segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Devil's Drink 25 - Ponto de Ônibus

Bem vindo Noite Sinistra, seja bem vindo ao meu humilde bar... :)
Devil’s Drink 25 – Ponto de Ônibus

 

            Numa noite chuvosa, o jovem Samuel chegou ao ponto de ônibus depois da faculdade. Sentou-se ali embaixo e começou a pensar na vida, nas repetidas vezes em que esteve nesse ponto após ter estudado tanto. Colocou os fones de ouvidos para escutar música e relaxou. Sempre tinha um homem alto e engravatado que aparecia naquele mesmo horário, vindo provavelmente do escritório em que trabalha. Já era costume de Samuel ficar observando aquele sujeito que ficava esperando o ônibus quase dormindo de tanto cansaço. Eles tomam ônibus diferentes e nunca conversaram, mas é sempre a mesma repetição, o estudante chega e em seguida o engravatado. Naquela noite chuvosa não foi diferente e Samuel logo avistou aquele homem.
            O estudante viu aquele trabalhador correndo na chuva, se molhando inteiro e achou graça daquilo. Por fim, depois que aquele homem tentou secar o pouco que podia, Samuel acabou sorrindo pra ele. O senhor achou estranho e encarou aquilo com maldade:
            – Algum problema? – disse com ar austero.
            – Desculpe... – Samuel tirou os fones de ouvido. – O que disse?
            – Algum problema moleque? – seu ar de cansaço devia estar estressando-o.
            – ...! – Samuel recuou, engoliu a seco e continuou. – Porque diz isso senhor, o que lhe fiz?
            – Não me venha com insinuações! Bem vi que estava rindo de mim! Confesse! – o sujeito estava bravo, deixando Samuel com medo.
            – Eu... Eu só...
            – Vamos, diga! Que graça tem em ficar rindo de mim só porque a chuva me pegou sem guarda-chuva!
            – Eu só queria ser gentil... – o homem ainda estava pulsante de raiva. – Nos encontramos tantas vezes neste mesmo lugar, neste mesmo horário, sem nunca nos falarmos... Eu só queria dizer oi...
            – Hum... – o homem se acalmou, vendo que o jovem estava constrangido, quase chorando. – Me desculpe, eu... Eu ando muito estressado com o trabalho...
            – Não tem problema... Ninguém liga pra mim mesmo...
            – Como assim? Aconteceu alguma coisa com você? – o sujeito queria se redimir por ser tão rude.
            Samuel olhou para baixo e sorriu de entremeio, acabando por falar com o estranho:
            – Ninguém me nota... Ninguém sabe pelo que eu passo... Ninguém me entende...
            – Problemas na faculdade?
            – Como sabe que eu faço faculdade?
            – Errr... Bem, eu também notei que nos encontramos aqui sempre no mesmo horário. Você estuda na faculdade no fim da rua, não é? Já te vi levando algum projeto com o logo de lá. Estou certo?
            – Sim... – Samuel sorriu. – Os estudos não são fáceis, tenho estudado muito nos últimos meses, estou quase me formando...
            – Que bom! – O sujeito sorriu, tentando alegrar o jovem rapaz. – E o que você estuda?
            – Arquitetura e urbanismo... Mas não é disso que me refiro...
            – Então são problemas com a namorada? Nessa idade é comum não ter tempo pra ficar com a sua garota...
            – Talvez, mas também não é isso...
            – Então, deve ser a sua família? Eles te ignoram e não correspondem a suas expectativas, estou certo?
            – Não... Eles fazem o que podem e não espero nada deles... – Samuel olhava para o outro lado, tentando esconder a vergonha.
            – Então o que é? Seus amigos não te ajudam com seus problemas?
            – Está aí uma boa questão... Não tenho amigos pra esses casos, resolver minhas dúvidas não é fácil. Acho que me sinto sozinho afinal...
            O trabalhador não ouviu as últimas palavras de Samuel, estava com tanto sono que acabou dormindo sentado. Como qualquer um que dorme no lugar errado, ele acabou pendendo a cabeça para o lado que por fim desceu justamente em cima do colo de Samuel. O rapaz voltou a enrubescer. Nunca ninguém tinha dormido assim na sua frente. Ele não sabia o que fazer, via os poucos carros passarem pelos pingos de chuva sem se mover, pois podia incomodar o senhor engravatado. Samuel o via dormindo em plena paz, deveria realmente estar precisando dormir. Seu ônibus passou direto, ele não deu sinal, se aquele homem continuasse dormindo e estivesse sozinho, poderia ser assaltado, pensou o estudante, e ficou ali, parado, observando. Ele se sentia tão bem cuidando de alguém, seus sonhos e suas emoções vieram à tona de não se sabe onde, molhando seu rosto. O senhor acordou enquanto ele enxugava as lágrimas e posou a mão na face dele:
            – Porque está chorando?
            – Acho que é emoção... Tristeza e felicidade... Tudo junto...
            Naquele momento, Samuel sorria e chorava ao mesmo tempo. O senhor se endireitou, ainda tocando no rosto dele e se aproximou. O rapaz estava parado, deixando as lágrimas rolarem. Olhou para mão do sujeito e viu uma aliança dourada em seu dedo:
            – É melhor você voltar para a sua família... – seu tom era triste.
            O homem se recompôs, olhou para a rua e viu seu ônibus vindo, dando sinal antes que ele passasse direto. O ônibus parou e, assim que subiu, voltou-se para o estudante:
            – Meu nome é Conrado...
            – Meu nome é... – as portas se fecharam. O motorista não havia notado que o senhor estava falando e partiu abruptamente. – Samuel...
            O estudante ficou esperando o ônibus sozinho, naquela noite fria e chuvosa. Até se lembrar de algo...

...

            Na manhã seguinte, Conrado acordou diferente, sentia algo novo dentro de si, uma felicidade que nunca tinha sentido antes. Levantou-se alegre, dando bom dia para todos, como se tivesse tido o melhor de todos os sonhos. Ele saiu de casa adiantado, nem ligava para o emprego chato do escritório que sempre lhe estressava por causa da incompetência de seus colegas que deixavam tudo nas mãos dele. Aquele dia era diferente, o sono que tivera naquela noite restituíra completamente a sua vontade de viver.
No trabalho, estava esbanjando dedicação, não sentia a mesma chateação de sempre. Nada o incomodava:
– O que é isso Conrado?! Nunca te vi assim?– perguntou um colega enquanto eles almoçavam.
– Hahaha... O que uma noite bem dormida não faz?!
– Verdade! Não tenho dormido bem. Acontece tanta coisa nessa cidade, tanto assassinato... Você já viu o jornal da tarde? – Conrado não notou a capa e pegou o jornal sem olhar pra ele.
– Você me empresta? Quero ler mais tarde, estou cheio de ideias na cabeça... O escritório poderia ser reformado, o que acha?
– Você que sabe senhor avoado. Depois a gente se fala! – já estava no fim do horário de almoço e eles se despediram.
De volta ao escritório, ele olhou pela janela e avistou aquele mesmo ponto de ônibus, se lembrou do rapaz e pensou consigo mesmo: “Deve ser isso! Preciso contar pra ele quando nos encontrarmos hoje!”.
...

No mesmo horário após o expediente, ele foi para o ponto de ônibus. Sentando-se no mesmo lugar, notou algo estranho, o rapaz não estava lá:
– Mas, ele sempre chega antes de mim! – Conrado resolveu esperar, queria contar o grande dia que estava tendo, compartilhar com o rapaz o que estava sentindo.
Vários minutos depois. Nada. O ônibus do estudante passou e Conrado teve uma ideia. Fez sinal para o ônibus e perguntou ao motorista:
– Quando passa o ultimo ônibus dessa linha? Tem um rapaz que sempre pega ele nesse horário e...
– Este é o ultimo, não tem mais ônibus nessa linha até de manhã! – o motorista fechou a porta e partiu vendo que o homem não subiria, para terminar logo o trabalho e ir dormir.
Conrado sentiu seu coração apertar, havia alguma coisa errada. Ele fez o rapaz perder o último ônibus e algo pode ter acontecido com ele. Sua mente se enchia de ideias obscuras, deixando-o pálido e apático.
O ônibus dele chegou, ele fez sinal e entrou. Lembrou-se de ter pegado o jornal da tarde que o amigo lhe dera e tentou lê-lo para se acalmar. Na capa, ele viu algo que o deixou congelado. Em letras garrafais, Conrado leu a triste notícia:
– Estudante de arquitetura é morto ao tentar voltar pra casa tarde da noite...
...

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