Eu odeio a guerra
Texto enviado em partes ao
Conselho de Nopporn no terceiro milênio do calendário dos Senhores de Castelo,
datando de alguns anos depois da grande batalha sombria.
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Primeiro fragmento: “Já fui rei,
já tive nações ao meu comando, já enfrentei inimigos miseráveis, cruéis e
perturbados... e vi pessoas morrendo por mim. Eu me odeio por isso, não pude
fazer nada para salvá-los...”
“Quando perdi tudo e acordei para
a realidade, me vi desejando que um simples pedaço de terra fosse o suficiente
para gerar comida para toda uma nação...”
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Segundo fragmento: “Meu planeta
possui uma rota nos mares boreais que qualquer grande império desejaria ter ao
seu comando, uma rota de comércio precioso que só gera perturbações e guerra
atrás de guerra, batalha atrás de batalha. Não me lembro de um único ano de meu
reinado onde os rios vermelhos e a chuva de cadáveres não tenham se feito
presente no cotidiano de meu amado povo.”
“Numa batalha derradeira, meu
reino foi tomado pela Irmandade Cósmica... Vi meus principais súditos serem
queimados nessa maldita luz cósmica que eles dizem purificar o espírito,
libertando a alma de todos os pecados que se cometeu. Eu não acredito nisso...”
“Passados alguns anos perambulando pelas
vastas terras, após ter escapado da Irmandade, tentei me estabelecer em um
pequeno povoado que fica longe dos portões boreais e que antigamente o meu
exército evitava a todo custo que participasse das matanças irracionais que os
planetas vizinhos insistiam em ter para com o nosso humilde lar. Eles viviam
felizes, me alegrei por algum tempo com isso. Dava até para sentir que a vida
valia à pena. Trabalhei no campo, senti o poder vital que a terra tinha. Era
como se ela estivesse viva! Os anciões do povoado gostaram de mim e me
ensinaram o poder da maru, o poder de estar conectado com a alma de tudo, a
energia que faz tudo existir e que sempre usaram para manter as colheitas
perfeitas. Não sei se o poder respondeu ao meu sangue real, ou a minha vontade
de livrar todo o meu povo das mãos da Irmandade Cósmica, só sei que eles me
disseram que eu poderia ser o escolhido e que nunca viram tamanha conexão com o
plano transversal. Eu podia ver os elementais com clareza... Foi aí que o vento
trouxe aos meus ouvidos a desconcertante notícia de que as minhas crianças
estavam sendo objeto de experiências medonhas.”
“Não havia como ficar parado, eu
tinha que enfrentar a Irmandade Cósmica de um jeito ou de outro, eles não podiam
continuar a abusar da natureza e das pessoas como se tudo o que fizessem estivesse
simplesmente certo. Orei para a alma do mundo e pedi-lhe que me ajudasse a
livrar o planeta dessa raça de hereges que enganam o multiverso com a sua falsa
verdade. Eu tentei...”
“De alguma forma os malditos
fizeram o inimaginável, eu estava lá, lutando bravamente para chegar o mais
perto que podia do Grande Irmão que lidera a seita e, quando percebi, ele
apenas me tocou com um único dedo e pude ver o meu próprio corpo cair no chão,
inerte... Eles arrancaram a minha alma do lugar!”
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Terceiro fragmento: “Eu não sei
como ainda posso estar consciente e continuar a escrever esta mensagem...
Espero que este novo grupo especial de combate chamado de Senhores de Castelo
de que ouvir falar possa um dia salvar o meu pequeno planeta, a minha terra
natal.”
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Quarto fragmento: “Passado alguns anos, eu os
vi construírem grandes prédios que subiam até o céu e a formarem zonas
infindáveis de lixo que as suas cidades iam produzindo, deixando do lado de
fora os classificados como descartáveis. No centro da antiga capital de meu
reino, onde ficava meu lindo castelo, eles ergueram três cidades, a de baixo –
com prédios pequenos de até trezentos metros; a de cima – que possuía mais de
mil e quinhentos metros de altura e no topo dos edifícios uma grande plataforma
que os unia, formando uma cidade completamente diferente da inferior; e por fim
a indescritível Cidade Aérea – tudo que sei é que ela possui uma coluna como
base, ela é tão alta que as nuvens impedem qualquer um de enxergá-la. Com isso,
em apenas alguns anos, as construções mirabolantes dominaram tudo e a natureza,
antes tão vivaz e que iluminava as minhas manhãs com algum alento, estava
completamente morta.”
“Percebi que a Irmandade Cósmica
tomara de assalto um planeta próximo que era habitado por robôs, conhecidos
como a Legião Parafuso. Originalmente sua programação permitia conviver com
qualquer ser vivo e extrair matéria-prima de qualquer lugar sem prejudicar
ninguém, esperando o tempo certo das podas. Coletavam minerais sem modificar a
paisagem, tudo em perfeita harmonia com o meio ambiente. Agora eles são
escravos usados para matar os intrusos e dissecar completamente os recursos
naturais do planeta. Só os deuses sabem o quanto a Irmandade Cósmica é ruim...”
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Quinto fragmento: “Soube que a
Ordem dos Senhores de Castelo mapeou parte do multiverso e que definia os
planetas conforme a magia, a tecnologia e outros aspectos de desenvolvimento.
Creio que o meu planeta era do primeiro quadrante enquanto eu reinava,
despontando alguma influência mágica. Sob o poder opressivo da Irmandade, ele
com certeza tornou-se uma potência do quarto quadrante. O poder bélico impede
que nave alguma entre na orbita do planeta sem ser identificada, pois será
sumariamente abatida se prosseguir sem maiores explicações. Meu mundo está
fechado para visitas...”
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Sexto fragmento: “Ouvi dizer que
os Senhores de Castelo expulsaram a Irmandade Cósmica de alguns planetas,
espero que um dia eles possam vencer a maldita Luz Cósmica que corrompe os
corações do meu amado povo.”
“Por favor, se alguém estiver
lendo estas mensagens, avise os Senhores de Castelo, meu mundo precisa de
ajuda...”
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A data que o texto indicava de quando fora feito era do ano
quarenta e sete do mesmo calendário castelar...