Percepção
A magia
pairava no ar... Um respiro profundo, ele fecha os olhos: “Sim, estou aqui”,
disse En’hain para si mesmo, no meio da Vila dos Gatos. Estava um dia lindo e
ele havia ido ao mercadinho. As árvores, sempre tão grandes, deixavam um pouco
de luz do sol passar, ainda era cedo. Os nekos da Vila estavam fazendo os seus
serviços costumeiros, havia barulho, gente falando umas com as outras e apesar
disso, a paz reinava absoluta.
“Hoje estou em paz comigo mesmo”,
pensou En’hain sentindo aquela sensação de estar ligado ao universo e do
universo responder a ele. Na noite passada, o tempo havia orvalhado as plantas
e os vidros das janelas. O ar da manhã estava úmido e a brisa leve balançava as
árvores com grande sutileza. O farfalhar das folhas parecia falar e dizer: “A
vida é boa”...
Cada passo que En’hain dava
estava diferente, era como se ele percebesse a singularidade de cada um, lhe
parecendo algo simplesmente perfeito. Sentia as coisas ao redor dele penetrando
sua mente, deixando-o extasiado. Os passarinhos, que habitam somente a região
da vila por causa de seus jardins, estavam cantando festivamente, provavelmente
cortejando a paz do mundo que penetrava um lugar tão longínquo e oculto de todo
o resto. O que dava para sentir era incrível, a vida parecia preencher o
ambiente, vibrando de sua forma tão singular que geralmente nos passa
despercebido.
Um flautista tocava seu
instrumento, com melodias doces e notas longas enfeitando de maneira impar
aquela ocasião. En’hain tinha aberto seus olhos, agora ele percebia o que
sempre esteve lá. O barulho da fonte de água que bate de tempos em tempos para
anunciar que ficara cheia e derramar todo o fluido que coletara, batendo na
pedra quando voltava à posição original não era só mais um enfeite. Seu timbre
se conciliava com os outros tantos que também vibravam: “Basta olhar, En’hain”,
lembrava o barman do que o dono do bar falava durante sua última lição de
alquimia.
Foi o que En’hain fez, olhou
atentamente e se deixou sentir a brisa suave soprar, a temperatura do lugar lhe
envolver e seus pensamentos caminharem sozinhos. Ele sentiu que eles o levavam
a um lugar diferente, onde podia ver mais árvores, numa montanha coberta por
vegetação. As nuvens no alto do céu eram sopradas com força, viajando rápido,
deixando uma sensação de que se estaria completo, não faltava nada. “Era como
se desse para sentir a vida brotar do chão...”, disse ele, continuando seu
relato, “Eu sou apenas um... Tudo isso é bem maior que eu”! De fato, o
draconiano sentia que estava voando por toda aquela imensidão, de um lado a
outro, recolhendo mais e mais sensações:
–Pena que isso não dura muito...
É preciso ter pratica, percebendo uma coisa nova todos os dias para que dure.
Ter esperança e calma são essenciais para a percepção, cada novidade por ser
dividida em diversos pensamentos novos, compondo uma canção, um poema, uma
pintura, uma ideia nova... Ter em mente que esses pensamentos não precisam ser
perfeitos nos liberta do preconceito e possibilita que sejamos realmente quem
somos; admitindo o que queremos e a forma como queremos. Isso é importante, uma
vez que isso nos mostra que somos e aonde queremos chegar. Como se iluminasse
um pouco mais o caminho que sempre nos é escuro. – En’hain tentava lembrar-se
do que aprendia com os livros, desenvolvendo suas próprias percepções. – Tentar
coisas novas ou simplesmente deixar que elas apareçam pode salvar vidas!
O sentimento novo que conhecia
ajudava-o a perceber o quanto ele era fechado, que não se deixava levar com a
brisa, como as folhas:
–Perceber que o mundo lá fora não
está tentando te engolir é um dos melhores remédios que há! – Um cidadão da
vila, o dono do mercadinho, lhe acenou naquele momento.
–Bom dia, Senhor En’hain.
–Bom dia. – E ele sorriu com aquele
simples gesto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário