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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Devil's Drink 18# - Liori, o leão


            Ninguém no bar sabia, mas Lady Neko tinha um segredo. Não era um grande segredo, era apenas que a nossa linda e poderosa gata era casada! O anel que ela carrega no pescoço é o sinal de matrimônio dela com o neko mais importante da vila, Liori, prefeito eleito da vila. A história caiu como uma pedra para os empregados da Toca dos Gatos. Literalmente...

...

            – Caralho! Como assim você é casada?! – Gurei parecia o mais impressionado.

            – Nossa! Você realmente já se casou? – En’hain ficou menos perplexo como bom amigo.

            – A matriusca já estar casada? – Disse o jovem russo, que naqueles dias estava com cara de cachorro e apelidara Lady Neko daquele jeito desde o dia em que beberam juntos por parecer com a sua mãe.

            Akai, nas costas de En’hain, não ligou muito para o que estava acontecendo e ficou dormindo ali – provavelmente por já saber o que Lady Neko escondia. Ela tentou se explicar mais calmamente e, vendo que seria muito importunada, procurou ser delicada:

            – Saco! Já casei sim! O que é que vocês têm haver com isso?! – A moça bateu na mesa, fazendo-a.

            Os três ficaram quietos até En'hain tentar conversar:

            – Ahn... Com quem você se casou, creio que não seja com o vovô neko, não é?

            – Claro que não! Aquele velho tarado! Imagina se eu ia casar com ele!!! – Lady Neko continuava exaltada.

            – Então quem é o cara, dona peitud... – antes mesmo de terminar a pergunta, Gurei levou uma mesada na cabeça de Lady Neko que estava soltando fogo pelas ventas.

            – Aff... Gato infeliz... – a gata se sentou na cadeira tentando se acalmar.

            – Gurei, você está bem? – Perguntou En’hain, preocupado.

            – Au?! – Fez Sasha, sentindo um calafrio lhe percorrer a espinha.

            O espírito de Gurei estava quase escapando pela boca:

            – Eu... tô... legal!

            – Ele está certo... – En’hain sabia que Gurei ficaria bem e o deixou de lado. – Com que você se casou, afinal?

            – Com Liori... – Lady Neko desviou o olhar, não conseguia encará-lo de frente.

            – Aquele famoso herói da vila? – En’hain pensou mais um pouco. – Aliás, eu ainda não o conheço, onde ele está?

            Mais compassiva, a gata confidenciou:

            – É justamente por isso que não quero falar sobre ele, amore. Ele viaja pelo mundo procurando por nekos perdidos. Ele deveria estar cuidando da prefeitura no lugar daquele ratinho que ele elegeu como secretário. Mas está por aí, sem nem mandar notícia pra mim que sou sua esposa! Aquele gato miserável!!! – A raiva de Lady Neko era de dar medo.

            En’hain sorria, contudo, por trás da expressão calma, havia alguém que estava morrendo de medo. O draconiano ainda era muito novo na Vila dos Gatos e não conhecia todos da vila. Conhecia somente os nekos que conhecia do mercado, da quitanda, da loja de doces, que trabalhavam na praça e os que durante a noite apareciam no bar. Enfim, ele não tinha ideia de que ratinho sua amiga estava falando.

            Lady Neko fez menção de dizer algo, mas preferiu ficar calada. En’hain observou o gesto, notando o mal estar da moça:

            – Ele está voltando? – Sugeriu En’hain.

            – Sim... Ele deve chegar hoje... – Lady Neko demonstrava preocupação.

            – Entendo... Ele é muito ciumento... – En’hain olhou ao redor e percebeu o verdadeiro problema de Lady Neko. – Ele não vai gostar de te ver aqui...

            Algumas lágrimas rolaram pelo seu belo rosto.

...

            Pouco depois, do lado de fora, alguém que não estava na vila há um bom tempo acabava de chegar:

            – Gunshin!!! – Gritou ele. – Eu tô chegando! E vou entrar no bar!!! – Liori estava na entrada do bar, sujo de uma longa viagem, gargalhando com um grupo de cinco nekos. – Pra quem que eu tô avisando? Aquele sumido nunca está lá! Hahaha!

            Os outros cinco também riram muito. Eles estavam mal arrumados, sujos, eram mal educados e indiscretos, aparentando serem arruaceiros.

            En’hain pensou com firmeza, precisava tomar uma atitude frente aquela algazarra, deixou Akai dormindo numa cadeira e foi para a frente do bar:

            – Sinto muito, só abrimos a noite. – falou En'hain passivamente diante do grande leão duas vezes mais alto e truculento a sua frente.

            – Mas o que é isso?! – olhou desconfiado, medindo En'hain de cima a baixo. – Quem é você?!

            – Sou En’hain, barman da Toca dos Gatos e o mais novo draconiano da Terra – "Talvez o título resolva", pensou ele.

            – Hahaha... – Liori riu dele, apontando o dedo enquanto olhava para os novos nekos. – Eu sou o dono desta vila e queremos beber até cair! Se você não sair da minha frente vai sentir o peso da minha patada!

            Liori rugiu com tanto impeto na cara de En’hain que ele ficou todo melecado e meio entorpecido pelo bafo fétido. Mantendo-se firme, ele insistiu para que o leão voltasse mais tarde, porém, o felino gigante ignorou seu pedido e tentou passar pelo draconiano que reagiu instintivamente atiçando os espinhos pontudos de sua longa cauda metálica:

            – Hoh! Está com raiva baixinho?! – Liori encarava En’hain com um olhar fulminante, até sentir um cheiro doce que conhecia muito bem. – Este cheiro... Lady Neko, você está aí?!

            A gatinha se arrepiou toda, como se já não bastasse toda a sua apreensão por ser o motivo da discussão. Vendo a amiga acuada, Sasha percebeu que era o único que podia fazer alguma coisa além de En’hain e decidiu enfrentar o Leão também:

            – Que cheiro de cachorro molhado! – antes mesmo de se revelar, Liori sentiu o cheiro do lobisomem. – Não vai me dizer que você ousou trazer um maldito cachorro para a Vila dos Gatos!

            Liori estava mais exaltado ainda e Lady Neko tremia dentro do bar. En’hain permanecia no mesmo lugar e Sasha rosnou mostrando os caninos para o bando do lado de fora.

            – Devo insistir para que volte no nosso horário de serviço. – En’hain continuava impassível em sua decisão.

            –Como ousa!!! – rugindo forte, Liori deu um golpe certeiro na boca do estômago de En’hain com seu grande punho fazendo-o com voar para dentro do bar.

            Sasha não se conteve e tentou morder o grande leão, que reagiu mais rápido que ele, agarrando-o pelo pescoço. Liori apertou bem forte, quase quebrando os ossos:

            – Cão maldito, se eu estivesse aqui você nunca teria entrado!

            Sasha buscou alguma palavra, mas não conseguia falar direito.

            Lady Neko sentiu que a luta apertara e tomou a frente para falar gentilmente com Liori para que soltasse seu querido amigo:

            – SOLTA ELE GATO MIRRADO!!! – Lady Neko meteu a cabeça de Liori bem fundo no chão.

            – Oi amorzinho... – Mesmo com a cabeça enterrada, Liori sabia que encontrara Lady Neko.

            O lobisomem ficou assustado:

            – Matriusca... Ele já me soltar... – Sasha passava a mão no pescoço para aliviar a dor.

            – Ah... Sim, é mesmo. – Lady Neko tirou a mão do buraco.

            En’hain, no fundo do bar, se levantava lentamente. Estava meio tonto por causa do golpe, mas sua resistência de draconiano era forte e estava bem:

            – Lady Neko?! – En’hain estava surpreso com o que a gata havia feito quando saiu. – Ahn... Acho melhor você levar o seu marido para casa. Eu cuido dos novos nekos da vila por enquanto. Venham, podem entrar.

            – Eba! Urru!!! – Fizeram os novos gatinhos que estavam animados por finalmente entrarem no bar.

            – SILÊNCIO!!! – En’hain parecia Liori rugindo. – Akai está dormindo...
            O bando de gatos percebeu o pequenino após terem entrado.

            – Este neko está ligado a você? – Perguntou um deles.

            Akai acordou, saiu da cadeira e subiu nas costas de En’hain, voltando a dormir calmamente.

            – Ai! – O barman sentiu um puxão na cauda, despontando uma pequena lágrima no canto dos olhos. – Infelizmente, sim...

            Foi isso...

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Devil's Drink 17 - Sasha 2ª parte


            Não teve jeito... Sasha só arranjou problemas no bar, a começar pelo seu mau hábito:
            –Eu querer vodka! – Exigia o russo com cara cachorro.
            –Nem pensar! – Disseram Gurei e En’hain.
            –Você não tem idade pra isso! – Falou Gurei.
            –Se quiser trabalhar aqui terá de trabalhar sóbrio! – Completou En’hain.
            –Au! – Sasha não conhecia muito bem outras culturas e estranhava aquele jeito de ser tratado. – Meu avô sempre me dar um trago...
            –Fique sabendo que ele é um velho tapado! – Se irritou Gurei. – Ele não tinha nada que ficar levando você pra cima e pra baixo no inverno russo!
            –... – Sasha fez cara de cão sem dono, literalmente.
            –Pega um osso... – Disse Gurei.
            –Gurei?! – En’hain olhou para ele.
            –O quê? – Sasha ficava com olhos fixos no pedaço de osso. – Ele adora isso.
            –(Nhac) – Sasha mordeu o pedaço de osso e foi para fora, provavelmente para roer.
            –Não disse? – Gurei olhou de volta para En’hain, chacoalhando a mão por ter sido quase mordido.
            –Isso não é motivo pra você tratar ele assim... – En’hain cerrou os olhos e sua típica fumaça voava pela cabeça. – Você não tem nada melhor pra fazer não?
            –Não te interessa... – Gurei deu as costas pra En’hain.
            Era difícil dizer que você se importa com alguém. Quando os seres humanos só pensam em extrair os poderes mágicos de um ser sobrenatural, eles costumam ser exageradamente cruéis, tal qual foi o caso de Gurei. No meio da desgraça, passando fome e sede, receber um prato de comida e um pouco de água de uma pequena criança te faz repensar a vida, ou mesmo seu ódio...
            Naquele dia, Lady Neko já estava melhor e finalmente voltaria ao Bar Toca dos Gatos:
            –Oi amores, voltei! – A gata trajava um vestido fino, babado, provocante no colo, justo na cintura. – Mas o que é isso?!
            Naquele momento de relapso, Gurei e En’hain se lembraram que Lady Neko poderia voltar a qualquer momento e, se depender daquele momento vergonhoso em que ela derrubou o Senhor Gunshin, algo muito ruim poderia ocorrer ao Sasha. Foram ver como o cachorro estava e viram algo muito estranho:
            –Não acredito! – Disse En’hain.
            –Esse cachorro só me envergonha! – Falou Gurei levantando as mãos e olhando para cima.
            –Socorro! O que esse cachorro tem?! Ele não larga da minha perna! – Lady Neko balançava o cachorro no ar com sua tremenda força e mesmo assim o cachorrinho continuava grudado nela.
            –Só tem um jeito de resolver isso... – Gurei entrou no bar e voltou com uma garrafa de vodka. – Sasha? Olha a vodka aqui...
            –Gurei!!! – En’hain olhava para o gato de cabelo cinza azulado com indignação.
            Sasha então pulou da perna de Lady Neko direto na garrafa. Gurei não pensou duas vezes e deu uma garrafada na cabeça dele:
            –Você tem um jeito muito estranho de fazer as coisas... – E lá vem a fumaça de En’hain...
...
            Depois de algum tempo, tudo foi explicado à Lady Neko que, pobrezinha, estava com os nervos em frangalhos de tão frágil que ela é:
            –Não quero saber! Tirem esse vira-lata daqui! – Berrava a moça. – Ele destruiu a minha meia favorita!
            –Se acalme Lady Neko. – En’hain pedia por compaixão.
            –Se depender de mim, ele pode é ir embora... – Disse Gurei com o rosto virado para o outro lado.
            –Você também? Não creio! Até tu, Brutos, meu filho! – En’hain fazia um encenação dramática.
            –Vai ser melhor pra todo mundo... – Gurei tinha um tom sério.
            –...! – En’hain se calou por um instante. – Quer conversar?
            –Não. Quero que ele vá embora... – Gurei saiu do quarto de Lady Neko, desceu as escadas e saiu do bar, deixando En’hain pensativo.
            No quarto destinado a Sasha, o mesmo de Gurei – a casa já estava ficando apertada pra tanta gente – En’hain foi falar com o cão sem dono que estava com a cabeça completamente enfaixada:
            –Sasha? – En’hain dava alguns toques para acordar o russo.
            –Estar dormindo, voltar mais tarde... – Disse, descaradamente.
            –Gurei disse que prefere que você vá embora... – En’hain sentou e ficou de cabeça baixa.
            –Ser melhor eu ir...
            –Mas... Quando eu vi vocês dois rindo juntos, pela primeira vez eu vi Gurei sorrir sem ser por sarcasmo ou por tirar sarro de mim. Ele sorriu de verdade... Você precisa falar com ele. – En’hain se levantou e ia sair do quarto.
            –Por favor, esperar... Precisar que veja uma coisa. – En’hain parou na porta e Sasha começou a tirar as bandagens.
            –Você... – En’hain olhou para o russo que não estava mais como antes.
            –O efeito da lua finalmente passar... Alexander odiar humanos. Melhor eu ir.
            –Não. Não e nunca vai ser. Ficar adiando o dia em que você vai entender o quanto está errado só vai te tornar alguém vazio, inútil e descartável. Acredite. Isso não dá certo... – Ele saiu da sala e Sasha ficou pensando naquilo.
Saindo para se encontrar com Gurei, En’hain sentiu uma coisa ruim nele, uma sensação infeliz e triste que queria fazê-lo chorar. En’hain limpou o canto do olho e ouviu uma piadinha infame:
            –Você está chorando, tubarão? – En’hain olhou para Gurei que estava de novo com aquele sorriso falso, de gente mesquinha e fútil.
            En’hain cerrou os olhos, em sinal de indignação. Não deu muita importância e seguiu andando. Parou um pouco e disse:
            –Você precisa falar com ele... Se ele for embora, a parede de silêncio vai fazer com que ele se esqueça completamente de você. – E continuou andando.
            Sasha desceu as escadas e ficou atrás da porta para falar com Alexander que estava do lado de fora:
            –Você realmente querer que eu vá?
            –... – Gurei não falou nada.
            –Me responda, você querer que eu vá? – Sasha insistiu.
            –... – Gurei continuou em silêncio.
            –Pela Grande Mãe Rússia, me dizer, por favor... – Sasha saiu detrás da porta e virou Gurei para que ele respondesse, Gurei estava chorando...
            Os dois conversaram melhor depois daquilo. E também porque tomaram uma bela garrafa de vodka:
            –Seus desgraçados! Porque foram beber!
            –E... qual o probleminha moço... ou serão... moços? – Disse Gurei, mais mole que gato escaldado se esparramando pela mesa. – Hihihi...
            –Vocês estão completamente bêbados! – En’hain estava vermelho de raiva, soltando mais fumaça que um trem a pleno vapor na ferrovia.
            –Viva a vodka! – Disse Sasha sem nenhum senso de noção, vindo a dormir em seguida, com o copo ainda na mão.
            –Boa... ideia... – Gurei dormiu também.
            –Cacete... Eu dou uma saidinha pra ver se os dois se acertam e quando volto encontro isso?! – Lady Neko aparece andando de fininho por trás de En’hain levando uma garrafa na mão. – Lady Neko!!!
            –Miau?!
            Foi isso...

sábado, 12 de maio de 2012

Desvil's Drink 15# - Sangue

            Era um dia muito chuvoso naquela pequena vila. En’hain, Gurei e Akai tiveram que sair para ver como estava Lady Neko que estava passando alguns dias no templo completamente gripada. Eles não demoraram muito, aquela chuva era uma invocação das ondinas que iniciavam uma evolução para se tornarem provedoras da chuva. O que aconteceu a seguir, diz respeito ao pequeno Akai, pois ele não é apenas um pequeno Neko, ele é marcado pelo vermelho do sangue...
            – Vamos correr! – gritou Gurei tentando não molhar o pelo.
            – Demorou! – retrucou En’hain carregando o pequeno Akai nas costas se esforçando para correr debaixo de tanta água.
            Quando chegaram, En’hain e Akai entraram, a porta se fechou e Gurei ficou do lado de fora:
            – Ei, o que está acontecendo? Abram a porta!
            – Mas, o quê? – En’hain olhou para trás e viu que Akai trancara a porta e passara a chave, impedindo que Gurei entrasse. – Akai, abra a porta.
            – Não! – Akai estava sério, sentia algo de estranho no ar, estava ouriçado.
            – Está tudo bem Akai?
            – Meu nome não é Akai! – disse ele num grito forte e determinado.
            – ...! – En’hain deu um passo para trás, nunca tinha visto seu pequeno amigo daquele jeito. – Akai, você está me assustando...
            – Gente! O que está acontecendo aí dentro? Abram logo a porta, não estou gostando dessa brincadeira. – dizia Gurei do lado de fora que não parava de puxar insistentemente a maçaneta. – Vocês sabiam que está chovendo aqui fora?!
            – Meu nome não é Akai, meu nome não é Akai, meu nome não é Akai...
            – Está bem, vou tentar entender... – En’hain estava com as mãos abertas e espalmadas. – Akai foi o nome que você recebeu aqui, um apelido, se preferir... Qual é o seu verdadeiro nome?
            – Meu nome é Santiago. – respondeu rispidamente.
            – Está bem... Santiago? O que você quer? Não precisava trancar o Gurei lá fora...
            – Não queria interrupções... Eu quero o seu sangue!
            – ...! – En’hain se lembrou das duras palavras que Gurei lhe dissera no dia em que se conheceram: se um neko beber o seu sangue, ele nunca mais irá querer tiver e estará livre para ir embora. – Por quê? Você não é feliz aqui?
            – Já me cansei de você! Eu odeio que fiquem mandando em mim... Me dê o seu sangue!
            En’hain puxou uma cadeira e se sentou, tentou dizer algumas palavras, mas elas entalaram na garganta. Por fim, começou a chorar normalmente. Não com dragão, como humano:
            – Eu sabia... Um dia isso iria acontecer, não é? Você iria embora e eu voltaria a ficar sozinho...
            – ... – o neko encarava-o silenciosamente.
            – Eu não queria acreditar que o que eu estava fazendo era errado, tentei dar o melhor de mim para que você não ficasse triste. Juro que todas aquelas vezes que eu mandei você fazer algo, era pensando no seu bem-estar, num jeito de você também participar de alguma coisa... Me desculpe...
            Akai não deveria estar escutando, colocou as garras de fora e partiu para cima de En’hain, no pulo de um gato. En’hain era mais forte e ágil, conseguindo se desvencilhar segurando as duas mãos de Akai. Pela primeira vez o draconiano se sentiu feliz por ter se tornado tão diferente:
            – Eu queria... Queria que você fosse livre. Mas também queria que você ficasse aqui comigo. Quem está preso a essa maldição sou eu, Santiago!
            – Me dê a droga do seu sangue! – En’hain passou por debaixo dos braços do neko e o abraçou.
            – Me arranha, estripa a minha carne, libera toda a sua raiva e derrame quanto sangue quiser. Eu já não pertenço mais a mim, sou completamente seu...
            Akai começou a arranhar profundamente as costas de En’hain, deixando suas garras completamente vermelhas, banhadas em seu sangue. En’hain chorava de dor, não da que sentia com seus machucados, mas da dor que sentia em perder aquilo que lhe era mais precioso:
            – Lembra-se daquela história que vários clientes do bar contam, a história de La Estrega, a bruxa? Eu também me esqueci de dizer... Eu te amo. – Akai parou, seus olhos permaneciam cheios de ódio. – Pode arrancar... arranque meu coração...
            – ...? – Santiago estava confuso.
            – Não aguentaria pensar em você sofrendo e não poder estar lá para te proteger...
– O que você quer? Se eu arrancar seu coração humano você vai...
– Ficar mais feliz do que viver uma eternidade sem você...
– Se eu ficar... Vou te odiar... Como odeio meu último mestre... Odeio que mandem em mim!
– Então como você não me obedeceu agora a pouco?
– Hoje é o dia da liberdade, hoje o selo não tem efeito... O mesmo dia em que matei meu último mestre...
– Você queria tanto assim ser livre?
– Eu não suporto ser forçado a fazer qualquer coisa e é inevitável que um neko obedeça a seu mestre...
– Não me obedeça...
– ...?! – o neko não entendia aquelas palavras.
– Faça o que quiser... Eu já não pertenço mais a mim... – En’hain largou Akai e caiu no chão, já havia perdido muito sangue. – Amanhã é o aniversário de um ano que você saiu da caixa... Feliz aniversário... – e desmaiou.
Akai se levantou, abriu a porta e encontrou Gurei que estava totalmente ensopado:
– Miau! Finalmente! Pensei que iam me deixar mesmo lá fora a noite toda e...
– Ajude o En’hain... – Santiago estava de cabeça baixa.
– O que aconteceu aqui?! – Gurei olhou para as mãos de Akai e viu que elas estavam vermelhas, olhou para trás dele em seguida e viu En’hain naquele estado. – Santiago, o que você fez?!
– Ajuda ele... Nyaaa... – Akai escorregou escorado pela porta até se ajoelhar, sentia grande tristeza que transbordou em pranto.
...

            En’hain passou aquela noite dormindo depois de ser tratado pelos poderes de cura de Gurei e já não corria risco de sua parte humana, que veio completamente a tona por causa de toda aquela emoção, corromper seu corpo etéreo de metal. Aquilo era um risco que poderia comprometer toda a sua evolução para se tornar um draconiano de verdade. A única forma de matar um dragão é abusando de seus sentimentos e arrancando seu coração.
            Akai permaneceu o tempo todo com En’hain até ele acordar:
            – Santiago... – disse o barman ao perceber a presença do neko ainda do seu lado.
            – Pode me chamar de Akai, se quiser... – o neko estava sentando numa cadeira abraçando os joelhos, sem olhar diretamente para En’hain.
            – Venha cá... por favor. – e estendeu a mão depois de se acomodar melhor na cama.
            – Não quero... Eu machuquei você...
            – Eu não ligo! – gritou em tom meio choroso. – Estou feliz por você ainda estar aqui, então chega disso e venha logo aqui... por favor...
            Akai se sentou na cama como En’hain havia pedido, ainda sem lhe dirigir o olhar. En’hain o abraçou sem pedir permissão:
            – Feliz aniversário, amigo. – Akai olhou para En’hain e deixou sua cabeça pousar em seu ombro.
            – Nyaaa... Obrigado.

            Sorrindo, En'hain completou:

            – Como você cresceu!
 
            Foi isso...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Devil's Drink 14# - O porão


            –Como é que é?! –Indagou En’hain.
            –Vamos ao porão... – Disse Gunshin procurando por algo no meio do chão atrás do balcão.
            –Que porão?! Essa casa, esse bar... tem um porão?!
            –Sim... Achei! – Não dava para ver o que o dono do bar fazia, mas deu para ouvir o barulho de uma chave virando.
            En’hain estava estranhando tudo aquilo e foi para trás do balcão lentamente:
            –Que merda é essa?! – En’hain se deparou com um buraco no chão, não havia porta nenhuma, nem fechadura e muito menos um dispositivo que pudesse esconder uma parede falsa.
            –É uma escada, por quê?
            –...! – Tinha fumaça saindo da cabeça de En’hain que estava com a cara fechada. – Nada não... Você sempre me escondendo alguma coisa. Vai me dizer que aqui também tem um sótão, não é?
            –Não, não tem... Você queria um?
            –Deixa pra lá... O que a gente vai fazer lá embaixo mesmo? – Gunshin pulou dentro do buraco que possuía um desnível e continuo descendo pela escada. – Ei, me espere!
            O porão do bar, se é que se podia dizer isso, era um lugar amplo, cheio de prateleiras com garrafas velhas e esquecidas, provavelmente uma adega. No entanto, haviam mais coisas, haviam caixas, baús, entulho jogado em cima de entulho, “Um verdadeiro ferro velho”, pensou En’hain.
            –En’hain! – Chamou Gunshin. – Venha aqui, tem algumas caixas para você levar lá para cima!
            –Sim! Onde você está? Não estou te vendo! – De repente, um estalo de dedos e algumas lamparinas espalhadas pelas colunas de sustentação acenderam, iluminando aquele vasto local que parecia não ter fim, talvez por nem todas terem acendido. En’hain pegou uma delas e se pôs a andar na direção da voz de Gunshin.
            –Vamos logo! – Gritou Gunshin. – Eu já vou levar metade lá pra cima.
–Dá um tempo, caramba! Não dá pra ver nada direito aqui.
–Pare de ficar com medo! E venha logo pegar essas garrafas de Devil’s Drink! – A voz estava distante e a cabeça de En’hain soltava fumaça...
–Velho desgraçado, nunca me diz o que está realmente fazendo... – Resmungava En’hain baixinho, tentando não ser ouvido pelo dono do bar.
–Pegue as caixas de Devil’s Drink! – Falou alto mais uma vez.
–Que caixas?! – En’hain bateu o pé em alguma coisa. – Ai! Cacete! Ahn... Heheh, achei!
En’hain havia batido justamente nas caixas de garrafas que Gunshin havia mandado procurar. Notou que ao lado estavam marcas de algo que foi movido recentemente:
–Filho da mãe! Que raiva! Já me deixou largado aqui! – En’hain ficou vermelho. – Bom, é o jeito.
Pegou as duas caixas que haviam ali com uma das mãos e com a outro foi apoiando, enquanto segurava a lamparina para não se perder, e foi votando em direção a escada... “Que escada?”, se perguntou, pois não conseguia saber onde aquela escada estava no meio daquela imensidão.
–Fudeu! – Disse preocupado. – Gunshin, onde está você?!
–... – Ninguém respondeu.
–Só me faltava essa! – E continuou andando. – Como é que eu vou fazer pra sair dessa imensidão? Opa! O que é aquilo ali?
En’hain se distraiu com algo grande com um lençol branco por cima, deixou as caixas de lado e foi olhar. Puxou o pano e descobriu um espelho, um pouco maior que ele na qual começou a se ver. Ele se sentiu estranho, num primeiro momento sabia que era ele, mas não se reconhecia. O que ele via era alguém de cabelo prateado, olhos de pupila rasgada verticalmente com fundo vermelho. Os dentes eram apenas caninos, muito salientes, como um tubarão, só que metálicos. Suas unhas, também metálicas, mais pareciam como as garras dos nekos.
–Que porra é essa...
–Nossa que demais! – Disse Gurei admirando o espelho.
–CACETE! Que susto você me deu agora!
–Do que você está falando? Eu acenei pra você pelo espelho.
–Espere aí... – En’hain se virou de volta para o espelho e tomou outro susto. – Eu só consigo me ver!
–Verdade... Eu também só consigo me ver. Nossa! Como eu estou bonito! Caramba! Posso ver meu outro olho! – Gurei admirava uma imagem diferente dele, alguém muito parecido e que não usava tapa-olho.
–Para tudo! – Disse Lady Neko que apareceu do nada. – Gente! Como eu estou magra, linda, maravilhosa e magra, miau!
–Lady Neko, você também?! – Indagou En’hain. – Você disse magra duas vezes? Vê se te enxerga mulher!
En’hain disse aquilo e outras coisas, mas nenhum dos dois ligou para ele. Mas o que mais o preocupava era sua própria imagem: “Porque eles estão gostando do que estão vendo e eu nem consigo me reconhecer?”, pensava ele.
Do lado de fora, Gunshin esperava pacientemente que En’hain e os outros saíssem:
–Ele está demorando demais...
–Nyaaa! – Fez Akai se debruçando por cima do balcão para ver o buraco.
–Vá lá ver o que eles estão fazendo. – Mandou, sem mais nem menos.
–Nyaaa?! – Akai desceu do balcão e se escondeu.
–Quer me perguntar alguma coisa, Akai? – O pequeno voltou a parecer pela frente do balcão, tentando evitar o olhar de Gunshin.
–O Espelho de Narciso está lá embaixo, não é? – Perguntou Akai sem problemas.
–Você já conheceu esse espelho, pequeno? – “Akai parece saber mais do que demonstra”, pensou Gunshin.
–Esse espelho maldito já trouxe muitos problemas à Vila dos Gatos. Por que ele ainda está aqui?
–Você verá... – Disse sorrindo.
–AAAAAAAAAAH! – Alguém gritou lá embaixo.
Akai ficou muito assustado, indo para frente do balcão de novo, Gunshin nem ligou:
–Está feito! – O dono do bar se alegrou.
Lá embaixo, o espelho estava quebrado e En’hain estava agachado em posição fetal, se lamuriando:
–Porque comigo? Porque comigo? – Ele escondia a cabeça atrás dos joelhos enquanto se balançava pra frente e pra trás.
Os dois nekos pareciam estar acordando do transe e perceberem que En’hain havia gritado. Gurei levantou a lamparina para iluminar En’hain melhor e deparou se com aquela cena inusitada:
–Mas o quê? En’hain, você está bem?
–Amore, tudo bem? – Perguntou Lady Neko.
–Minha vida terminou... – Disse En’hain, ainda escondendo o rosto.
–O que aconteceu com o seu cabelo? – Continuou Gurei. – Vamos, levante o rosto para que eu possa ouvir melhor...
En’hain levantou, ainda com muito medo, para que os outros pudessem vê-lo, temendo o que pudessem dizer. Gurei viu e não conseguiu segurar:
–Hahaha... – Gurei dava risadas altas.
–En’hain... Você está tão... diferente!
–Acho que foi aquele maldito espelho...
–Vocês três, venham logo! – Disse Gunshin.
–Sim... – “Velho maldito desgraçado que só me mete em mais encrenca...”, pensava En’hain emburrado.
Os três se dirigiram para fora do porão logo que viram a escada, que aparentemente apareceu assim que Gunshin os chamou. Gurei saiu primeiro, depois Lady Neko e por fim En’hain, que não queria sair de trás do balcão:
–O que você ainda está fazendo aí? – Perguntou Gunshin.
–Eu não vou sair daqui...
–Saia logo, eles precisam ver como você está... – Insistiu Gunshin.
En’hain estava envergonhado e não conseguia tirar as mãos das costas. Gunshin o puxou pelo braço e finalmente todos firam o que estava atormentando En’hain. Conforme ele vira no espelho, ele estava daquele jeito, cabelos prateados, olhos de pupila rasgada com fundo vermelho, seus dentes e garras estavam afiados e eram feitas de metal. Só havia um detalhe que faltava:
–Hahaha... Uma calda?! – Gurei ria muito alto.
–Para de rir seu palhaço!
–Ui! Cuidada com essa boca... tubarão!
–Ninguém merece... – Saia muita fumaça da cabeça de En’hain, uma veia na sua testa estava saltada e mostrava um sorriso forçado com seus novos dentes afiados. – Gunshin, por favor, tem como reverter isso?
–Na verdade... Não. Não foi o espelho que fez isso com você...
–Mas, então... O que significa isso?
–É a sua transformação que continuou. Acho que já deve estar estável agora.
–Fudeu... – Lágrimas metálicas despontavam no canto do olho dele.
Akai ouviu a conversa e finalmente saiu de onde estava escondido, indo subir nas costas de En’hain:
–Nyaaa! – Fez ele feliz, usando a nova cauda de En’hain para subir.
–Ai, cacete! – O draconiano gemeu de dor. – Akai, é você, é?
–Nyaaa! – O pequeno neko estava muito feliz com En’hain, não demonstrando estranhar as novas condições de seu mestre, já que havia ficado muito mais fácil subir em cima dele. O dono do bar ficou olhando para Akai enquanto ele brincava na cabeça de seu barman: “Esse neko”, pensou Gunshin, “é bom que eu tome cuidado com ele”...
–En’hain? – Lembrou Gunshin. – Onde estão as caixas?
–Putz... Sabia que tinha esquecido alguma coisa...
–Hahaha... – Gurei continuo a rir de En’hain, que apontou sua nova cauda pra ele e que abriu em vários espinhos de metal, enquanto olhava para Gurei com olhar assassino. – Vixi!
E todo mundo riu daquela situação...

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Devil's Drink 13# - La Estrega

            Esta é uma história que os clientes do bar costumar contar, alguns dizem que é macabra, outros que é um romance. Leia e descubra o que foi que aconteceu...
            “Ela era linda, de sorriso meigo e gentil”, dizia um rapaz pálido, enquanto chorava, “Ela era a mais perfeita das mulheres, Serena... Sim! Que belo nome! Este era o nome daquela moça que eu havia conhecido. Ela estava perdida, não sabia para onde ir. Era noite de lua cheia, decidi ir com ela, para protegê-la caso algo acontecesse. Ela sorria com muita doçura, tanta que eu jamais tinha visto, resplandecendo mais que o luar. Sua pele era suave e me levava pelo braço como uma folha solta no ar. Eu estava alegre, sentia meu corpo entorpecer com algo que não entendia, mas me deixava levar. Veja, somos nós que estamos vindo por aquele caminho!”
            O jovem desaparecia, e a história continuava sobre os dois que se apaixonaram a primeira vista, davam risadas a toa, como se a vida não passasse de uma grande alegria. O céu estava limpo, fazendo da lua um holofote só para eles:
            –Qual é o seu nome? – Perguntou a moça, sorrindo abertamente.
            –Meu nome é Lorenzo. Engraçado, eu nunca te vi por aqui...
            –É raro que eu saia, apenas isso. Por isso me perco tão perto de casa. Vamos logo, estamos no caminho certo. Não quero que fique muito tempo no frio da noite.
            –Não se preocupe bela dama, já andei muito por estes caminhos. Sei bem por aonde vamos, logo a frente há uma casa abandona...
            –Me desculpe... – Interrompeu a moça. – A casa não é abandonada, é lá que eu moro...
            –Perdoe-me vós então pelo que vou dizer, há muito já entrei naquela casa quando menor e nunca encontrei ninguém morando sequer pelas redondezas. A histórias sobre criaturas medonhas que vivem deveras por estas bandas assustam qualquer coração valente por tamanha ousadia. Dizem que nem os lobos ousam dormir por aqui por causa das risadas incessantes que se ouve na calada da noite...
            A moça despontou a chorar, parada no meio do caminho com as costas dos braços no rosto tentando não demonstrar sua tristeza:
            –Aconteceu alguma coisa, jovem donzela? Acaso me perdi demais em minhas palavras e deixei escapar algo que não lhe convinha?
            –É que... – Tentava segurar o choro. – Minha família é muito pobre. Minha mãe morreu quando eu nasci e desde que meu pai faleceu, perdemos nossa casa, e nos refugiamos, eu e minhas irmãs, naquela velha cabana.
            –Não chore pobre moça, não sou de muitas riquezas, mas prometo-lhe que dividirei convosco o que eu puder. – Lorenzo então tirou do bolso o lenço que carregava, bordado a mão com as iniciais de seu nome por sua mãe e enxugou ele mesmo o rosto da moça que tentava se esconder, desviando o olhar.
            Seu rosto era perfeito, seus olhos transmitiam-lhe certa decepção e languidez, o nariz ela delicado como um floco de neve de inverno, as maçãs do rosto estavam coradas, seu respiro quente era excitante demais. Lorenzo não se conteve, já estava naquela ansiedade a tempo demais e beijou-a, com toda a ardência que seu corpo tinha, tentando se conter para não assustar a moça. Parou por um instante, temendo que quando abrisse os olhos sua repentina amada o desprezasse e lhe fugisse dos braços. Quando finalmente abriu, viu que ela ainda permanecia de olhos fechados e recostava sua face na palma de sua mão:
            –Desculpe-me. – Disse Lorenzo, tentando esconder o encabulamento, afastando-se da moça. – Sou um estranho para a senhorita e lhe fiz tamanha perversão, assim, sem mais nem menos.
            –Não precisa se desculpar, na verdade, lhe sou muito grata, nunca fui beijada por ninguém...
            Lorenzo sorriu e permaneceu quieto. A moça, benfazeja depois de tamanho agrado, queria continuar logo a caminhada, já era tarde, suas irmãs deviam estar preocupadas. Se aproximando da casa, Serena apontou para a luz na janela que apagava:
            –Veja, minhas irmãs já estão indo dormir, cansaram de esperar por mim. Vamos nos apressar!
            –Sim! – Lorenzo queria falar algo a mais para a moça, mas não conseguia...
            Chegando a casa envelhecida pelo tempo e que precisava urgentemente de reparos, a moça logo que pode abriu a porta e entrou, no meio do escuro. Lorenzo se preocupou e entrou atrás dela:
            –Serena?! Está tudo bem?! – Lorenzo levantou a lamparina que carregava desde sua casa e viu-se preso numa armadilha. – Por Deus, o que é isso?!
            A sua volta havia pelo menos umas quatro mulheres horrendas, velhas, enrugadas, de feições deformadas que em nada se assemelhavam a seres humanos. Elas olhavam para ele, com seus olhos amarelados, arregalados e profundos. Seus sorrisos eram diabólicos e sedentos. Não havia dúvida, eram bruxas:
            –Ahahaha! – Fez uma delas, a que possuía o cabelo mais ralo. – Você é nosso!
            As mulheres loucas começaram a entoar palavras indizíveis e acenderam um caldeirão sem nem precisar colocar fogo na lenha. Uma fumaça começou a subir e o jovem, estático de pavor, sentiu o mundo girar e desmaiou...
            Tonto e com dor de cabeça, Lorenzo acordou completamente amarrado, como se estivesse num espeto para ser assado. Não lhe amordaçaram, justamente para que gritasse durante o ritual que se seguia. Eles estavam num morro, em volta de um altar. A lua estava no centro do céu e várias outras bruxas começavam a aparecer por todos os lados. Todas elas gritavam extasiadas com alguma bebida que tiravam de um grande caldeirão, muito maior que o que Lorenzo vira:
            –O que querem comigo?! – Gritava desesperadamente. – O que vão fazer comigo?!
            –Tolinho, não vede o que fazemos aqui... – Dizia uma voz familiar um pouco alterada. – Vamos te sacrificar num ritual para o nosso deus! Ahahaha!
            –Esses olhos... – Lorenzo via uma moça com uma máscara que cobria a região ao redor dos olhos e do nariz. – Serena? És tu?
            –Vejo que minha máscara não é o bastante... – Tirou a máscara. – Sim, sou eu!
            –Mas, Serena, por quê?!
            –Você quer mesmo saber?! – Dizia com tom de escárnio. – Porque sou uma bruxa! Ahahaha!
            A bela face se deformou de repente, o que era belo havia se tornado medonho, os dentes tinham forma de serra, pontiagudos. As maçãs do rosto que antes esboçavam ternura e jovialidade estavam estranhamente protuberantes, desfigurando ainda mais sua face. Lorenzo era um rapaz puro, lágrimas corriam pelo seu rosto devido ao desgosto, mas algo de bom ainda lhe permanecia no coração:
            –São os mesmo olhos...
            –O que disse?! – Perguntou Serena, a bruxa.
            –São os mesmos olhos que eu vi. Duas jóias preciosas que perderam o seu brilho para a tristeza. Nem a lua se equipara a sua beleza. Oh, ouvi-me um pouco mais, Serena! Quero lhe dizer tanta coisa escondida em meu peito. Já não me aguento mais! Quero beijar-te de novo, sentir novamente o toque de seus dedos, poder sonhar acordado que estou no paraíso...
            –Ahahaha!!! Ouviram isso irmãs?! Ele viu meu rosto e ainda pensa que vais me enganar com esta falsa lamúria?! Ahahaha! – Todas as bruxas, fora as que ainda estavam extasiadas e gritando grunhidos inintendíveis, estavam rindo bem alto.
            –Vamos logo com isso irmã, nosso mestre não tarda no que promete, não tardamos nós com nossa promessa! – Disse aquela primeira bruxa da casa abandonada.
            –Sim! Irmã! Pegue o machado! – Dizia uma outra que terminava cada sentença com gritinhos irritantes.
            –Serena, não faça isso... Se me tem alguma praga, ei de me empenhar em ter o teu perdão. Eu vos quero bem, esqueceria qualquer coisa para estar contigo...
            –Cale-se! Presas não devem reclamar quando estão sendo abatidas! Aceita teu destino e se ofereça ao nosso mestre! – Serena começou a balançar o machado pesado.
            –Serena, por favor, não faça isso... Argh! Argh! – Umas duas machadadas abriram lhe as costelas.
            Rapidamente as bruxas, com seus dedos esguios, de unhas compridas, feias e afiadas, terminaram de abrir o peito do rapaz. Serena pôs suas mãos lá dentro e retirou o coração pulsante de Lorenzo, arrancando-o com crueldade. Ela levantou alto o coração, deixando alguns pingos caírem em seu rosto e o jogou dentro do caldeirão que começou a borbulhar forte e a levantar grande fumaça:
            –Está feito irmãs! Nosso deus aceitou nosso sacrifício! Viveremos mais cem anos belas e jovens!
            –... – Lorenzo agonizava ainda algumas palavras e Serena voltou para perto do corpo para terminar a estripação. – Eu... esqueci... de dizer...
            Por fim, aquela grande quantidade de sangue pareceu escorrer por seus olhos. A bruxa achou estranho que aquilo ainda acontecesse, mas não ligou e terminou o serviço que fazia:
            –Nenhum homem desgraçado jamais havia me roubado um beijo, você teve o que merecia!
            Mais tarde, quando já amanhecia e a festa das bruxas terminava. Serena estava mudada, as bruxas notaram algo de diferente nela:
            –O que foi irmã? Teve alguma indigestão com as vísceras?
            –Não é nada...
            –O desgraçado havia lhe feito algo antes de chegar naquela casa minha criança?
            –Só estou me sentindo estranha... É como se, é como se...
            –Diga criança!
            –É como se eu sentisse pena daquela homem...
            –Ah! – Fizeram todas, que fugiram dela e desapareceram, pois o sol já iluminava o dia e temiam que suas peles pudessem queimar e envelhecer novamente.
            –Eu não entendi... – Uma pequena lágrima, verdadeira dessa vez, desceu pelo seu rosto. – O que ele queria dizer?
            Então um vulto lhe apareceu em sua frente:
            –Eu queria dizer, que esqueci de dizer, EU TE AMO... – e sumiu.
            –...!

...

            Todos os clientes do bar que tiveram essa alucinação por causa da Devil’s Drink relatam que não puderam ver o que aconteceu a bruxa. Disseram apenas que quando voltaram a si, sentiam um imenso vazio...