sexta-feira, 11 de maio de 2012

Devil's Drink 14# - O porão


            –Como é que é?! –Indagou En’hain.
            –Vamos ao porão... – Disse Gunshin procurando por algo no meio do chão atrás do balcão.
            –Que porão?! Essa casa, esse bar... tem um porão?!
            –Sim... Achei! – Não dava para ver o que o dono do bar fazia, mas deu para ouvir o barulho de uma chave virando.
            En’hain estava estranhando tudo aquilo e foi para trás do balcão lentamente:
            –Que merda é essa?! – En’hain se deparou com um buraco no chão, não havia porta nenhuma, nem fechadura e muito menos um dispositivo que pudesse esconder uma parede falsa.
            –É uma escada, por quê?
            –...! – Tinha fumaça saindo da cabeça de En’hain que estava com a cara fechada. – Nada não... Você sempre me escondendo alguma coisa. Vai me dizer que aqui também tem um sótão, não é?
            –Não, não tem... Você queria um?
            –Deixa pra lá... O que a gente vai fazer lá embaixo mesmo? – Gunshin pulou dentro do buraco que possuía um desnível e continuo descendo pela escada. – Ei, me espere!
            O porão do bar, se é que se podia dizer isso, era um lugar amplo, cheio de prateleiras com garrafas velhas e esquecidas, provavelmente uma adega. No entanto, haviam mais coisas, haviam caixas, baús, entulho jogado em cima de entulho, “Um verdadeiro ferro velho”, pensou En’hain.
            –En’hain! – Chamou Gunshin. – Venha aqui, tem algumas caixas para você levar lá para cima!
            –Sim! Onde você está? Não estou te vendo! – De repente, um estalo de dedos e algumas lamparinas espalhadas pelas colunas de sustentação acenderam, iluminando aquele vasto local que parecia não ter fim, talvez por nem todas terem acendido. En’hain pegou uma delas e se pôs a andar na direção da voz de Gunshin.
            –Vamos logo! – Gritou Gunshin. – Eu já vou levar metade lá pra cima.
–Dá um tempo, caramba! Não dá pra ver nada direito aqui.
–Pare de ficar com medo! E venha logo pegar essas garrafas de Devil’s Drink! – A voz estava distante e a cabeça de En’hain soltava fumaça...
–Velho desgraçado, nunca me diz o que está realmente fazendo... – Resmungava En’hain baixinho, tentando não ser ouvido pelo dono do bar.
–Pegue as caixas de Devil’s Drink! – Falou alto mais uma vez.
–Que caixas?! – En’hain bateu o pé em alguma coisa. – Ai! Cacete! Ahn... Heheh, achei!
En’hain havia batido justamente nas caixas de garrafas que Gunshin havia mandado procurar. Notou que ao lado estavam marcas de algo que foi movido recentemente:
–Filho da mãe! Que raiva! Já me deixou largado aqui! – En’hain ficou vermelho. – Bom, é o jeito.
Pegou as duas caixas que haviam ali com uma das mãos e com a outro foi apoiando, enquanto segurava a lamparina para não se perder, e foi votando em direção a escada... “Que escada?”, se perguntou, pois não conseguia saber onde aquela escada estava no meio daquela imensidão.
–Fudeu! – Disse preocupado. – Gunshin, onde está você?!
–... – Ninguém respondeu.
–Só me faltava essa! – E continuou andando. – Como é que eu vou fazer pra sair dessa imensidão? Opa! O que é aquilo ali?
En’hain se distraiu com algo grande com um lençol branco por cima, deixou as caixas de lado e foi olhar. Puxou o pano e descobriu um espelho, um pouco maior que ele na qual começou a se ver. Ele se sentiu estranho, num primeiro momento sabia que era ele, mas não se reconhecia. O que ele via era alguém de cabelo prateado, olhos de pupila rasgada verticalmente com fundo vermelho. Os dentes eram apenas caninos, muito salientes, como um tubarão, só que metálicos. Suas unhas, também metálicas, mais pareciam como as garras dos nekos.
–Que porra é essa...
–Nossa que demais! – Disse Gurei admirando o espelho.
–CACETE! Que susto você me deu agora!
–Do que você está falando? Eu acenei pra você pelo espelho.
–Espere aí... – En’hain se virou de volta para o espelho e tomou outro susto. – Eu só consigo me ver!
–Verdade... Eu também só consigo me ver. Nossa! Como eu estou bonito! Caramba! Posso ver meu outro olho! – Gurei admirava uma imagem diferente dele, alguém muito parecido e que não usava tapa-olho.
–Para tudo! – Disse Lady Neko que apareceu do nada. – Gente! Como eu estou magra, linda, maravilhosa e magra, miau!
–Lady Neko, você também?! – Indagou En’hain. – Você disse magra duas vezes? Vê se te enxerga mulher!
En’hain disse aquilo e outras coisas, mas nenhum dos dois ligou para ele. Mas o que mais o preocupava era sua própria imagem: “Porque eles estão gostando do que estão vendo e eu nem consigo me reconhecer?”, pensava ele.
Do lado de fora, Gunshin esperava pacientemente que En’hain e os outros saíssem:
–Ele está demorando demais...
–Nyaaa! – Fez Akai se debruçando por cima do balcão para ver o buraco.
–Vá lá ver o que eles estão fazendo. – Mandou, sem mais nem menos.
–Nyaaa?! – Akai desceu do balcão e se escondeu.
–Quer me perguntar alguma coisa, Akai? – O pequeno voltou a parecer pela frente do balcão, tentando evitar o olhar de Gunshin.
–O Espelho de Narciso está lá embaixo, não é? – Perguntou Akai sem problemas.
–Você já conheceu esse espelho, pequeno? – “Akai parece saber mais do que demonstra”, pensou Gunshin.
–Esse espelho maldito já trouxe muitos problemas à Vila dos Gatos. Por que ele ainda está aqui?
–Você verá... – Disse sorrindo.
–AAAAAAAAAAH! – Alguém gritou lá embaixo.
Akai ficou muito assustado, indo para frente do balcão de novo, Gunshin nem ligou:
–Está feito! – O dono do bar se alegrou.
Lá embaixo, o espelho estava quebrado e En’hain estava agachado em posição fetal, se lamuriando:
–Porque comigo? Porque comigo? – Ele escondia a cabeça atrás dos joelhos enquanto se balançava pra frente e pra trás.
Os dois nekos pareciam estar acordando do transe e perceberem que En’hain havia gritado. Gurei levantou a lamparina para iluminar En’hain melhor e deparou se com aquela cena inusitada:
–Mas o quê? En’hain, você está bem?
–Amore, tudo bem? – Perguntou Lady Neko.
–Minha vida terminou... – Disse En’hain, ainda escondendo o rosto.
–O que aconteceu com o seu cabelo? – Continuou Gurei. – Vamos, levante o rosto para que eu possa ouvir melhor...
En’hain levantou, ainda com muito medo, para que os outros pudessem vê-lo, temendo o que pudessem dizer. Gurei viu e não conseguiu segurar:
–Hahaha... – Gurei dava risadas altas.
–En’hain... Você está tão... diferente!
–Acho que foi aquele maldito espelho...
–Vocês três, venham logo! – Disse Gunshin.
–Sim... – “Velho maldito desgraçado que só me mete em mais encrenca...”, pensava En’hain emburrado.
Os três se dirigiram para fora do porão logo que viram a escada, que aparentemente apareceu assim que Gunshin os chamou. Gurei saiu primeiro, depois Lady Neko e por fim En’hain, que não queria sair de trás do balcão:
–O que você ainda está fazendo aí? – Perguntou Gunshin.
–Eu não vou sair daqui...
–Saia logo, eles precisam ver como você está... – Insistiu Gunshin.
En’hain estava envergonhado e não conseguia tirar as mãos das costas. Gunshin o puxou pelo braço e finalmente todos firam o que estava atormentando En’hain. Conforme ele vira no espelho, ele estava daquele jeito, cabelos prateados, olhos de pupila rasgada com fundo vermelho, seus dentes e garras estavam afiados e eram feitas de metal. Só havia um detalhe que faltava:
–Hahaha... Uma calda?! – Gurei ria muito alto.
–Para de rir seu palhaço!
–Ui! Cuidada com essa boca... tubarão!
–Ninguém merece... – Saia muita fumaça da cabeça de En’hain, uma veia na sua testa estava saltada e mostrava um sorriso forçado com seus novos dentes afiados. – Gunshin, por favor, tem como reverter isso?
–Na verdade... Não. Não foi o espelho que fez isso com você...
–Mas, então... O que significa isso?
–É a sua transformação que continuou. Acho que já deve estar estável agora.
–Fudeu... – Lágrimas metálicas despontavam no canto do olho dele.
Akai ouviu a conversa e finalmente saiu de onde estava escondido, indo subir nas costas de En’hain:
–Nyaaa! – Fez ele feliz, usando a nova cauda de En’hain para subir.
–Ai, cacete! – O draconiano gemeu de dor. – Akai, é você, é?
–Nyaaa! – O pequeno neko estava muito feliz com En’hain, não demonstrando estranhar as novas condições de seu mestre, já que havia ficado muito mais fácil subir em cima dele. O dono do bar ficou olhando para Akai enquanto ele brincava na cabeça de seu barman: “Esse neko”, pensou Gunshin, “é bom que eu tome cuidado com ele”...
–En’hain? – Lembrou Gunshin. – Onde estão as caixas?
–Putz... Sabia que tinha esquecido alguma coisa...
–Hahaha... – Gurei continuo a rir de En’hain, que apontou sua nova cauda pra ele e que abriu em vários espinhos de metal, enquanto olhava para Gurei com olhar assassino. – Vixi!
E todo mundo riu daquela situação...

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Recomendação!

Já faz algum tempo, eu comprei um livro procurando por um tipo de ficção que não fosse relacionada a culturas pré-existentes, tinha cansado de ver anjos, espíritos e outros conceitos comuns serem utilizados tão largamente. Queria algo novo... Para a minha surpresa, o livro que havia comprado era nada mais nada menos que de autores brasileiros! E a melhor parte é que eu adorei!

Acreditem, este livro tem uma mapa!

Mais recentemente, comecei a procurar por mais conteúdo e, novamente para a minha surpresa, o segundo livro está prestes a ser lançado!


Este é mais foda, tem DOIS mapas!


Não preciso dizer o quanto eu quero esse livro...
QUERO QUERO QUERO QUERO QUERO QUERO QUERO QUERO QUERO

Crônicas dos Senhores de Castelo possui dois sites:


Este é um site mais promocional, onde você pode fazer o download dos primeiros capítulos de cada livro, além de ter outras informações disponíveis... Precisava ser atualizado mais vezes...



Este por sua vez é um site onde os Senhores de Castelo se reunem, possuem contos fora dos livros, além das novidades acerca dos autores e da produção dos livros... Não é atualizado desde Novembro e estamos em Maio!

Pra compensar a ausência de mais novidades - é díficil ser só escritor nesse Brasil de meu Deus, né gente? - segue aí o link para quem quiser curtir Crônicas dos Senhores de Castelo no facebook... (também tá precisando de mais novidades...)


Para terminar, segue aí o link do Booktrailer do primeiro livro, criado por um fã, ainda não é a perfeição que eu gosto de imaginar, deveria ter aparecido o... Vocês acham que eu vou contar? Leiam o livro!


Literatura brasileira contemporânea, AVANTE!
Wa puma!

Diário de um Alquimista - Lição 1


Importância


            –Me diga Senhor Gunshin, o que é importante? – Perguntou En’hain no meio do estudo de seus livros.
            –E porque queres saber? – Retrucou secamente o dono do bar.
            –Por um único motivo, nunca consegui responder a essa pergunta.
            –E por que achas que é tão difícil responder a essa simples pergunta?
            –Por que eu não compreendo o que é a importância, para o rico é importante ser rico, mas muitas vezes ele não é feliz com o que tem; para o pobre também é importante ser rico, mas muitas vezes ele é feliz só com o que tem. O que mais me frustra nisso tudo é a morte, para ela nada é importante, no fim não o importa o quanto tenhamos coisas que nos são importantes, elas nunca nos pertencem.
            –Será?
            –Pois bem, ser humano acaba se baseando nessa coisa toda de estar vivo, de aprender, de conviver e por fim, morrer. Aliás, não necessariamente nessa ordem, morrer pode vir e desfazer possibilidades que teriam sido perfeitas, que poderiam ter deixado como legado grandes ensinamentos.
            –E o que pensas sobre a morte?
            –Um ponto, um final de parágrafo, a continuação nunca vai ser a mesma de antes, o assunto seguinte é sempre diferente.
            –Temes tanto assim a mudança?
            –Decerto que sim. Não estou me referindo às boas mudanças que ampliam possibilidades e nos levam a crer no que precisamos quer; refiro-me às mudanças bruscas, às quedas repentinas... Enfim, estou me referindo à desgraça.
            –E o que é desgraça para você?
            –Em resumo, sonhos quebrados, felicidade desfeita, ficar amargurado com a vida. Tudo aquilo que deixa uma impressão contrária à vida que, por sua vez, deveria ser a possibilidade de ir além, de melhorar, de batalhar e merecer aquilo que se conquistou. Muitas vezes você tem um lugar para chegar que fica atrás de um muro...
            –Acaso não podes fazer o que quiseres?
            –Pois então, vos digo mais uma coisa, poder é algo que precisa de conhecimento e tempo para ser conseguido. O velho morreu tentando encontrar a felicidade que não conhecia e o sábio não tinha tempo para ser feliz. Esse conflito de ideias me deixa louco!
            –E porque isso é importante pra você?
            –Justamente... Estou tentando me entender. Porque a miséria ficava nos sondando quando eu ainda morava com a minha família. Deveria ser importante que eu cuidasse deles, eu deveria ser o responsável por sustentar a família como o filho mais velho. Mas nunca me senti apto a assumir esse cargo, nunca fui respeitado por eles, nem sei se eles se importavam comigo de verdade. Nunca me senti amado, o que me é a coisa mais importante.
            –E o que tens aqui, não conta?
            –Não me vá fazer que nem o Gurei! Você mesmo deveria entender o quão frágil me parece tudo isso, estar num lugar que me é tão bom, quando sempre tive dúvidas se um dia eu seria feliz. Eu estou batalhando para manter tudo isso enquanto posso, mas o fantasma da desgraça me assombra.
            –...
            –Não vais me dizer mais nada?
            –Você já sabe o que é a importância, então porque me perguntou?
            –Porque não sei se o que é importante pra mim é realmente importante. Coisas importantes não deveriam acabar, não deveriam sumir, não deveriam morrer. Aqueles que são amigos hoje, não se verão amanhã e ainda assim serão amigos num outro dia. No entanto, se houver algo que quebre essa confiança, eles nunca mais irão querer se ver. Isso não era importante. Digamos que eu queria acreditar no amor, mas nem sei se isso é realmente possível. Pessoas como eu são odiadas por pessoas que nem ao menos tentam entender o quanto sofro. Justamente na hora em que eu quero acreditar, algo ruim me acontece, me decepciona e eu me arrependo de ter acreditado...
            –E por que continuas acreditando?
            –Talvez porque sonhar não custa nada, sempre parece tão bonito antes de quebrar e levar embora mais um pedaço de mim. Juro que nada mais me magoa do que ver isso todo quebrado. E não me diga que eu posso juntar os pedaços, eu ainda continuarei vendo a porcaria da rachadura. Ser, se tornar e não ser mais, o que realmente é importante?
            –Isso depende só de você...
            –Eu não queria que fosse assim, tudo que consigo sentir é um vazio, principalmente porque não me sinto afim com mais ninguém. Só eu tenho o problema e quando tento solucioná-lo, parece que as pessoas se lembram do que fizeram e se afastam de mim.
            –Deve ser porque pessoas de verdade não se importam com isso.
            –É, nos tempos de hoje está aí algo muito difícil de encontrar. O mundo parece perdido na falsa felicidade, se embriagando ao tentar esquecer-se dos erros do passado, entorpecido no próprio veneno. É angustiante perceber isso.
            –Apenas cuide de seu mundo... Se ele for pequeno, cuide dele com todo cuidado, se ele for grande, terás grandes batalhas ainda para reivindicá-lo com lar. Cuide da Toca dos Gatos, deixe o mundo para quem realmente se importa e vai cuidar dele.
            –Só não queria ver ele assim e não fazer nada...
            –Deixe seu pequeno mundo seguro, se algo acontecer, persista.
            –Sim, vou tentar... Mas não diga que não avisei...
            –Não precisa, isso não é importante...
            –...!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Recomendação!

Este é um blog fantástico de contos de vampiros e terror que não poderia ter nome melhor!

http://www.contosdevampiroseterror.blogspot.com.br/

Seu autor é Adriano Siqueira, também autor do livro ADORÁVEL NOITE e convidado: AMOR VAMPIRO, DRACULEA 1 e 2, METAMORFOSE e TRATADO SECRETO DE MAGIA, EXTRANEUS 2, ESPECTRA e SOCIEDADE DAS SOMBRAS. Enfim, livros para consumir ferozmente!



Ao ler um dos contos, "Mentiras são rosas no jardim do mal", confesso que fiquei com medo - sou meio fraco para sentir o desespero e angustia dos outros... Mas o fato é, mesmo suando frio, mesmo se o sangue escorrer, você não vai conseguir parar!

Minha impressão sobre o final me fez pensar em coisas... Leia! Eu não vou dizer o que é!

Ainda sou pouco experiente em fazer minhas histórias, mas definitivamente tenho que agradecer ao Adriano pelo apoio no twitter (@adrianosiqueira) e por ser uma inspiração num país mais pra lá do que pra cá - sei que vocês sabem do que estou falando, vaso ruim não quebra...
Pensando no desfecho do conto, bebi uma Devil's Drink e saiu o 13º shot, sim, número 13! Um número perfeito! Só tenho a agradecer! ^^


Ah, e não posso me esquecer, ainda sai esse ano o novo livro do Siqueira: "A MALDIÇÃO DO CAVALEIRO", confira o book trailer no you tube:


 

Literatura brasileira contemporânea, AVANTE!

Devil's Drink 13# - La Estrega

            Esta é uma história que os clientes do bar costumar contar, alguns dizem que é macabra, outros que é um romance. Leia e descubra o que foi que aconteceu...
            “Ela era linda, de sorriso meigo e gentil”, dizia um rapaz pálido, enquanto chorava, “Ela era a mais perfeita das mulheres, Serena... Sim! Que belo nome! Este era o nome daquela moça que eu havia conhecido. Ela estava perdida, não sabia para onde ir. Era noite de lua cheia, decidi ir com ela, para protegê-la caso algo acontecesse. Ela sorria com muita doçura, tanta que eu jamais tinha visto, resplandecendo mais que o luar. Sua pele era suave e me levava pelo braço como uma folha solta no ar. Eu estava alegre, sentia meu corpo entorpecer com algo que não entendia, mas me deixava levar. Veja, somos nós que estamos vindo por aquele caminho!”
            O jovem desaparecia, e a história continuava sobre os dois que se apaixonaram a primeira vista, davam risadas a toa, como se a vida não passasse de uma grande alegria. O céu estava limpo, fazendo da lua um holofote só para eles:
            –Qual é o seu nome? – Perguntou a moça, sorrindo abertamente.
            –Meu nome é Lorenzo. Engraçado, eu nunca te vi por aqui...
            –É raro que eu saia, apenas isso. Por isso me perco tão perto de casa. Vamos logo, estamos no caminho certo. Não quero que fique muito tempo no frio da noite.
            –Não se preocupe bela dama, já andei muito por estes caminhos. Sei bem por aonde vamos, logo a frente há uma casa abandona...
            –Me desculpe... – Interrompeu a moça. – A casa não é abandonada, é lá que eu moro...
            –Perdoe-me vós então pelo que vou dizer, há muito já entrei naquela casa quando menor e nunca encontrei ninguém morando sequer pelas redondezas. A histórias sobre criaturas medonhas que vivem deveras por estas bandas assustam qualquer coração valente por tamanha ousadia. Dizem que nem os lobos ousam dormir por aqui por causa das risadas incessantes que se ouve na calada da noite...
            A moça despontou a chorar, parada no meio do caminho com as costas dos braços no rosto tentando não demonstrar sua tristeza:
            –Aconteceu alguma coisa, jovem donzela? Acaso me perdi demais em minhas palavras e deixei escapar algo que não lhe convinha?
            –É que... – Tentava segurar o choro. – Minha família é muito pobre. Minha mãe morreu quando eu nasci e desde que meu pai faleceu, perdemos nossa casa, e nos refugiamos, eu e minhas irmãs, naquela velha cabana.
            –Não chore pobre moça, não sou de muitas riquezas, mas prometo-lhe que dividirei convosco o que eu puder. – Lorenzo então tirou do bolso o lenço que carregava, bordado a mão com as iniciais de seu nome por sua mãe e enxugou ele mesmo o rosto da moça que tentava se esconder, desviando o olhar.
            Seu rosto era perfeito, seus olhos transmitiam-lhe certa decepção e languidez, o nariz ela delicado como um floco de neve de inverno, as maçãs do rosto estavam coradas, seu respiro quente era excitante demais. Lorenzo não se conteve, já estava naquela ansiedade a tempo demais e beijou-a, com toda a ardência que seu corpo tinha, tentando se conter para não assustar a moça. Parou por um instante, temendo que quando abrisse os olhos sua repentina amada o desprezasse e lhe fugisse dos braços. Quando finalmente abriu, viu que ela ainda permanecia de olhos fechados e recostava sua face na palma de sua mão:
            –Desculpe-me. – Disse Lorenzo, tentando esconder o encabulamento, afastando-se da moça. – Sou um estranho para a senhorita e lhe fiz tamanha perversão, assim, sem mais nem menos.
            –Não precisa se desculpar, na verdade, lhe sou muito grata, nunca fui beijada por ninguém...
            Lorenzo sorriu e permaneceu quieto. A moça, benfazeja depois de tamanho agrado, queria continuar logo a caminhada, já era tarde, suas irmãs deviam estar preocupadas. Se aproximando da casa, Serena apontou para a luz na janela que apagava:
            –Veja, minhas irmãs já estão indo dormir, cansaram de esperar por mim. Vamos nos apressar!
            –Sim! – Lorenzo queria falar algo a mais para a moça, mas não conseguia...
            Chegando a casa envelhecida pelo tempo e que precisava urgentemente de reparos, a moça logo que pode abriu a porta e entrou, no meio do escuro. Lorenzo se preocupou e entrou atrás dela:
            –Serena?! Está tudo bem?! – Lorenzo levantou a lamparina que carregava desde sua casa e viu-se preso numa armadilha. – Por Deus, o que é isso?!
            A sua volta havia pelo menos umas quatro mulheres horrendas, velhas, enrugadas, de feições deformadas que em nada se assemelhavam a seres humanos. Elas olhavam para ele, com seus olhos amarelados, arregalados e profundos. Seus sorrisos eram diabólicos e sedentos. Não havia dúvida, eram bruxas:
            –Ahahaha! – Fez uma delas, a que possuía o cabelo mais ralo. – Você é nosso!
            As mulheres loucas começaram a entoar palavras indizíveis e acenderam um caldeirão sem nem precisar colocar fogo na lenha. Uma fumaça começou a subir e o jovem, estático de pavor, sentiu o mundo girar e desmaiou...
            Tonto e com dor de cabeça, Lorenzo acordou completamente amarrado, como se estivesse num espeto para ser assado. Não lhe amordaçaram, justamente para que gritasse durante o ritual que se seguia. Eles estavam num morro, em volta de um altar. A lua estava no centro do céu e várias outras bruxas começavam a aparecer por todos os lados. Todas elas gritavam extasiadas com alguma bebida que tiravam de um grande caldeirão, muito maior que o que Lorenzo vira:
            –O que querem comigo?! – Gritava desesperadamente. – O que vão fazer comigo?!
            –Tolinho, não vede o que fazemos aqui... – Dizia uma voz familiar um pouco alterada. – Vamos te sacrificar num ritual para o nosso deus! Ahahaha!
            –Esses olhos... – Lorenzo via uma moça com uma máscara que cobria a região ao redor dos olhos e do nariz. – Serena? És tu?
            –Vejo que minha máscara não é o bastante... – Tirou a máscara. – Sim, sou eu!
            –Mas, Serena, por quê?!
            –Você quer mesmo saber?! – Dizia com tom de escárnio. – Porque sou uma bruxa! Ahahaha!
            A bela face se deformou de repente, o que era belo havia se tornado medonho, os dentes tinham forma de serra, pontiagudos. As maçãs do rosto que antes esboçavam ternura e jovialidade estavam estranhamente protuberantes, desfigurando ainda mais sua face. Lorenzo era um rapaz puro, lágrimas corriam pelo seu rosto devido ao desgosto, mas algo de bom ainda lhe permanecia no coração:
            –São os mesmo olhos...
            –O que disse?! – Perguntou Serena, a bruxa.
            –São os mesmos olhos que eu vi. Duas jóias preciosas que perderam o seu brilho para a tristeza. Nem a lua se equipara a sua beleza. Oh, ouvi-me um pouco mais, Serena! Quero lhe dizer tanta coisa escondida em meu peito. Já não me aguento mais! Quero beijar-te de novo, sentir novamente o toque de seus dedos, poder sonhar acordado que estou no paraíso...
            –Ahahaha!!! Ouviram isso irmãs?! Ele viu meu rosto e ainda pensa que vais me enganar com esta falsa lamúria?! Ahahaha! – Todas as bruxas, fora as que ainda estavam extasiadas e gritando grunhidos inintendíveis, estavam rindo bem alto.
            –Vamos logo com isso irmã, nosso mestre não tarda no que promete, não tardamos nós com nossa promessa! – Disse aquela primeira bruxa da casa abandonada.
            –Sim! Irmã! Pegue o machado! – Dizia uma outra que terminava cada sentença com gritinhos irritantes.
            –Serena, não faça isso... Se me tem alguma praga, ei de me empenhar em ter o teu perdão. Eu vos quero bem, esqueceria qualquer coisa para estar contigo...
            –Cale-se! Presas não devem reclamar quando estão sendo abatidas! Aceita teu destino e se ofereça ao nosso mestre! – Serena começou a balançar o machado pesado.
            –Serena, por favor, não faça isso... Argh! Argh! – Umas duas machadadas abriram lhe as costelas.
            Rapidamente as bruxas, com seus dedos esguios, de unhas compridas, feias e afiadas, terminaram de abrir o peito do rapaz. Serena pôs suas mãos lá dentro e retirou o coração pulsante de Lorenzo, arrancando-o com crueldade. Ela levantou alto o coração, deixando alguns pingos caírem em seu rosto e o jogou dentro do caldeirão que começou a borbulhar forte e a levantar grande fumaça:
            –Está feito irmãs! Nosso deus aceitou nosso sacrifício! Viveremos mais cem anos belas e jovens!
            –... – Lorenzo agonizava ainda algumas palavras e Serena voltou para perto do corpo para terminar a estripação. – Eu... esqueci... de dizer...
            Por fim, aquela grande quantidade de sangue pareceu escorrer por seus olhos. A bruxa achou estranho que aquilo ainda acontecesse, mas não ligou e terminou o serviço que fazia:
            –Nenhum homem desgraçado jamais havia me roubado um beijo, você teve o que merecia!
            Mais tarde, quando já amanhecia e a festa das bruxas terminava. Serena estava mudada, as bruxas notaram algo de diferente nela:
            –O que foi irmã? Teve alguma indigestão com as vísceras?
            –Não é nada...
            –O desgraçado havia lhe feito algo antes de chegar naquela casa minha criança?
            –Só estou me sentindo estranha... É como se, é como se...
            –Diga criança!
            –É como se eu sentisse pena daquela homem...
            –Ah! – Fizeram todas, que fugiram dela e desapareceram, pois o sol já iluminava o dia e temiam que suas peles pudessem queimar e envelhecer novamente.
            –Eu não entendi... – Uma pequena lágrima, verdadeira dessa vez, desceu pelo seu rosto. – O que ele queria dizer?
            Então um vulto lhe apareceu em sua frente:
            –Eu queria dizer, que esqueci de dizer, EU TE AMO... – e sumiu.
            –...!

...

            Todos os clientes do bar que tiveram essa alucinação por causa da Devil’s Drink relatam que não puderam ver o que aconteceu a bruxa. Disseram apenas que quando voltaram a si, sentiam um imenso vazio...

terça-feira, 8 de maio de 2012

Diário de um Alquimista

–Danou-se! – Disse En’hain preocupado. – Eu vou ter que estudar alquimia também?!
–Vai... É pro seu próprio bem, vai te ajudar a entender mais sobre si mesmo e sobre os seus poderes. – Finalizou Gunshin.
–Eu não tenho a menor idéia do que seja isso, na verdade.
–Não é muito difícil, vou te explicar. A alquimia é uma arte que desde tempos imemoriais busca a transformação de algo em outra coisa, como a utilização de ervas para a cura, a metalurgia, a escultura, entre outras coisas. Mas o mais essencial que você deva aprender com a alquimia é sobre o plano transversal, a coexistência que existe lado a lado com a humanidade e que, no entanto, passa completamente despercebida. Venha comigo. – Os dois se levantaram da mesa em que estavam e se dirigiram para o quarto de Gunshin no segundo andar do bar.
–Para onde estamos indo? – Perguntou En’hain curioso. – O que vamos ver?
–Se você ficar perguntando, vai acabar assustando elas...
–Elas quem?
–... – O senhor Gunshin encarou En’hain.
–Entendi, entendi...
Naquela época, era primavera na Vila dos Gatos e várias plantas que não agüentariam aquele clima nórdico florescem de maneira esplendorosa. As plantas no quarto do dono do bar não eram diferentes. Estavam floridas, todas as flores, do caule a ponta, enfeitando lindamente a bancada da casa. Gunshin fez um sinal de silêncio, puxou levemente um dos cachos que pendiam de um vaso pendurado no alto e disse sussurrando:
–Ouça...
–...? – En’hain não ouviu nada.
Gunshin colocou a mão no coração de En’hain e continuou falando baixinho:
–Concentre-se...
–...! – En’hain respirou fundo e começou a ouvir risadinhas e burburinhos que vinham das plantas.
Ele cerrou um pouco os olhos para ver melhor e finalmente descobriu o que era:
–Uma fada! – Disse surpreso, sendo rapidamente repreendido por Gunshin. – Uma fada... – Repetiu bem baixinho.
A fada, com suas asinhas de pétalas, voava para lá e para cá, dando um toque muito especial nas flores com seu pó de fada. Notando que estava sendo observada, a pequena parou de rodear as flores por um instante e começou a rodear Gunshin e En’hain. O barman meio que se assustou e ficou paralisado, movendo os olhos a todo lugar que o vôo frenético da fadinha a levava. Ela então pousou levemente no nariz de En’hain, se debruçando, enquanto encarava aqueles olhos grandes e arregalados que não sabiam o que faziam. Como era de se esperar, En’hain acabou por inalar o pó da fada e inevitavelmente espirrou:
–Atchim! – Fez o espirrou dele que jogou a fadinha longe.
–Saúde... – Disse Gunshin.
–Obligado. – Falou ele enquanto fungava o nariz.
–Mas que sem noção! – Disse uma voz fininha, quase inaudível. – Não sabe colocar o dedo no nariz não é?
–Quem disse isso?
–Ora! Não sabe dizer coisa melhor? Tipo um “me desculpe”.
–Você fala! – En’hain estava mais espantado ainda com a aquela cena.
–Senhor Gunshin, eu sei que você protege a vila e cuida de todo mundo aqui, mas você não poderia ter trazido alguém mais original não? Que fosse tipo “Nossa, você é linda”...
–Calma Lídia – Esse era o nome da fadinha. – Este é En’hain, o novo barman. En’hain, esta é Lídia, a flor mais linda do meu jardim.
–Ah, Gunshin, para! – Disse a fadinha todo encabulada. – Você não existe!
–Heh, me desculpe. Acho que fiquei pasmo com tanta beleza... – Disse Gunshin tentando agradar depois do vexame que tivera.
–Ah! Agora sim! Gostei de ver! – Disse Lídia toda feliz, fazendo sinal de jóia com as mãozinhas.
–Lídia, posso te pedir um favor? – Perguntou o dono do bar.
–Claro meu senhor! Com todo prazer! O que gostaria?
–Poderia ajudar En’hain a encontrar seu par?
–Hum, deixe me ver... – Lídia mediu En’hain dos pés a cabeça. – Ahn... Acho que dá pro gasto esse aí!
–...! – “Essa fadinha é que é sem noção”, pensou En’hain enquanto fazia um sorriso forçado.
Bem, foi assim que começou os estudos de alquimia de En’hain, um diário sobre um mundo novo! Fantástico e...
–Atchim! – En’hain espirrou de novo.
–Que nojo, seu mal educado! – Disse a fadinha melecada.
–Desculpa, acho que meu ‘naliz’ inflamô...
Ou quase isso...

Os Reinos Subterrâneos

            O maior mistério do planeta Terra... Sem dúvida, algo que muito intriga os seres humanos é de onde vem os elementais, seres tão diminutos que fazem de uma esfera sólida que paira no espaço um lugar fértil e maravilhoso. Pois bem, eles sempre estiveram aí, desde o principio da Terra:
 
            “As salamandras cuidaram do planeta quando esta era uma apenas uma massa disforme e incandescente.”
 
            “Vieram então os grandes ventos soprados pelos silfos, organizando os vapores que subiam e desciam para que a vida começasse a fluir.”
 
            “Então os gases se precipitaram sobre as águas e as ondinas começaram as destilações do novo liquido.”
 
            “Por fim, a Terra veio à solidificação, os gnomos deram forma aos continentes formando os diversos minerais e os duendes trouxeram a vida, formando os primeiros vestígios de vida, a vegetação.”
 
            Isso é o que os antigos contam. Porém, veio a Terra o ser humano, ser infantil, ignorante e cruel que distorceu tudo o que viu. Isto era necessário a sua evolução para o seu despertar e futura liberdade. Mas as marcas deixadas pela humanidade não deram outra escolha aos elementais senão a de criar seus reinos no subterrâneo, protegidos por forças antigas e poderosas: as jóias elementais, seus tesouros mais preciosos.
 
            No total são cinco reinos, dispostos um ao lado do outro como cinco pétalas em uma flor:
 
            O primeiro reino, cheio de cavernas formando labirintos intermináveis, é o Reino do Fogo, lar das salamandras, mais conhecidas como os soldados do sol. Sua aparência é ígnea, se modificando com o temperamento, podendo se ver através de seus corpos quando não estão brilhando intensamente. A variação é indefinida, podendo parecer humanoide ou não, com rostos triangulares, olhos oblíquos voltados para cima, queixo e orelhas pontudas e cabelos abundantes e esvoaçantes que se confundem com as chamas. Seu tamanho varia de 10 a 90 cm e há também os de maior estatura, chamados Senhores do Sol. Este reino é escuro – não utiliza luminescência – e é muito comum encontrar lava escorrendo pelas paredes modificando o labirinto, além de haver gigantescas bolas de fogo indo e vindo pelos corredores. Sua jóia preciosa é a lágrima do sol, uma esfera de energia radioativa, quente e luminosa que possivelmente equivaleria a cem usinas nucleares.
 
            O segundo reino, um grande bolsão de ar com plataformas flutuantes, é o Reino do Vento, lar dos silfos, os dançarinos do ar. Os menores dentre eles parecem sementinhas que se dispersaram ao vento, não à toa, pois seu maior prazer é se mover ao longo das linhas de força dos campos de energia e vibrações do universo. Os mais desenvolvidos possuem aparência semelhante à humana, um pouco menor, e grandes asas ligadas ao corpo do ombro aos pés. Este reino é o único que possui território exterior plenamente definido: tudo que existe acima das nuvens. Sendo os moradores do alto responsáveis pelas chuvas, pelas tempestades e tufões, podendo intensificá-las ou diminuí-las de acordo com a vontade dos Devas. O reino de baixo é a plena expressão da liberdade, plantas gigantes e soltas pendem e se erguem por todos os lados, lugar perfeito para brincar. As plataformas, grande pedaços de terra que se movem em pleno espaço, são as moradias dos pequenos e no meio de todas elas há a grande plataforma cheia de chaminés de fadas, formações geológicas causadas pela erosão do vento, além da grande torre, o alicerce que representa o palácio do reino dos silfos. Sua jóia elemental é a pena de ouro, capaz de provocar tufões com um simples movimento nas mãos dos reis dos silfos.
 
            O próximo é o Reino da água, lugar de cascatas e rios caudalosos incrivelmente cristalinas. As ondinas são elementais benfazejos, retêm a úmida do ar para descarregá-la sobre as plantas. Seu tamanho começa microscopicamente e podem atingir até 1,60m de altura; sua forma diminuta parece com a de pequenas serpentinas e sua forma mais evoluída pode parecer com os silfos por terem asas áuricas que servem apenas para nadar, ou mesmo podem assumir a forma das famosas sereias. As construções do reino incluem grandes conchas, lagos de diversas formas, fontes e muito brilho; todas as casas têm esse formato de concha, sendo parte delas imersas nos lagos. Sua joia mais preciosa é o espelho d’água, capaz de criar grandes ondas e ressacas destruidoras.
 
            O quarto e o quinto reino correspondem a um único elemento, a terra, porém existe o elemento terra inanimado, o mineral, e o elemento terra vivo, os vegetais. O Reino Mineral é o mais complexo de todos, parecendo em muitos aspectos com o plano físico dos humanos, pois é o único reino com uma verdadeira cidade. Suas construções são sempre geométricas, adquirindo a forma que os minerais da qual são formados possuem de acordo com as redes cristalinas. A grande variação de cores e brilhos dos cristais confere a este reino uma beleza inigualável e muito cobiçada. Seu palácio é inteiramente feito de ouro e seus habitantes são os gnomos. Os mais simples parecem pulguinhas que se amontoam sobre qualquer material tosco e o rearranjam em formas perfeitas, os mais desenvolvidos são parecidos com anões humanos velhos e verruguentos – deformação essa causada pelos sentimentos negativos dos humanos. Muitos deles são catadores de velharias, quando alguém deixa algo perto de uma árvore e esse objeto some, foram eles que pegaram. Seu maior tesouro é a joia elemental cristal de luz, um cristal luminoso capaz de distorcer a composição molecular formando os belos cristais utilizados como moradias neste reino.
 
            No último reino, a vida floresce de forma exuberante. Flores e árvores gigantes são as maiores marcas do Reino da Vida, lar dos duendes, seres diminutos e alegres que adoram a vida e prezam pela perfeição da natureza como nenhum dos outros seres existentes. Eles são muito curiosos e gostam de deixar presentes para o seres humanos, como frutas e flores, apesar dos seres humanos ignorarem a beleza de todo o seu trabalho. Seu reino mais parece uma floresta tropical luminescente, cheia de luzes e cores. Os duendes vivem em casinhas feitas dos materiais que encontram em sua própria floresta, reunindo tudo de maneira engenhosa a fim de imitar um pouco os seres da superfície. Porém, da mesma forma que os gnomos, por absorverem energia sua feições antes alegres e de orelhinhas pontudas podem dar origem a criaturas bisonhas de intenções vis e deploráveis. No centro do reino temos a árvore da vida, geradora de todos os nutrientes originais do planeta e escondida antes mesmo que os humanos chegassem a existir na Terra. Na copa da árvore fica a casa de todos os duendes: o grande jardim, que em seu centro misterioso esconde a flor da vida, que brilha intensamente para anunciar os equinócios de primavera e outono.
 
            Originalmente este reinos faziam parte da superfície, no plano material, mas com a expansão dos seres humanos foi inevitável que os reinos dom plano transversal fossem escondidos no seio do planeta para tentar preservar a existência virgem e intacta dos elementais – um plano não conhece o outro, apesar  dos planos coexistirem. Porém, o lugar para onde os reinos foram é justamente o lugar mais próximo do abismo que leva ao umbral e as criaturas amorfas que lá existem tentam constantemente invadir os reinos elementais. Felizmente as jóias conferem imunidade aos reinos, impedindo que os amorfos façam algum mal a eles; contudo ainda é comum que um elemental seja devorado por um amorfo...
 
            A única entrada para esse mundo muito pouco explorado fica numa certa Vila dos Gatos, em um poço muito, muito profundo perdido em alguma floresta silenciosa...

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Devil's Drink - 12# Shot

            “Meu mundo caiu...”, não havia mais nada no que pensar. A desgraça se abateu de vez sobre a pobre vida de En’hain. A cena havia ficado marcada para sempre em sua memória, aquele fogo que ardia e queimava, não podia ser apagado. As salamandras ficaram furiosas com o roubo de sua jóia tão preciosa, a lágrima do sol. Normalmente elas podem até ser temperamentais e soltar fagulhas de raiva, mas sem a jóia elas mostrariam ao mundo sua verdadeira face, uma face cheia de queimaduras profundas e sentimentos amargurados. Ninguém odeia mais os seres humanos do que os filhos do sol. Há tempos eles têm aturado os seres humanos, ignorantes e cegos, utilizarem suas energias para a desgraça, para atos de torturas indescritíveis, para os atos mais selvagens que se possa imaginar. Eles queriam um basta. Inevitavelmente, o primeiro alvo que os seres do plano transversal poderiam encontrar no plano físico era a pequena vila dos gatos. A magia antiga que protege a vila, a parede de silêncio, era algo que impediria a saída deles pelo poço profundo. O jeito era apelar para o guardião que nunca está presente...
            Para chamar sua atenção, as salamandras fizeram o que tinham que fazer, o que sabem fazer de melhor, queimar. Elas não precisaram mais do que seus milhões de milhares de pequenos soldados, as fagulhas. Aquilo era mais que o suficiente para chamar a atenção de um Gunshin, título dado aos seres capazes de destroçar exércitos sozinhos, pois aquilo que eles atingiram era o seu bem mais precioso. Porém, chamaram a atenção do draconiano errado. Infelizmente, o Bar Toca dos Gatos não era o bastante para chamar a atenção dele, ele tinha lugares maiores e mais importantes para cuidar em outro planeta. Mas aquilo o era para En’hain, era tudo que ele tinha, um lugar onde finalmente havia encontrado a paz para consigo mesmo, um lugar onde nada importava. Ter uma vida miserável muda muito a maneira de pensar das pessoas, deixa os sentimentos a flor da pele, você passa a considerar coisas que, se já estivessem lá, você não daria valor, ao menos não tanto valor quando não as tem. A Toca dos Gatos estava em chamas, se desfazendo em carvão e fumaça, com todo mundo lá dentro. Nada poderia evitar aquela desgraça senão os reis das salamandras ou o Gunshin, que possui poderes misteriosos e capazes de superar a influencia dos reis elementais sobre seus soldados. Nada mais...
            En’hain se perguntava:
            –Por quê? Porque você nunca está aqui? Porque ao invés de proteger aquilo que mais amo e preciso, você está pensando em mim sem nunca estar presente?
            Aquilo era demais para o pobre coração de En’hain, tão desgraçado por sua existência sem sentido, sem futuro, sem perspectiva. “Quando você finalmente tem coragem para ter alguma esperança, nesse momento as maiores desgraças vão se abater sobre você e arrancá-las com crueldade e requintes demoníacos.”, era tudo que ele conseguia pensar.
            –Eu sabia, desde o começo eu sabia, isso sempre acontece, sempre acontece. Uma hora vamos perder tudo, não é? A pessoa que amamos irá morrer, não é? Então pra quê tudo isso, se todos os sonhos são feitos para serem despedaçados? Sou eternamente amaldiçoado e mal dito no céu e na terra por ser a desgraça que sou... Porque insistem em me manter vivo, pensando, odiando, sentindo esse sabor amargo sem nem ter noção do que realmente é o amor?
            Lágrimas desciam freneticamente de seus olhos, lágrimas de verdade, ele não conseguia se conter. Seus sentimentos que tanto controlam seus poderes entraram em colapso. Seus corpos etéreo e físico estavam distorcidos. O que estava dentro queria vir pra fora, o que estava fora queria ir para dentro, o choque causava interrupções no processo. Suas escamas que tanto rasgavam sua carne agora estavam fluídas e quentes, sua pele necrosava ao mesmo tempo em que o metal líquido era vertido pelos poros. Suas veias também ficaram repletas dos líquido fumegante. Qualquer um sentiria imensa dor se isso lhe fosse incutido, no entanto, En’hain permanecia estático, não havia como outra dor no mundo superar aquela que ele sentia, o sentido de perda, de que o mundo havia caído em definitivo. Ele sentiu-se tonto, perdeu o equilíbrio e caiu para trás, tornando-se uma grande poça de metal líquido. Não conseguia se mover, perdera todo o controle sobre o corpo. Tentou respirar, estava hiperventilando, e parou, ficou estático novamente. Todas as sensações haviam cessado, seu pulso estava inerte, sua vida não mais habitava aquele corpo. De resto, seus órgão internos ficaram boiando no meio da poça de metal líquido...
            –En’hain acorda!!! – Gritou Gurei sacudindo o barman.
            –Nyaaa! Acorda! – Disse Akai preocupado.
            –Ahn? O quê? – Fez En’hain acordando.
            –Cara, você teve outro pesadelo daqueles!
            –Nyaaa! Cê tá bem? – Akai olhava com seus olhinhos preocupados.
            –Acho que estou bem sim... – Disse passando a mão na cabeça.
            –O que foi que aconteceu dessa vez? – Perguntou Gurei.
            –Cheguem mais perto... – Os dois se aproximaram para ouvir e foram fortemente abraçados. – Eu não quero perder vocês...
            –Mas que porra é essa? – Disse Gurei estranhando toda aquela afeição. – Você bebeu foi?
            –Nyaaa?! – Fez Akai.
            –CALA A BOCA GUREI! Agora nada mais importa, vocês estão aqui, só isso que importa. – En’hain derramou suas lágrimas de metal, tudo parecia estar normal, era apenas mais um sonho...
            –Café da manhã! – Disse Lady Neko entrando no quarto, trazendo uma bandeja grande cheia de docinhos, pãezinhos e café para todo mundo.
            –Oba, o rango chegou! – Se alegrou Gurei.
            –E você En’hain, melhorou? Você passou a noite gemendo de dor e com febre, assustou todo mundo.
            –Estou bem sim, Lady Neko, obrigado.
            –Esse é meu! – Disse Gurei pegando o pãozinho de Akai.
            –Nyaaa! Eu quero! – Akai ficou tristonho.
            –Gurei, devolva já o pãozinho do menino! – Disse Lady Neko, dando uma de mãezona.
            –Tá bom, toma...
            En’hain sorriu, ele não queria contar, a perda de tudo, bem na sua frente, era aterrador demais para pensar. Ele bloqueou voluntariamente aquilo e fingiu não se lembrar. Mas ainda assim ficava a questão: “Quando você encontra algo que procura, algo que procura de verdade, será que o universo vai conspirar para que você permaneça para sempre com aquilo ou será que é sempre inevitável perder algo como aquilo que En’hain tinha finalmente encontrado?”. Ele não sabia, era melhor não pensar naquilo...