quinta-feira, 10 de maio de 2012

Diário de um Alquimista - Lição 1


Importância


            –Me diga Senhor Gunshin, o que é importante? – Perguntou En’hain no meio do estudo de seus livros.
            –E porque queres saber? – Retrucou secamente o dono do bar.
            –Por um único motivo, nunca consegui responder a essa pergunta.
            –E por que achas que é tão difícil responder a essa simples pergunta?
            –Por que eu não compreendo o que é a importância, para o rico é importante ser rico, mas muitas vezes ele não é feliz com o que tem; para o pobre também é importante ser rico, mas muitas vezes ele é feliz só com o que tem. O que mais me frustra nisso tudo é a morte, para ela nada é importante, no fim não o importa o quanto tenhamos coisas que nos são importantes, elas nunca nos pertencem.
            –Será?
            –Pois bem, ser humano acaba se baseando nessa coisa toda de estar vivo, de aprender, de conviver e por fim, morrer. Aliás, não necessariamente nessa ordem, morrer pode vir e desfazer possibilidades que teriam sido perfeitas, que poderiam ter deixado como legado grandes ensinamentos.
            –E o que pensas sobre a morte?
            –Um ponto, um final de parágrafo, a continuação nunca vai ser a mesma de antes, o assunto seguinte é sempre diferente.
            –Temes tanto assim a mudança?
            –Decerto que sim. Não estou me referindo às boas mudanças que ampliam possibilidades e nos levam a crer no que precisamos quer; refiro-me às mudanças bruscas, às quedas repentinas... Enfim, estou me referindo à desgraça.
            –E o que é desgraça para você?
            –Em resumo, sonhos quebrados, felicidade desfeita, ficar amargurado com a vida. Tudo aquilo que deixa uma impressão contrária à vida que, por sua vez, deveria ser a possibilidade de ir além, de melhorar, de batalhar e merecer aquilo que se conquistou. Muitas vezes você tem um lugar para chegar que fica atrás de um muro...
            –Acaso não podes fazer o que quiseres?
            –Pois então, vos digo mais uma coisa, poder é algo que precisa de conhecimento e tempo para ser conseguido. O velho morreu tentando encontrar a felicidade que não conhecia e o sábio não tinha tempo para ser feliz. Esse conflito de ideias me deixa louco!
            –E porque isso é importante pra você?
            –Justamente... Estou tentando me entender. Porque a miséria ficava nos sondando quando eu ainda morava com a minha família. Deveria ser importante que eu cuidasse deles, eu deveria ser o responsável por sustentar a família como o filho mais velho. Mas nunca me senti apto a assumir esse cargo, nunca fui respeitado por eles, nem sei se eles se importavam comigo de verdade. Nunca me senti amado, o que me é a coisa mais importante.
            –E o que tens aqui, não conta?
            –Não me vá fazer que nem o Gurei! Você mesmo deveria entender o quão frágil me parece tudo isso, estar num lugar que me é tão bom, quando sempre tive dúvidas se um dia eu seria feliz. Eu estou batalhando para manter tudo isso enquanto posso, mas o fantasma da desgraça me assombra.
            –...
            –Não vais me dizer mais nada?
            –Você já sabe o que é a importância, então porque me perguntou?
            –Porque não sei se o que é importante pra mim é realmente importante. Coisas importantes não deveriam acabar, não deveriam sumir, não deveriam morrer. Aqueles que são amigos hoje, não se verão amanhã e ainda assim serão amigos num outro dia. No entanto, se houver algo que quebre essa confiança, eles nunca mais irão querer se ver. Isso não era importante. Digamos que eu queria acreditar no amor, mas nem sei se isso é realmente possível. Pessoas como eu são odiadas por pessoas que nem ao menos tentam entender o quanto sofro. Justamente na hora em que eu quero acreditar, algo ruim me acontece, me decepciona e eu me arrependo de ter acreditado...
            –E por que continuas acreditando?
            –Talvez porque sonhar não custa nada, sempre parece tão bonito antes de quebrar e levar embora mais um pedaço de mim. Juro que nada mais me magoa do que ver isso todo quebrado. E não me diga que eu posso juntar os pedaços, eu ainda continuarei vendo a porcaria da rachadura. Ser, se tornar e não ser mais, o que realmente é importante?
            –Isso depende só de você...
            –Eu não queria que fosse assim, tudo que consigo sentir é um vazio, principalmente porque não me sinto afim com mais ninguém. Só eu tenho o problema e quando tento solucioná-lo, parece que as pessoas se lembram do que fizeram e se afastam de mim.
            –Deve ser porque pessoas de verdade não se importam com isso.
            –É, nos tempos de hoje está aí algo muito difícil de encontrar. O mundo parece perdido na falsa felicidade, se embriagando ao tentar esquecer-se dos erros do passado, entorpecido no próprio veneno. É angustiante perceber isso.
            –Apenas cuide de seu mundo... Se ele for pequeno, cuide dele com todo cuidado, se ele for grande, terás grandes batalhas ainda para reivindicá-lo com lar. Cuide da Toca dos Gatos, deixe o mundo para quem realmente se importa e vai cuidar dele.
            –Só não queria ver ele assim e não fazer nada...
            –Deixe seu pequeno mundo seguro, se algo acontecer, persista.
            –Sim, vou tentar... Mas não diga que não avisei...
            –Não precisa, isso não é importante...
            –...!

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