ficar
desacordado por enquanto.
— E agora? —
disse Nina vendo que não podia fazer nada.
— Iremos
até a caverna de cristal, como o planejado... — concluiu Lacroh, assumindo a
liderança. — Lá poderemos descansar e dormir um pouco.
— Nós vamos
pra lá? — perguntou Corinto, confuso.
— As rotas estão
misturadas para despistarmos. Lembre-se, estamos aqui secretamente. Haviam três
possibilidades de parada e a caverna de cristal é a mais próxima.
—
Entendi...
— Munder! —
chamou Lacroh.
— Sim? —
respondeu o gigante se abaixando.
— Você
levará Elians, tome cuidado com ele — e o giganto aproximou as mãos do chão.
Nina
respirou fundo, tirou um pouco da areia do rosto de Elians e o carregou nos
braços sem nenhum esforço, deixando-o aos cuidados de Mundergrand. Corinto e
Sêminus o acompanharam subindo na outra mão. Lacroh e Nina voltaram para a
Gamax e partiram.
...
Passados os
trinta e cinco quilômetros do deserto de areia, pedras altas e lapidadas pelo
vento foram surgindo. Mais resistentes e escuras, estas rochas marcam o início
da região cristalina que esconde sob o solo cavernas longas e profundas com
diversas formações minerais, muitas delas translúcidas e brilhantes. O local é despovoado
e ninguém de Teslar se atreve a ficar ali, mesmo sendo o único oásis em
quilômetros. Segundo as lendas locais, criaturas assombrosas se escondem
naquelas cavernas e expulsam qualquer intruso. Dizem também que aquele que for
até o fundo das cavernas encontrará um grande tesouro escondido pelos seres
subterrâneos, apesar de não se saber exatamente o que é ou como são os seres
que lá habitam.
O grupo
encontrou uma entrada subterrânea principiada por uma gruta larga e espaçosa.
Mundergrand ativou o cinto de encolhimento e retornou aos dois metros de altura
que comumente usava. Todos adentraram visivelmente cansados e só pararam quando
encontraram sombra suficiente.
Corinto,
Sêminus e especialmente Mundergrand se sentaram no chão da caverna e
adormeceram. Nina, ainda acordada, estava preocupada, sentindo algo no ar. Vendo
que a moça não dormia, Lacroh se aproximou e tentou acalmá-la:
— O Elians...
— o caçador olhou para o amigo desacordado. — Ele vai ficar bem, não é nada grave.
— Ahn? O
quê? — a Senhora de Castelo mal ouvira o que ele dissera. — Não estou
preocupada com ele!
— Então,
porque está tão pensativa e aparentemente preocupada?
— É a
sombra deste lugar, ela está dizendo alguma coisa, só não consigo entender.
— Você
treinou para controlar os poderes sombrios, porque não se concentra? — sugeriu.
— Vou
tentar...
Nina prostou-se juntando os
braços ao corpo e uma perna na outra, fechou os olhos e tentou ouvir a voz. Os
sons eram como lamurias, as lamurias se transformaram em cânticos e os cânticos
eram chorosos. A castelar descreveu tudo perfeitamente e Lacroh ouvia
atentamente o que ela dizia.
— Nina? — interrompeu ele.
— Droga! Estava quase entendendo!
— Não ouça mais o que as sombras
estão tentando dizer...
— Como?! Por quê?! — o caçador
repousou os dedos sobre a boca da moça.
— Nem tudo o que elas disserem
deverá ser contado...
Num golpe rápido, ela afastou a
mão dele e cerrou os olhos, encarando os dele:
— Você teve uma visão! — disse
ela rispidamente. — Vocês videntes, porque não dizem logo tudo o que vai
acontecer!
— Não é tão simples assim — sua
voz estava séria. — Os mestres da vidência sempre aconselham que contar o
presságio é fazer parte do destino, e se o destino for ruim, você é a causa do
mau agouro...
— Nossa! Nunca te vi tão frio.
Pelo visto já levou alguma bronca do seu pai...
— Você é sempre tão direta? — riu
Lacroh. — Meu pai me alertou sobre o que eu deveria fazer com o meu dom, mas
nunca me repreendeu. Ele sempre me deu autonomia para lidar com as visões.
Infelizmente, elas nem sempre são boas...
— Espere... — Nina voltou-se para
o fundo da caverna. — Tem algo lá dentro!
— Gamax! — chamou Lacroh se
aproximando da moto. — Ative o radar.
O aparelho começou a rastrear e
nenhum ser vivo foi detectado. O caçador estranhou:
— Tem certeza de que viu algo
Nina?
— Quem tem poderes sombrios aqui?
Claro que tenho certeza, eu sinto algo no escuro melhor do que quando enxergo!
Eu sei que tem algo lá embaixo!
— Se você está dizendo...
— Ai! Não confia em mim?
— Não me leve a mal, o radar não
detectou nada...
— Eu sei o que senti e repito,
tem algo lá embaixo!
De repente, do fundo da
escuridão, onde a luz não penetra, sons finos de algo tilintando se fizeram
presentes. O som era doce e contagiante. Os dorminhocos se levantaram ainda com
os olhos fechados e seguiram andando, hipnotizados. Nina e Lacroh relutaram
contra as vibrações, contudo, também adormeceram e acompanharam a melodia. Todavia,
o sensor de perigo da Gamax foi acionado e a máquina buzinou. Mesmo assim os
sonidos só se intensificaram e os sonâmbulos prosseguiam irreversivelmente atraídos
pelo chamado. A moto, num último alerta, entrou na frente do último hipnotizado
impedindo que este prosseguisse. Os outros entraram no breu escuro, restando
apenas o desacordado Elians sob a fraca luz.
Algumas
horas depois, Elias acordou. Não encontrando ninguém, ficou confuso. A moto
reagiu ao seu despertar e se moveu na direção em que o grupo foi parar:
— Lacroh?!
Nina?! Alguém?! — não houve resposta. — O que será que aconteceu?
O príncipe
de Newho encostou-se na Gamax III, tentando se lembrar dos ensinamentos do
multiverso.
— Devemos
estar na entrada das Cavernas de Cristal. Lacroh deve tê-los guiado até aqui,
disso estou certo. Mas porque me deixaram sozinho? Entendo que um ou dois
poderiam adentrar a caverna enquanto eu me recuperava da... Ai! — ele passou a
mão na cabeça e encontrou um galo dolorido. — Pancada... Vermezinho desgraçado,
tinha que aparecer naquela hora?! Quase que nos pega com as calças baixas!
Perdido em
pensamentos, o tilintar recomeçou, uns toques aqui, outros ali, suaves e
gradativos, tentando encontrar as notas perfeitas. A Gamax imediatamente soou
seu alarme de perigo, assustando Elians que entrou em modo de combate, ativando
instintivamente os poderes do coração de Thandur. Seus olhos começaram a
brilhar, permitindo-o visualizar as profundezas da caverna com melhor
propriedade. Sacou magicamente da jóia de Landrakar uma pistola simples, de
baixo calibre e fácil manuseio, mirando no escuro. Não havia nada lá, apenas as
paredes da caverna e alguns cristais grossos e pontiagudos que brotavam do
solo.
Elians
relaxou, ainda empunhando a arma se aproximou do corredor que se estreitava
logo à frente. O sonido recomeçou, doce e melodioso. Sentindo que seus sentidos
estavam ficando dormentes, o Senhor de Castelo retirou da jóia de Landrakar um
tampão de ouvidos grande e felpudo que envolveu suas orelhas. Atipicamente,
Elians era mais um guerreiro prático do que um apaixonado por armas de tiro
como seu pai ou seu avô que eram pistoleiros experientes e que faziam a fama de
Newho, lar dos melhores pistoleiros já conhecidos pelo multiverso. No entanto,
o jovem castelar adotava práticas mais abrangentes, indo além do típico
armazenamento de armas, prevendo possibilidades diversas, crendo que nem
estaria preparado com ou sem elas. Por
via de regra, deveria procurar se adaptar as necessidades do planeta vigente,
como se proteger das noites gélidas de Teslar ou do calor escaldante que
permanece por dias a fio. A possibilidade de encontrar uma ou outro era
plausível e, como necessitaria estar preparado, seguindo o conselho crucial do
nono dia do grande livro dos dias, “A sorte favorece os preparados”, optou por
um protetor de orelhas que pudesse inibir por um feitiço a voz de Nina lhe
incomodando.
Com um
passo a frente, o corredor pareceu ficar mais estreito e o coração de Thandur
brilhou no bracelete. Um olhar mais apurado agora revelava algo surpreendente:
— Onde
estão os cristais?!
O castelar
prosseguiu caverna adentro vigiando por todos os lados, apontando a pistola.
Lembrou-se então da lenda que rondava as cavernas cristalinas:
— Seria
possível que...
Decidido, prosseguiu com a ideia.
Desmaterializou, então, a pistola de volta a jóia de Landrakar e em seu lugar
sacou uma espingarda de cano longo, feita de um metal grosso e vibrante. Com um
leve toque da ponta da arma na parede da caverna o material especial vibrou
agudamente, um som persistente e reverberante. Como previsto, os minerais
reagiram ao som, se projetando com violência para fora de seus esconderijos.
— Pelos deuses! Cristais vivos! —
gritou ele.
Compreendendo que foram
descobertos, os cristais vibraram com intensidade. A caverna reagiu ao comando
e se distorceu, fechando Elians no corredor e cortando completamente a luz que
restava.
Em pleno escuro, Elians não se
intimidou e tirou de um dos bolsos do casaco uma pequena pedra alaranjada que
iluminou fracamente seu caminho, pedra esta que trazia consigo para aquecê-lo
com suas propriedades do elemento fogo caso encontrasse as noites de Teslar.
Diante dele um caminho esquivo,
incerto. Atrás dele as paredes da caverna. O que poderia acontecer ali? Ele não
sabia, seria o primeiro a conhecer aquela região desconhecida:
— Tenho que
seguir adiante. Meus amigos podem estar correndo perigo no fundo dessa
caverna... — e começou a caminhar.
...
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