segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 06


Contradição



            Ferus estava naquele quarto frio, imaginando o que a senhora estava fazendo e decidiu se cobrir com o pedaço de pano que estava em suas pernas e falar diretamente com ela. Ele deu alguns passos para perto da porta e viu pela fresta a senhora conversando com alguém, um homem um pouco mais alto que ele usando uma máscara de gás, com pele num tom acinzentando nas partes em que se podia ver e demonstrava estar exaltado, gesticulando vigorosamente. A língua que eles falavam era diferente da língua comum empregada pelos Senhores de Castelo, porém era possível ver que por suas expressões que aquilo era uma discussão. A senhora chegou até a se ajoelhar, implorando por algo, talvez pedindo para que aquele homem não fosse a algum lugar. Num gesto violento, ele lhe deu um tapa no rosto derrubando a senhora no chão. A idosa chorava em desespero e engolia a situação amargamente. O homem pegou um objeto eletrônico que estava ligado e emitindo sons, e saiu pela porta sem dar mais satisfações. Ferus sentiu algo entalar na sua garganta e saiu do quarto para ajudar a senhora a se levantar:
            – Tudo bem? – Ferus tentava ser gentil, oferecendo-lhe a mão.
            – Estou... As dores que sinto são do meu espírito – a senhora lhe deu a mão velha e enrugada, e se levantou. – Aquele era o meu filho, ele é drogado e não tem como pagar as dívidas. Ele levou o meu rádio de ondas... – seus olhos queriam se encher de lágrimas, mas eram forçosamente seguradas pela força que ela tirava não sabia de onde.
            – Diga-me... – Ferus e a senhora sentaram a uma pequena mesa feita de pedaços de máquinas diferentes, com apenas duas cadeiras de madeira horrivelmente mal feitas. – Você conhece a língua dos Senhores de Castelo?
            – É uma longa história... – as lembranças deixaram a face da senhora pesada.
            – Tenho muito tempo, fale a vontade. – Ferus sorria, tentando alegrá-la.
            – Este planeta é a escória do território pertencente à Irmandade Cósmica e creio não ser o único. Eu, meus pais, meus avós, meus bisavós... Todos nós nascemos nesse mundo morto, sem esperança de ver novamente o céu limpo e estrelado que os antepassados dizem existir além dessas nuvens grossas. Quando eu era menina, eu me encantava por essas histórias de mundos bonitos e coloridos. Perdia horas conversando com as pessoas que diziam qualquer besteira que fosse, inventada ou verdadeira, e que me contasse mais sobre as maravilhas da existência. Um dia, aquele rádio caiu dos carros voadores falando sozinho, como eu era jovem, me assustei, mas a curiosidade me fez ficar ouvindo e descobri que era aquilo que eu procurava...
            – Aquele era um rádio do Informe do Multiverso, estou certo?
            – É assim que se chama aquela rádio? – perguntou ela curiosa e apreensiva. – Eu aprendi essa língua de tanto ficar ouvindo ela constantemente e nem sei se estou falando direito...
            – Não se preocupe. Você está falando perfeitamente. – Ferus sorria sentindo um calorzinho no peito, um contentamento que nunca sentira antes. – Continue, por favor.
            – Perdoe-me por ser inconveniente, você é um Senhor de Castelo?
            – Heh... Bem... – Ferus não sabia se falava a verdade a senhora ou se mentia para alguém que precisava dele. Decidiu mentir, se a Irmandade Cósmica voltasse os olhos para ele, a senhora não seria a única a ser prejudicada. “O melhor é manter a discrição”, pensou ele. – Não... Mas já ouvi muito dessa rádio também!
            – ... – a senhora suspirou por um momento, em sinal de nostalgia misturada com desapontamento. – As pessoas me diziam que eu estava louca... Que só eu conseguia ouvir aquele rádio falando...
            – O rádio de ondas específicas é assim mesmo, ele só funciona com determinadas faixas de ondas e emite sons audíveis apenas para alguns, para que a Informação seja cifrada para quem não pertence ao território da Ordem dos Senhores de Castelo. – a senhora teve dificuldade em entender a explicação, sem se importar em perguntar o que aquilo queria dizer. – É normal que isso aconteça.
            – Minha vida foi difícil, criança. Já não é fácil viver neste mundo e ainda por cima ser conhecida como louca me fez viver afastada do resto das pessoas...
            – Você tem um filho... Onde está o seu marido?
            – O que é isso? – a senhora desconhecia essa palavra.
            – Eh, bem, a pessoa com quem você teve... mantém! Isso, mantém relações conjugais.
            – Não tive marido... – a senhora estava envergonhada e tentava achar forças para ser franca. Encontrando, foi direta. – Fui estuprada...
            – ... – Ferus se calou e baixou a cabeça. Agora, quem estava com os olhos úmidos era ele.
            – Meu nome é Dinha... Você ainda não disse o seu criança. – a senhora tentava mudar de assunto.
            – Meu nome é Ferus, sou um armeiro. Minha vida é fazer armas e engenhocas. – o jovem castelar estava encabulado em dizer aquilo, passando a mão atrás da cabeça.
            – Você concerta coisas? Muito do que cai do céu está praticamente bom, só não sabemos como concertar. – Dinha foi até um alçapão no chão e puxou-o, abrindo uma passagem para o porão.
            Ferus estava apreensivo, nunca teve que lidar com pessoas estranhas daquela forma, principalmente agora que ele havia se lembrado que não estava com o seu cilindro e suas ferramentas. A velha senhora já subia de volta para a sala trazendo um amontoado de coisas, trazendo um sorriso no rosto:
            – Sempre quis saber para que serve isso... – Ferus olhava tudo atentamente, montando o quebra-cabeça em sua mente.
            – Já sei! Isso vai aqui, aquilo vai ali... – a montagem era rápida, apesar de faltarem algumas peças. – Hun...
            – Algum problema? – a senhora estava animada com aquilo.
            – Você viu o meu cilindro? É um negócio desse tamanho, prateado com uma alça comprida... – Ferus tentava demonstrar como era o objeto fazendo gesto para ser mais bem compreendido.
            – Sinto muito, os trapeiros levaram tudo. Só não tiraram os seus órgãos porque se assustaram comigo...
            – ...! – Ferus sentia que as coisas naquele planeta não eram, definitivamente, normais. – Isso complica as coisas... Eu preciso soldar aqui e ali, e também... estou morrendo de frio! – ele tremia, sentindo um vento que via por debaixo da porta.
            – Ah! Desculpe-me! Roupas são caras por aqui, mal tenho o que vestir... Se bem que... – a senhora foi para o quarto e voltou trazendo um macacão prateado. – Era do meu filho, mas ele não usa mais por sentir que está apertado. Não tenho calçados, ele os vendeu anteontem para comprar mais drogas.
            – Obrigado. Você deve ser a melhor mãe do mundo... – Ferus tentava elogiar, meio sem saber se deveria dizer.
            – Meu filho não vai voltar... – finalmente as lágrimas escorreram pelo seu rosto. – Como mãe eu sei que o perdi no momento em que as drogas tomaram conta dele. – Dinha foi para o quarto, chorar escondida.
            – ... – Ferus tentava agir conforme o seu coração lhe pedia. – Eu tenho que concertar essas coisas!
O castelar se vestiu e foi para o porão da casa, talvez tivesse mais sorte. O que ele viu o surpreendera deveras após ligar as luzes. Com os olhos fascinados, Ferus contemplava um galpão enorme abarrotado de máquinas diversas de todos os tamanhos:
– Pelos reis de Newho! Isso deve ser mais que o suficiente!

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